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Necessidade de modulação da decisão sobre o terço constitucional de férias

A decisão da inclusão do terço constitucional no salário de contribuição, base de cálculo das contribuições previdenciárias, surpreendeu a maioria dos contribuintes, tendo em vista a situação da jurisprudência até então.

24/9/2020

I. Introdução

Em 29/8/20, o Pleno do STF julgou o RE 1.072.485, tema 985 da repercussão geral, tendo sido fixada a tese: “É legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias”.

O recurso extraordinário, de relatoria do ministro Marco Aurélio de Mello, foi julgado no Plenário Virtual, tendo prevalecido o voto do relator, que foi acompanhado por oito dos seus pares, vencido o ministro Edson Fachin.

A decisão da inclusão do terço constitucional no salário de contribuição, base de cálculo das contribuições previdenciárias, surpreendeu a maioria dos contribuintes, tendo em vista a situação da jurisprudência até então.

O presente artigo tem como objetivo demostrar, que a par de ser criticável em seu mérito, o contexto que envolve a discussão do terço constitucional demanda que o Tribunal reconheça a necessidade de modulação dos efeitos da sua decisão.

II. Fundamentos do julgamento

Em seu voto, o ministro relator Marco Aurélio de Mello explicitou corretamente que a inclusão ou não de determinada verba no salário de contribuição demanda a sua avaliação por duas óticas, a natureza remuneratória e a habitualidade.

Fazendo referência ao julgamento do tema 20 da repercussão geral, o ministro relator consignou que, nos termos do § 11 do artigo 201 da Constituição Federal, a remuneração abarcaria os valores recebidos pelo trabalhador, em decorrência do contrato de trabalho, excluídas as verbas de natureza remuneratória.

Partindo do pressuposto da habitualidade do recebimento do terço constitucional de férias, o ministro relator trouxe o seu entendimento sobre a natureza remuneratória do terço constitucional de férias. Cite-se:

Atentem para a natureza do terço constitucional de férias, cuja previsão está no artigo 7º, inciso XVII, da Constituição Federal. Trata-se de verba auferida, periodicamente, como complemento à remuneração. Adquire-se o direito, conforme o decurso do ciclo de trabalho, sendo um adiantamento em reforço ao que pago, ordinariamente, ao empregado, quando do descanso.

Surge irrelevante a ausência de prestação de serviço no período de férias. Configura afastamento temporário. O vínculo permanece e o pagamento é indissociável do trabalho realizado durante o ano.

O ministro Alexandre de Moraes apresentou voto escrito, no qual acompanhou o entendimento pela natureza remuneratória, trazendo o argumento complementar que o terço constitucional teria natureza acessória às férias gozadas, cuja natureza remuneratória é confirmada pelo artigo 148 da Consolidação da Legislação Trabalhista – CLT1.

Já a divergência foi trazida no voto do ministro Edson Fachin, que preliminarmente reiterou o seu posicionamento de que a matéria em discussão não teria índole constitucional, já que demandaria a avaliação da legislação infraconstitucional.

Visando situar a controvérsia, o ministro Fachin acertadamente chamou a atenção sobre o fato de que se trata de uma discussão disseminada nas esferas administrativa e judicial, que classificou como um tipo de macrolitigância fiscal.

Ao fazer essa contextualização, trouxe um fato de grade importância, que foi totalmente desconsiderado nos votos do ministro Marco Aurélio de Mello e Alexandre de Moraes, concernente ao anterior julgamento do tema pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando se pacificou o entendimento, no plano infraconstitucional, da não inclusão do terço constitucional de férias no salário de contribuição.

Para fundamentar a sua adesão ao entendimento do STJ, pelo caráter indenizatório do terço constitucional de férias, o ministro Fachin destacou trecho do debate sobre a sua instituição, travada na Assembleia Constituinte, conforme manifestações do constituinte Gastone Righi.

A citação trazida no voto é muito pertinente, já que permite a análise da verba pelas duas óticas já citadas.

Com relação à habitualidade, entendemos que uma remuneração tem essa característica quando agrega à capacidade econômica do empregado para, mensalmente, fazer frentes às despesas vinculadas ao custeio a vida rotineira, sua e dos seus familiares.

