Migalhas de Peso

O empreendedorismo responsável das marcas famosas versus o aproveitamento parasitário do mercado de produtos falsificados em meio à pandemia

Por serem fabricados com materiais de procedência duvidosa, que certamente não atendem as exigências da Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária, esses produtos podem afetar, e muito, a saúde do consumidor.

2/10/2020

É de conhecimento geral que estamos vivendo a maior pandemia da nossa geração. Para minimizar os impactos, tanto financeiros quanto sociais, do covid-19, grandes empresas nacionais e internacionais têm se engajado em diversas ações em prol da sociedade, que vão desde doações à população carente até mesmo a destinação de parte de suas fábricas para a produção de materiais necessários no dia-a-dia desta luta para mitigar a pandemia.  

Um ponto de vista relevante é o resultado de um dos recortes do levantamento feito pela plataforma MindMiners, acerca da percepção das pessoas com relação às ações solidárias realizadas por grandes marcas em meio a esta crise. A pesquisa foi realizada com 500 pessoas e apontou que 50,7% dos entrevistados concordam que estas grandes empresas possuem um papel social no auxílio e na conscientização social.  

Como exemplo disso, uma renomada fabricante do ramo de bebidas interrompeu parte da sua produção de bebidas alcoólicas para desenvolver álcool em gel e disponibilizá-lo, de forma gratuita, para hospitais públicos. O mesmo ocorreu com outra reconhecida holding europeia, que determinou que três de suas fábricas interrompessem a produção de cosméticos e perfumes para produzirem grandes quantidades de álcool em gel para doação às entidades de saúde francesa. Na mesma esteira, outra grande marca de luxo francesa reabriu parte de uma de suas fábricas para produzir máscaras e atingiu o resultado de 100 mil máscaras confeccionadas para doação.  

Além da produção em larga escala de produtos essenciais para este momento, há também o incentivo econômico, como no caso de uma conhecida marca de cerveja, que visando apoiar a sustentabilidade de pequenos e médios empreendedores, como bares que vivenciaram diretamente as consequências do isolamento social, lançou a plataforma “Brinde do Bem”, que consistia na compra de um voucher pelo consumidor no site do programa para pagar sua compra no estabelecimento escolhido, com isso a marca faria uma contribuição de valor igual ao voucher para o bar que o consumidor fez ou fará sua compra. Tal campanha resultou em mais de 100.000 contribuições para mais de 7.500 bares cadastrados em todo o Brasil. 

Tais iniciativas são de extrema importância e refletem diretamente não somente na saúde da população, mas também no aspecto econômico e social, seja incentivando pequenas e médias empresas a se manterem economicamente, seja minimizando os reflexos da desigualdade social que infelizmente assola nosso país tão fortemente impactado pela pandemia.  

Paralelamente ao empenho dessas empresas, temos visto diversas notícias de operações policiais realizadas no combate à falsificação de produtos essenciais à prevenção do covid-19.  

No dia 07 de abril, na zona norte de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, a Delegacia de Polícia de Proteção ao Consumidor (Decon) realizou uma operação a fim de verificar possíveis irregularidades em certos produtos de higiene que tiveram uma alta procura com a pandemia. O resultado disso foi a apreensão de 3100 frascos de 500ml de álcool em gel falsificado que, segundo a descrição das autoridades, estavam sujos, não eram consistentes e não continham informações de lote, fabricação ou registro competente, comprometendo totalmente a eficácia e qualidade do produto. Ademais, sua embalagem ostentava o rótulo com a marca da empresa que efetivamente o produz, o que claramente causa confusão ao consumidor. 

Em 23 de abril, a Polícia Civil da 1ª Delegacia de Polícia de Investigações sobre Propriedade Imaterial de São Paulo (DEIC - 1ª DIG) estourou uma fábrica que produzia almofadas de personagens infantis de marcas variadas sem a devida autorização dos seus titulares. Além das almofadas, milhares de máscaras que ostentavam personagens famosos foram apreendidas na operação.  

Outro caso relevante se refere às vacinas para a gripe adquiridas pelo Município de Coxilha, no Rio Grande do Sul. A operação denominada Anticorpo teve início em abril devido a reclamação feita por uma funcionária da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal da cidade, que suspeitando dos padrões de dosagem e algumas características das vacinas tetravalente (Fluarix Tetra – Vacina Influenza Tetravalente), contatou a empresa responsável pela fabricação e obteve a confirmação de que eram falsas, haja vista que o lote informado nunca foi produzido pela empresa, já que o sistema de codificação padrão utilizado originalmente não correspondia aos lotes consultados por Coxilha. Diante disso, no mês de maio a Polícia Civil, por meio da Divisão Estadual de Combate à Corrupção e de sua 1ª Delegacia de Polícia de Combate à Corrupção (1ª DECOR), cumpriu mandados de busca e apreensão e de prisões preventivas na região de Passo Fundo, resultando na apreensão de lotes de vacinas falsificadas, prisões dos agentes apontados como responsáveis pela comercialização da vacinas, além de documentos primordiais para os desdobramento das investigações.  

Enquanto renomadas marcas vêm promovendo iniciativas em prol da sociedade para auxiliar na luta contra o novo coronavírus, os contrafatores, por sua vez, aproveitando-se do momento caótico que o mundo vive, em um nítido aproveitamento parasitário, buscam se valer de marcas famosas e de produtos essenciais para higiene e prevenção da disseminação da doença para lucrarem com a fabricação e comercialização de produtos falsificados, difamando ainda a imagem dos seus titulares.  

A grande preocupação é, e sempre será, com a saúde daqueles que os consomem. Por serem fabricados com materiais de procedência duvidosa, que certamente não atendem as exigências da Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária, esses produtos podem afetar, e muito, a saúde do consumidor, e ainda contribuir com a disseminação do vírus por não possuírem qualquer tipo de controle de qualidade.  

Além de todo prejuízo demonstrado acima, esses infratores, por se tratar de empresas informais, deixam de recolher impostos que seriam revertidos para o bem-estar da população e muitas vezes abusam da mão de obra barata de estrangeiros que migram de seus países buscando melhores condições de vida, e que acabam em situações análogas a de escravos. 

Com isso, notamos que o menor dos prejuízos que a falsificação de insumos utilizados na prevenção do coronavírus traz, é a lesão à imagem das empresas titulares de direitos intelectuais em decorrência da utilização indevida de suas marcas. 

O que preocupa principalmente é a saúde do consumidor ante a disseminação da doença. A fabricação e comercialização de vacinas, medicamentos e álcool em gel com a qualidade e composição totalmente duvidosa ostentando marcas de empresas e farmacêuticas renomadas no mercado, além de ser extremamente prejudicial e perigoso à saúde da população e alimentar uma cadeia de crimes contra a ordem tributária, não assegura que sejam eficazes na proteção do consumidor contra a gripe, o próprio vírus e outras doenças.  

Dessa forma, em meio à pandemia, vemos os dois lados da moeda: o dos detentores das marcas tomando medidas e adotando meios a fim de colaborar com a sociedade, e de outro lado, do contrafator, que se aproveita do momento de crise para lucrar em proveito próprio, sem ao menos se importar com os danos que porventura poderá causar à saúde da população, financiando, incorrendo ou mesmo encobrindo outros crimes muito mais graves, como o tráfico de drogas, a sonegação de impostos e outros.  

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*Karyn Mutzenberg Rodrigues é advogada da Daniel Advogados.

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