Migalhas de Peso

O pioneirismo digital do Judiciário brasileiro

Em breve, haverá o lançamento do InovaSTF, um laboratório que reúne profissionais de diversas especialidades em busca de soluções criativas e de baixo custo para o Judiciário.

25/9/2020

Como advertia o jurista italiano, professor da Universidade de Roma, Cesare Vivante, “Altro Tempo, Altro Diritto”. A era digital chegou e o sistema jurisdicional deve acompanhar a evolução da sociedade para se desincumbir de sua obrigação perante o cidadão. O Poder Judiciário brasileiro, sem dúvida, lidera esse movimento se comparado aos demais sistemas ao redor do mundo.

No decorrer da 318ª sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, o ministro Luiz Fux reforçou este movimento em seu discurso de posse na Presidência do Supremo Tribunal Federal – STF, elencando os cinco eixos prioritários de trabalho. Dentre seus principais compromissos de gestão, destaca-se o incentivo ao acesso à justiça digital.

A partir de um conceito macro de um Juízo 100% digital com a criação de um grande Centro de Inteligência do Poder Judiciário, serão priorizados, dentre outros, o Programa Justiça 4.0, a eliminação de cartas precatórias, a ampliação das audiências telepresenciais, a implementação do Portal Único do Advogado, a criação do Sistema Nacional de Penhora On-line e o fomento a soluções alternativas de conflitos em plataformas eletrônicas (On-line Dispute Resolution – ODR).

Em breve, haverá o lançamento do InovaSTF, um laboratório que reúne profissionais de diversas especialidades em busca de soluções criativas e de baixo custo para o Judiciário. Além disso, será desenvolvida a Plataforma Digital do Poder Judiciário, com funcionamento em nuvem, visando interligar os sistemas eletrônicos dos tribunais do país.

Tudo isso para racionalizar os recursos orçamentários e dar uma melhor resposta jurisdicional ao cidadão em tempo razoável.

A tendência de utilização da tecnologia no Judiciário é observada em diversos países, como Estônia, Canadá e Reino Unido. A diferença para o caso brasileiro é que, em razão da nossa atual situação de litigância, o emprego adequado dos meios tecnológicos para a solução de conflitos tem se mostrado essencial e, justamente por isso, vem ocorrendo de forma mais acelerada do que em muitos países economicamente desenvolvidos.

Os números não mentem. O Brasil possui o maior número de processos em tramitação do mundo, próximo a 80 milhões. O segundo país com maior volume de processos em tramitação é a Índia, com cerca de 30 milhões e uma população muito maior que a nossa. Outro dado expressivo é que, em 2019, o Supremo Tribunal Federal proferiu 115.603 decisões, sendo a Corte Constitucional que mais julga processos em todo o mundo. A comparação com demais países, como a Suprema Corte dos Estados Unidos (que julga cerca de 100 casos por ano), revela, de um lado, a capacidade produtiva dos nossos ministros, mas, de outro, reforça a necessidade de soluções inovadoras para auxiliá-los no mister de julgar. A alta produtividade pode ser atribuída, também, ao uso da tecnologia, como a ampliação do Plenário Virtual, um sistema que funciona 24 horas por dia e permite que os ministros o acessem de forma remota, com seus votos disponíveis em tempo real.

Experiências tecnológicas recentes, iniciadas na gestão do ministro Dias Toffoli, têm sido construídas de forma colaborativa, descentralizada e com foco na identificação das necessidades dos usuários. Duas merecem destaque: o sistema Sinapses, inicialmente desenvolvido pelo Tribunal de Justiça de Rondônia e atualmente transformado em uma plataforma de inteligência artificial para a justiça brasileira, bem como a plataforma online de conciliação e mediação, com foco na desjudicialização.

O STF vem desenvolvendo, ainda, o primeiro sistema de inteligência artificial em uma Suprema Corte no mundo, o robô “Victor”, cuja tarefa é de analisar os Recursos Extraordinários que chegam e identificar quais possuem repercussão geral como requisito de admissibilidade.

É claro que, na mesma proporção em que se investe em tecnologia, em especial sistemas de inteligência artificial, deve-se investir em mecanismos que visem a sua adoção de forma ética, segura e com design centrado no ser humano, a exemplo da proteção dos dados utilizados e da auditoria e transparência quanto ao uso dos sistemas.

Como se vê, o Judiciário brasileiro avança, inova, se reinventa. O ministro Luiz Fux intensifica esse movimento disruptivo propondo ambiciosos projetos. As inovações são pioneiras e relevantíssimas, mas jamais substituirão a função do Judiciário, de garantidor dos direitos e garantias erigidos na Constituição e nas leis do nosso país. O Direito nunca deve ser sacrificado e a tecnologia nao é um fim em si mesma. Na era digital, queremos um Judiciário que use a tecnologia como instrumento eficiente de realização de Justiça.

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*Rodrigo Fux é advogado, doutorando e mestre em Processo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.





*Caroline Somesom Tauk é mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Juíza Federal no RJ e Juíza Auxiliar no STF.





*Clarissa Somesom Tauk é juíza de Direito da 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo.

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