Para apresentar o caráter remuneratório, a verba deve ser contraprestativa do trabalho prestado, compondo o salário acordado entre o trabalhador e o seu empregador.

Esses parâmetros fundamentam o nosso entendimento de que o terço constitucional de férias é um benefício social, instituído pela Constituição Federal, que não compõe o salário, diferenciando-se inclusive das férias gozadas. É um plus financeiro, que visa trazer um acréscimo à remuneração habitual, para que o trabalhador possa gozar de suas férias, custeando despesas com viagens e lazer, que são extraordinárias ao seu orçamento mensal.

O teor da manifestação do deputado constituinte demonstra que esse aspecto norteou o debate para a sua instituição. Cite-se:

 Por outro lado – e não podemos negar – o trabalhador brasileiro, na realidade, não goza férias. De fato, o período que lhe dão a título de férias lhe é danoso. Como gozar férias se, na maioria das vezes, ele não ganha sequer o suficiente para sua sobrevivência e, muito menos, a de sua família? De que lhe adianta ter, nominalmente, férias, se não pode espairecer, ter acesso ao lazer, ao descanso, enfim, a tudo o que lhe permita recuperar as forças, perdidas durante a labuta de um ano de trabalho? Com seu minguado salário, tem que atender ao pagamento do aluguel, à escola dos filhos e à alimentação da família. (...) Assim sendo, conclamo meus nobres colegas para darmos o primeiro passo nesta caminhada, com o ressarcimento de um terço a mais na remuneração de férias devidas aos trabalhadores.(...).

O argumento de que se trata de benefício social, que tem o objetivo de viabilizar o descanso do trabalhador, para reparação do seu dispêndio de energia física e psíquica no labor é ponto central nessa discussão.

Infelizmente, a sistemática do Plenário Virtual limita muito a possibilidade de debate entre os ministros. Muitas vezes os votos não se comunicam e não há avaliação de argumentos e interpretações constitucionais trazidas em votos divergentes. Exatamente o que aconteceu no presente julgamento.

Espera-se que haja Embargos de Declaração em face do acórdão (ainda não publicado) e que essa questão seja trazida, para que viabilize que os ministros analisem o tema também por esse viés interpretativo.

III. Necessidade da modulação dos efeitos

Tendo em vista a relevância do julgamento do tema 985, a questão sobre a modulação ou não dos efeitos da decisão proferida pelo Pleno do STF justifica a análise, o que pode ser dar por provocação da parte via Embargos de Declaração ou por proposta de algum dos ministros.

Durante muito tempo, a possibilidade de modulação pelo STF, dos efeitos de suas decisões, estava limitada àquelas que declarassem a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, consoante a previsão do artigo 27 da lei 9.868/99, verbis:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

O novo CPC, no § 3º do seu artigo 927, ampliou essa possibilidade, ao determinar que “Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. ”

O tema da modulação dos efeitos de decisões vinculantes do STF é bastante discutido no que se refere à matéria tributária, tendo em vista a grande repercussão que estas provocam, em muitas oportunidades, na esfera de interesse dos contribuintes ou do Poder Público.

Contudo, a sua análise deve ser efetuada, sempre, em face das características de cada caso concreto e considerando como o STF tem se portado em face dessa possibilidade.

O artigo 27 da lei 9.868/99 e o § 3º do seu artigo 927 vinculam a possibilidade de modulação dos efeitos à ponderação vinculada a razões de segurança jurídica e interesse social.

No campo tributário, o mais comum é a avaliação da pertinência ou não da modulação ocorrer em face de decisões desfavoráveis ao Fisco, tendo em vista a repercussão no que se refere à repetição do indébito tributário.

A análise de decisões anteriores do STF, em casos tributários de relevante repercussão, demonstra que o Tribunal, ordinariamente, não considera que impacto no caixa do ente tributante ou impacto orçamentário, configurem excepcional situação de interesse social ou segurança jurídica2.

Se o impacto econômico não é o parâmetro que o STF tem reconhecido para efetuar a modulação, diferente é a análise no caso de mudança de intepretação do STF, tendo em vista a necessidade de se preservar a segurança jurídica.

