Nos seus mais de 30 (trinta) anos de existência, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, lei 8.078 de 11 de setembro de 1990, revolucionou as relações de consumo.
Em seu cerne está a proteção ao hipossuficiente, não somente em questão financeira, mas também em aspectos processuais, especialmente quanto à capacidade para produzir provas.
Assim, pautando-se em tal princípio, de proteção ao menos favorecido, essa importante norma dá especial atenção ao consumidor que, na maioria das situações, tem que exercer seus direitos em face de grandes empresas, conglomerados econômicos que fornecem produtos e serviços.
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor nasceu em um período histórico muito diferente do atual, no qual a internet no Brasil era incipiente e as vendas realizadas prioritariamente no estabelecimento comercial, de forma presencial.
No momento, diante da evolução tecnológica e dos transtornos trazidos pela pandemia do coronavírus, as relações de consumo estão, dia-a-dia, migrando para o meio virtual através de sites, apps, redes sociais e outros meios eletrônicos.
Nessa perspectiva, de alteração das relações jurídicas e hábitos, os consumidores também contam com o respaldo de outras normas, entre elas o Marco Civil da Internet, lei 12.965/14, e no corrente mês (setembro de 2020) com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (lei 13.709 de 14 de agosto de 2018) que passou a ter vigência e eficácia.
É inegável que a relação consumerista nesses últimos trinta anos sofreu grandes transformações, contudo, a Política Nacional das Relações de Consumo preconizada pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor (art. 4º) continua atual.
Ao adquirir um produto via internet ou por qualquer outro meio no qual o consumidor esteja fora do estabelecimento do fornecedor, aquele poderá desistir da compra e devolver o bem adquirido em até sete dias.
O dispositivo de direito material que resguarda tal possiblidade estava na redação original do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, ou seja, existe há mais de trinta anos, contudo, trata-se de elemento normativo completamente adequado ao momento atual, observe:
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.
Apesar de sua adequação ao presente momento, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor pode ser melhorado.
Basta pensar que os fornecedores, por liberalidade, em caso de arrependimento da compra ou por defeito do produto, geralmente nas setenta e duas horas após a compra no estabelecimento físico, realizam a troca do mesmo por outro idêntico ou qualquer produto de interesse do consumidor de mesmo valor.
Ou seja, o próprio fornecer atribui uma prerrogativa ao consumidor que não é prevista em normas consumeristas, o que indica que tal direito deve ser inserido em ato normativo, passando assim ser cogente.
Comparando-se a compra de produto realizada na internet com uma efetivada no estabelecimento do fornecer quanto à troca do bem, constata-se que a realizada na internet é mais segura e descomplicada, visto que na segunda o ato depende da boa vontade do fornecedor e na primeira decorre de obrigação legal (art. 49 da lei 8.078/90).
Quando o produto adquirido apresenta problema nos primeiros dias de uso, diante do direito de troca nas vendas realizadas fora do estabelecimento do fornecedor, o desfecho é o mesmo, ou seja, a efetivada pela internet é mais vantajosa ao consumidor.
O produto adquirido no estabelecimento do fornecedor, caso apresente vício, ainda que no mesmo dia, somente será substituído por outro onde foi adquirido caso se observe um ato de boa-fé, liberalidade, sendo a regra enviar o adquirente à assistência técnica.
Frente a essa realidade, constata-se um ponto em que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor pode ser aprimorado, levando-se em consideração a solidariedade entre o fornecedor e quem produz o bem quanto a sua funcionalidade.
Em recente julgado, de agosto do corrente ano (2020) (REsp 1.568.938), o Superior Tribunal de Justiça – STJ, por meio da Terceira Turma, alterou a realidade jurisprudencial sobre a responsabilidade do vendedor quanto ao bem que apresentou vício, abrindo caminho para possíveis alterações na legislação consumerista.
O tribunal noticiou o julgado nos termos que segue1:
O relator do recurso, ministro Moura Ribeiro, lembrou que o STJ tem posição firme no sentido da responsabilidade solidária de toda a cadeia de fornecimento pela garantia de qualidade e adequação do produto perante o consumidor (AgInt no AREsp 1.183.072). Assim, respondem pelo vício do produto todos os que ajudaram a colocá-lo no mercado, do fabricante ao comerciante, passando pelo distribuidor.
Para o ministro, a solidariedade entre os integrantes da cadeia, prevista no artigo 18 do CDC, impõe à Via Varejo a obrigação de coletar e encaminhar para reparo os produtos adquiridos em suas lojas que apresentem defeitos de fabricação.
Moura Ribeiro mencionou precedente no qual a Terceira Turma estabeleceu que, havendo assistência técnica no mesmo município, o comerciante não seria obrigado a encaminhar o produto ao serviço especializado (REsp 1.411.136). Porém, segundo o ministro, tal posição deve ser revista.
Para o magistrado, sendo indiscutível a caracterização da empresa varejista como fornecedora, nos termos do CDC, mesmo que haja assistência técnica no município, ela tem a obrigação de intermediar a reparação ou a substituição do produto – o que não significa dizer que deva reparar ou substituir o bem por seus próprios meios.
"Não deve prosperar o argumento por ela utilizado de que a intermediação dos produtos submetidos a reparo, com a coleta em suas lojas e remessa ao fabricante e posterior devolução, corresponde a medida mais gravosa ao fornecedor, se comparada à possibilidade de o consumidor encaminhar o produto diretamente ao fabricante, nas hipóteses em que assim a loja orientar", ressaltou.
O ministro destacou que a lógica do CDC é proteger o consumidor. Impedir que ele possa entregar o produto defeituoso ao vendedor para que este o encaminhe ao conserto no fabricante significaria impor dificuldades ao seu direito de possuir um bem que sirva aos fins a que se destina – comentou.
Segundo Moura Ribeiro, a mais recente posição da Terceira Turma sobre o tema, no julgamento do REsp 1.634.851, foi considerar que o comerciante, por estar incluído na cadeia de fornecimento, é responsável por receber os produtos que apresentarem defeito para encaminhá-los à assistência técnica, e essa obrigação não está condicionada ao prazo de 72 horas após a compra.
"Nesse julgado, ainda ficou pontuado que cabe somente ao consumidor a escolha menos onerosa ou embaraçosa para exercer seu direito de ter sanado o defeito do produto em 30 dias, podendo optar por levá-lo ao comerciante que o vendeu, à assistência técnica ou, ainda, diretamente ao fabricante", afirmou.
As relações consumeristas são dinâmicas, alterando em conformidade com a evolução dos meios utilizados para aproximar os consumidores dos fornecedores e suas necessidades, assim, levando-se em consideração tal realidade e as demais modificações sociais, a legislação consumerista também deve se adequar, evoluir, para continuar resguardando o hipossuficiente, o consumidor.
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1 Clique aqui - Acessado em 30/9/20.
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