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Uso de drogas em condomínios

Devemos observar que o uso de drogas em si, ou seja, a conduta isoladamente considerada de tão somente “fazer uso de droga”, por paradoxal que possa parecer, não configura crime em nossa legislação criminal, nem tão pouco, qualquer ilícito penal.

29/9/2020

Um dos temas mais palpitantes e candentes da atualidade, que costuma colocar em dificuldade os gestores e demais administradores condominiais, e que para além das mais diversas opiniões a respeito, segue se apresentando como objeto de intensa polêmica, seja a partir da responsabilidade direta do síndico, seja com relação ao modo de proceder dos condôminos e demais moradores, é o que se refere ao uso de drogas em condomínios.

Com efeito, devemos observar que o uso de drogas em si, ou seja, a conduta isoladamente considerada de tão somente “fazer uso de droga”, por paradoxal que possa parecer, não configura crime em nossa legislação criminal, nem tão pouco, qualquer ilícito penal.

Isso porque a lei de drogas, nesse sentido e mais precisamente, o art. 28 da lei 11.343 de 2006, afirma configurar crime de droga o comportamento consistente em “adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.

Verifica-se assim que o uso de droga não foi previsto como crime em nossa legislação criminal, de modo que, à guisa de exemplificação, caso um condômino se encontre fumando um cigarro de maconha em uma área comum do condomínio, pratica ele o crime de “porte de droga para consumo pessoal” (conforme a redação do citado art. 28), e caso já tenha exaurido o objeto material, vale dizer, caso tenha ele fumado por inteiro o cigarro de maconha, nada se poderá fazer em relação a sua pessoa em sede de responsabilidade penal, visto que se o uso presente não configura crime, por certo, e na mesma esteira, não se há falar em ilícito penal com relação ao uso pretérito de qualquer tipo de droga.

Contudo, à luz do poder disciplinar do síndico, querendo dizer, com respeito ao poder inerente ao seu cargo de aplicar sanções e penalidades previstas nas normas regentes dos condomínios aos infratores das regras de vizinhança e da boa convivência, entendemos que o responsável legal do condomínio deve, primeiramente, advertir o condômino infrator, e caso ocorra reincidência, deve aplicar multa aquele que reiteradamente venha a materializar oposição aos princípios e preceitos elementares da vida harmônica e respeitosa para com os seus vizinhos.

Isso porque, a despeito da conduta do morador se amoldar ou não, a um determinado tipo penal, podemos afirmar que tal comportamento não desfigura, nem descaracteriza o ilícito condominial, uma vez que a todos os moradores e membros da coletividade se impõe o dever de cumprir a lei.

E como lei, estamos em verdade fazendo referência, não aos crimes de drogas previstos na legislação penal especial, mas sim, ao preceituado no artigo 2° da lei 9.294 de 1996, mais conhecida por “legislação antifumo”, a qual proíbe de forma expressa o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto análogo, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo fechado, privado ou público, o que nos remete a única conclusão possível: a de que é proibido fumar o que quer que seja em áreas cobertas ou fechadas de condomínios.

Importante observar que no texto da advertência ou de eventual multa aplicada ao condômino, não se deve fazer referência expressa a “uso ou porte de drogas”, isso porque, até mesmo para que a polícia possa afirmar que determinada substância se apresenta como droga, deve a autoridade policial requerer a produção de uma perícia sobre a substância apreendida, competindo aos peritos experts, num primeiro instante, sob o pálio de um prognóstico preliminar (laudo de constatação) e em seguida sob a égide de um diagnóstico definitivo (exame químico-toxicológico) confirmar se aquela substância se trata efetivamente de uma droga, como tal reconhecida e identificada pelo Ministério da Saúde.

Ademais, qualquer imputação de crime, a quem quer que seja, desprovida de lastro probatório e desacompanhada de fortes evidências de sua ocorrência, pode posicionar o síndico na condição de autor do crime de calúnia, previsto no art. 138 do Código Penal, o que pode gerar, não somente responsabilização criminal ao responsável legal do condomínio, como igualmente, e de forma correlata, o seu dever de indenizar, por dano moral, à vítima de sua injusta ou indevida imputação delituosa.

No que se refere a um possível crime de drogas, constatado no âmbito do condomínio, deve o síndico acionar, preferencialmente, por meio da assessoria jurídica condominial, as autoridades policiais, buscando preservar a todo tempo a sua integridade física, pessoal e moral, evitando agir como agente público ou autoridade (que ele não é), também porque ao síndico não lhe é atribuído pela lei qualquer parcela do poder de polícia de segurança pública, prerrogativa esta exclusiva das forças policiais.

Assim, caso o crime de drogas esteja ocorrendo, deve o síndico acionar a polícia militar, a quem compete o policiamento preventivo e ostensivo, e a atuação imediata nos casos de flagrante delito; já se o crime chega ao conhecimento da gestão condominial de forma a demandar uma investigação, como na hipótese de haver sido localizado descarte de materiais empregados no consumo de drogas nas lixeiras ou em áreas comuns do condomínio, deve o síndico acionar a polícia civil, a quem compete o papel constitucional de polícia repressiva ou judiciária.

Já no que diz respeito ao uso de drogas na unidade autônoma, deve o síndico examinar se as regras pertinentes ao direito de vizinhança vem sendo desrespeitadas, como na hipótese da fumaça que extravasa os limites da propriedade privada para gerar incomodo e desassossego às pessoas nas áreas comuns ou particulares contíguas; caso tal ocorra, deve o síndico advertir e sequencialmente, na reiteração, multar; de outro lado, se a conduta de fazer uso de droga se circunscreve ao perímetro da propriedade autônoma, em nada incomodando os vizinhos, torna-se vedado ao síndico agir com o exercício de seu poder disciplinar, restando-lhe tão somente levar ao conhecimento das autoridades policiais, (sempre por meio de interposta pessoa, de preferência o advogado do condomínio), a quem compete, por lei, a repressão aos crimes contra a saúde pública.

Também e para o fim de exercer uma gestão inteligente e dissuasiva, agindo de forma preventiva e profilática, recomenda-se ao síndico promover campanhas de informação e de caráter educativo contra o uso de drogas, tais como eventos que possam contar com palestras de especialistas, além da instalação de câmeras nas áreas comuns, com aviso de que estão sendo realizadas as respectivas filmagens, conquanto se deva atentar para a importância da responsabilidade na custódia destas mesmas imagens, uma vez que estas representam o espelho dos direitos de personalidade de todos aqueles que circulam ou que orbitam nas dependências do condomínio.

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*Vander Ferreira de Andrade é advogado. Especialista, mestre e doutor em Direito. Professor titular de MBA em Direito Imobiliário. Presidente da Associação Paulista de Síndicos Profissionais e pró-reitor de Administração e Planejamento do Centro Universitário Fundação Santo André.

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