Esse é o contexto do último caso em que houve a modulação de efeitos em matéria tributária, por parte do STF. No julgamento do Recurso Extraordinário 593.849/MG, a Corte reconheceu o direito do contribuinte à restituição da diferença entre a base de cálculo presumida e a base de cálculo real do ICMS/ST, também se ressalvou o direito vinculado as ações anteriores ao julgamento. Mas a modulação foi fundamentada pela circunstância de que, naquele caso, estava se alterando entendimento anterior, em sentido contrário, definido também pelo Pleno do STF. Fato que implicaria em insegurança jurídica para os Estados e o Distrito Federal, uma vez que o novo posicionamento do STF teria a mesma natureza de uma nova norma tributária, que deveria se aplicar apenas a fatos geradores futuros. Cite-se o relator:

“Assim, em casos como o que se apresenta para julgamento, em que se estará promovendo uma mudança da interpretação consolidada da Corte, a solução constitucionalmente adequada é a modulação dos efeitos da decisão, como decorrência direta da aplicação do princípio da segurança jurídica. Embora os direitos fundamentais se destinem, como regra, a proteger o particular em face do Poder Público, é fato que também a Fazenda Pública se beneficia das normas que resguardem a segurança jurídica, como corolário do Estado de Direito. Não poderia ser diferente, na medida em que a arrecadação tributária também se destina a viabilizar a efetivação de direitos fundamentais da população e seu comprometimento inesperado e retroativo – inclusive com a litigiosidade decorrentes dos pedidos de repetição – não deve ser respaldado pelo direito. Em suma: o novo entendimento que venha a ser adotado pelo Supremo Tribunal Federal equivale a uma norma jurídica nova e, portanto, somente deverá atingir fatos geradores ocorridos após a presente decisão, ressalvadas os processos judiciais pendentes. Por sua vez, às situações passadas já transitadas em julgado ou que sequer foram judicializadas, deve ser aplicado o entendimento anterior.” (grifamos)

Considerando-se esse parâmetro, entendemos que o caso em análise não apenas justifica, mas sim demanda, que o STF module os efeitos da sua decisão.

A fragilização da situação jurídica dos contribuintes é patente, já que inúmeros não estavam tributando o terço constitucional de férias, por estarem albergados por decisões suspensivas da exigibilidade ou por sentenças/acórdão, proferidos com base no precedente vinculante exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp 1.230.9573, na sistemática dos recursos repetitivos, julgado em 26/2/14.

A fixação da orientação do STJ, sobre a não inclusão do terço constitucional de férias no salário de contribuição é bem mais antiga, estando estabelecida desde o julgamento da petição 7.605/RJ, em 19 de novembro de 2009.

Com a pacificação do entendimento do STJ, os Tribunais Regionais Federais direcionaram os seus julgamentos para a mesma linha, o que provocou aos contribuintes a obtenção de decisões favoráveis, suspendendo os recolhimentos vinculados à controvérsia.

A convicção, pelos contribuintes, de que a matéria estava definitivamente decidida ao seu favor foi reforçada por diversas decisões monocráticas de ministros do STF, no sentido de que a análise específica da natureza de rubricas pagas pelos empregadores seria de índole infraconstitucional.

Esse fato foi destacado pelo ministro Fachin, em seu voto: “Nesse sentido, ressalta-se que a jurisprudência do Supremo se consolidou no sentido de ser infraconstitucional a discussão acerca da incidência de tributos baseada na natureza da verba.”

O ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, assinalou como, mesmo depois do julgamento do tema 20, ainda era viva a controvérsia no Tribunal sobre a viabilidade ou não de análise da natureza específica de verbas. Cite-se:

“Dessa forma, especificamente quanto à aplicação do tema 20 ao terço constitucional de férias, a jurisprudência do STF foi oscilante, conforme já tive a oportunidade de me manifestar nos autos do ARE 1032421 AGR/RS:

“Sobre essa matéria, não há consenso nesta CORTE. Ao lado de decisões que aplicam o tema 20 (ARE 979.579 AgR, relator(a): min. Ricardo Lewandowski, 2ª turma, DJe 10/3/17), há julgados proclamando a incidência do tributo (RE 1066730 AgR, relator(a): min. Dias Toffoli, 2ª turma, DJe 18/12/17) e precedentes situando o assunto no âmbito infraconstitucional (RE 960556 AgR, relator(a): min. Edson Fachin, 1ª turma, DJe 21/11/16; ARE 1.000.407 ED, relator(a): min. Rosa Weber, DJe 7/12/17)”.

