A utilização indevida de marcas já consolidadas no mercado corresponde a diversos litígios administrativos e judiciais que visam a abstenção do uso do sinal marcário, bem como a reparação de danos, tanto na esfera cível como na criminal.
O procedimento administrativo perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), autarquia federal responsável pela análise e concessão de registros de marca, é premissa básica para que o titular que deseja utilizar determinada expressão tenha garantido o seu direito de exclusividade no uso e, consequentemente, a inibição de atos praticados por terceiros, que porventura venha a causar confusão entre o público consumidor.
No entanto, para que o titular da marca possa requerer a exclusividade no uso da expressão pretendida, é necessário que esta não corresponda a nenhum dos atos impeditivos previstos no artigo 124 da Lei da Propriedade Industrial (lei 9.279/96).
Dentre vários incisos que preceituam expressões que não poderão ser registradas como marca, o inciso VI corresponde a expressões formadas por “sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva.”
Estes sinais marcários citados acima não podem ser requeridos com exclusividade, uma vez que são considerados como expressões de “uso comum”, ou seja, expressões que facilmente poderão ser utilizadas por diversos titulares, inclusive quando descritivas do ramo de atividade ou características do produto ou serviço assinalado. A doutrina e jurisprudência conceitua essa modalidade como “marcas fracas ou evocativas”.
A análise do INPI, em conformidade com o Manual de Marcas deste E. Instituto, leva em consideração se o sinal marcário guarda vínculo direto e imediato com os produtos ou serviços que visa distinguir.
Sendo assim, para que o titular possa requerer perante o INPI o registro de expressões de “uso comum”, esta deverá ser dotada de suficiente distintividade, com forma de apresentação mista. Esta forma de apresentação requer que o titular utilize logotipia suficientemente estilizada, ou seja, que o consumidor possa identificar visualmente e com facilidade a utilização do nome comum e a titularidade.
A análise do INPI é feita pelo conjunto em que a expressão é apresentada. Esta análise do elemento figurativo que compõe a marca é extremamente necessária, para que se possa concluir pela possibilidade ou não de contrafação diante de possível confusão entre os consumidores.
Além da análise do elemento figurativo, o INPI também deve observar outras diferenciações, tais como: possíveis anterioridades impeditivas, diferenças visuais, cores ou outros sinais distintivos, atividades a serem designadas, setor em que se pretende utilizar a expressão, dentre outras. Estes requisitos também devem ser observados para que se possa analisar a presença ou não de originalidade.
Nos casos em que o INPI entende pelo indeferimento do pedido de registro, com fundamentação no inciso VI do artigo 124 da Lei da Propriedade Industrial (INPI), há a possibilidade do titular da marca ingressa com demanda judicial, a fim de rever a decisão.
Ocorre que, atualmente o judiciário vem interpretando o referido tema em consonância com a doutrina e a legislação vigente, sob o aspecto de que a análise do sinal marcário composto por expressão de “uso comum” deve ser feita pelo conjunto em que se apresenta, uma vez que não é possível a exclusividade no uso de termos comuns.
O Superior Tribunal de Justiça inclusive, já analisou demandas a respeito da utilização de expressões de “uso comum”, posicionando-se no mesmo sentido, ao afirmar que as marcas fracas ou evocativas, que constituem expressão de uso comum, atraem a mitigação da regra de exclusividade decorrente do registro, admitindo-se a sua utilização por terceiros de boa-fé (STJ, REsp 1.315.621, relator(a) ministra Nancy Andrigui. Data de julgamento: 04 de junho de 2013).
Sendo assim, o requerimento de marca formada por expressão de uso comum não permite ao titular a exclusividade no uso do referido sinal marcário, tendo este que arcar com o fato de que a exclusividade será mitigada entre os titulares que, de boa- fé, também utilizarem-se da referida expressão.
A fim de elucidarmos esta modalidade de registro de marca, destacamos o julgado proferido pela Terceira Turma do STJ no REsp 1.773.244. Na demanda, a companhia aérea americana AMERICAN AIRLINES contestou a concessão do registro da marca “AMERICA AIR”, para designar serviços de táxi aéreo.
A relatora do referido recurso, ministra Nancy Andrigui, afirmou que: “O que se está a reconhecer é que, de acordo com a interpretação conferida à legislação de regência pela jurisprudência consolidada nesta Corte, as circunstâncias fáticas subjacentes à hipótese (natureza evocativa da marca, utilização em serviço diverso daquele prestado pela parte adversa, ausência de confusão) impedem que se reconheça que o uso da marca registrada pela recorrida viole direito da recorrente.”1
Ademais, em julgados recentes proferidos pela 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, verificamos que os desembargadores apresentam, como premissa necessária, a análise do conjunto que compõe a marca, além dos requisitos de anterioridade e especificidade.
O princípio da anterioridade consiste na precedência ao uso da expressão, mediante apresentação de comprovação por meio de documentos que demonstrem que o titular se utilizava da expressão como marca por meio de notas fiscais, relatórios, e- mails, orçamentos entre outros.
Já o princípio da especificidade consiste nas atividades desempenhadas pelo sinal marcário, bem como o ramo mercadológico atuante. Além disso, analisa-se também qual a classe internacional que a marca fora requerida.
A respeito da referida análise, destacamos as considerações do desembargador Sérgio Shimura do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“Sob outro enfoque, a conduta parasitária se exterioriza pela associação indevida de uma marca desconhecida a uma outra, já consolidada, registrada e identificada pela qualidade do produto ou serviço. Tal conduta pode, além de ensejar desvio de clientela, levar à depreciação do valor de uma marca ou nome empresarial respectiva classe de atuação, vez que induz o consumidor a atrelar determinada empresa a uma outra, de menor expressão ou reputação duvidosa”.
Sendo assim, o titular que deseja requerer marca composta por expressão evocativa, ou seja, expressão de “uso comum” a determinado ramo de atuação, deverá seguir as orientações do INPI, que orienta aos depositantes que, em caso de depósitos de marca na forma de apresentação mista, apresentam elementos figurativos suficientemente distintivos, fantasiosos ou estilizados.
Ao elaborar elemento figurativo suficientemente diferenciador, passível de inviabilizar confusões aos consumidores, o titular terá mais chances de ter sua marca concedida, evitando, futuramente, demandas administrativas e judiciais.
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1 REsp 1.773.244/RJ (2018/0049055-9) - Relatora: ministra Nancy Andrighi. Data do Julgamento: 19 de fevereiro de 2019.
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