Inclusive, em 5/8/16, o Pleno do STF negou repercussão geral à específica discussão do terço constitucional4. A nova decisão, mudando o entendimento anterior, e agora reconhecendo a repercussão, somente veio em 23/2/18, com a aprovação do tema 985.

A negativa de repercussão geral ao tema 908, inclusive, levou à edição da nota PGFN/CRJ/981-17, através da qual a PGFN autorizou os Procuradores não interporem recurso extraordinário em face de acórdãos que reconhecessem a não inclusão do terço constitucional de férias no salário de contribuição5.

A evolução jurisprudencial dessa discussão, até o julgamento do Tema 985, levou os contribuintes a terem a percepção jurídica de que a matéria estava ou caminhava para se pacificar ao seu favor. Essa situação, ao lado da obtenção de decisões favoráveis, mesmo que não definitivas, levou inúmeras empresas a não recolher os valores vinculados à inclusão do terço na base de cálculo das contribuições sobre a remuneração, e também a não provisionar os respectivos valores, tendo em vista a avaliação de risco de perda não ser provável.

A repercussão dessa discussão foi bem destacada pelo ministro Fachin: “No que respeita a eventual incidência de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias oportuno registrar que a questão é fonte de vasto contencioso judicial e administrativo tributário a configurar uma indesejável macrolitigância fiscal, inclusive, perante o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) que é hesitante quanto à natureza da prestação (Acórdãos 2202-005.246, 2202-005.193 e 2202-006.843) a aguardar julgamento definitivo deste STF.”

Em diversas oportunidades, os ministros do STF destacaram que a segurança jurídica é um dos principais valores do nosso ordenamento.

O decano, ministro Celso de Mello já destacou que “os postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relação jurídicas, inclusive as de direito público, sempre que se registre alteração substancial de diretrizes hermenêuticas, impondo-se a observância de qualquer dos Poderes do Estado e, desse modo, permitindo preservar situação já consolidadas no passado e anteriores aos marcos temporais definidos pelo próprio Tribunal.6” (grifos no original)

No mesmo sentido, a ministra Carmén Lúcia asseverou que “a ideia de modular efeitos deve ter alguns parâmetros que a jurisprudência, ao longo do tempo, haverá de fixar. Penso que haverá de ser demonstrada a excepcionalidade da situação, a possiblidade de insegurança jurídica, quando se encaminhava a sociedade a acreditar numa jurisprudência num determinado sentido”7.

O ministro Marco Aurélio de Mello, que por diversas vezes externou a sua contrariedade ao instituto da modulação, tendo em vista o advento do novo CPC já consignou em voto que “(...) O § 3º do artigo 927 admite, no caso de alteração de jurisprudência dominante do Supremo, a modulação dos efeitos do pronunciamento, desde que fundada no interesse social e no da segurança jurídica. Considerada a advertência de parcimônia na observância do instituto, quando atendidos os requisitos do dispositivo, há de ser admitida a modulação dos efeitos da decisão, de modo a consagrar a boa-fé e a confiança no Estado-juiz”8

Ao alterar a situação jurídica da tributação do terço constitucional de férias, cuja jurisprudência anterior estava vinculada ao julgamento vinculante proferido pelo STJ, e também alterar o seu próprio entendimento sobre a natureza constitucional da discussão, o STF modificou a própria regulação legal do tema, inovando no ordenamento jurídico.

O fato de estar se alterando um entendimento anteriormente fixado pelo STJ, em recurso repetitivo, não é algo despiciendo. Ainda mais, quando durante muito tempo, o próprio STF indicou aos jurisdicionados que não iria avaliar a matéria específica.

Nesse ponto, Marcos Félix Jobim disserta com precisão sobre a confiança, que o novo CPC busca preservar, ao prever a possibilidade de mudança de efeitos no caso de guinada jurisprudencial9:

Evidentemente que não são apenas as decisões emanadas pelo Supremo Tribunal Federal que geram confiança justificada, mas também as pelo Superior Tribunal de Justiça e pelos outros Tribunais Superiores – especialmente quando sublinhadas as suas funções de unificar a interpretação da lei e dar unidade ao direito federal64 – e, a partir da entrada em vigor do CPC/15, pelos Tribunais de Justiça em sede de julgamentos de incidentes de resolução de demandas repetitivas, assunção de competência e oriundas do plenário ou do órgão especial. Melhor dizendo, admite-se que “o poder de modular a eficácia da decisão de overruling seja exercido quando estiver em jogo a alteração de qualquer precedente, jurisprudência ou enunciado de súmula, de qualquer Tribunal, desde que tenha eficácia normativa”

O interesse social também está presente. Num período de grande dificuldade para as atividades econômicas, a cobrança de valores de tributos que não eram previsíveis coloca em risco à organização da atividade empresarial e a manutenção de empregos. A pandemia da covid-19 é situação cuja excepcionalidade e gravidade exigem do STF uma avaliação ainda mais profunda dos impactos de suas decisões.

O novo CPC tem como um dos seus objetivos principais a construção de uma jurisprudência mais estável e coerente. Os postulados da integridade e coerência das decisões judiciais são privilegiados no novel códex, por isso a importância de atenção aos efeitos que guinadas jurisprudências trazem para os jurisdicionados.

Nesse sentido, o magistério de Luiz Guilherme Marinoni10, verbis:

“Quando os precedentes ou a jurisprudência consolidada são levados a sério, a sua estabilidade requer especial cuidado. Isso porque, como chega a ser intuitivo, a revogação de jurisprudência consolidada pode causar surpresa injusta a todos aqueles que nela pautaram suas condutas. Daí por que é imprescindível, na lógica jurídica estribada na autoridade e na obrigatoriedade dos precedentes, atentar para os efeitos da decisão revogadora de precedente ou de jurisprudência consolidada. [...] Quando nada indica provável revogação de um precedente, e, assim, os jurisdicionados nele depositam confiança justificada para pautar suas condutas, entende-se que, em nome da proteção da confiança, é possível revogar o precedente com efeitos puramente prospectivos (a partir do trânsito em julgado) ou mesmo com efeitos prospectivos a partir de certa data ou evento.”

Impõe-se, pelos fundamentos expostos, que o Pleno do STF reconheça que se encontra em clara situação em que deve ser aplicada a determinação do § 3º do artigo 927 do atual Código de Processo Civil, de forma que a inclusão do terço constitucional de férias no salário de contribuição somente se operacionalize após o julgamento do tema 985, da repercussão geral.

Ou, quando menos, ressalve a situação dos contribuintes que já tinham ingressado no Judiciário anteriormente ao referido julgamento, garantindo-lhes a aplicação do entendimento anteriormente consolidado na jurisprudência, lhes sendo exigível a tributação do terço constitucional de férias posteriormente ao referido julgamento vinculante.

Ao assim proceder, o STF estará dando eficácia ao princípio da segurança jurídica e reconhecendo que a mudança jurisprudencial produz efeitos, que devem ser levados em conta e ponderados, em termos de coerência e estabilidade jurídica.

_________

1 “Art. 148 - A remuneração das férias, ainda quando devida após a cessação do contrato de trabalho, terá natureza salarial, para os efeitos do art. 449”.

2 Um caso paradigmático foi o julgamento do Recurso Extraordinário 559.937, no qual se julgou inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e COFINS Importação, quando foi negado o pedido de modulação feito pela PGFN.

3 REsp 1230957/RS, rel. ministro Mauro Campbell Marques, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/2/14, DJe 18/3/14

4 Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A CARGO DO EMPREGADO. ADICIONAL DE FÉRIAS. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. DÉCIMO TERCEIRO PROPORCIONAL. AUXÍLIO DOENÇA. HORAS EXTRAS. NATUREZA JURÍDICA DAS VERBAS. SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO. ENQUADRAMENTO. INTERPRETAÇÃO DA LEI 8.212/1991, DA LEI 8.213/1991 E DO DECRETO 3.038/1999. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. TEMA 908. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. (RE 892238 RG, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-195 DIVULG 12-09-2016 PUBLIC 13-09-2016)

5 b) revoga-se a dispensa de contestar e recorrer em relação à contribuição a cargo do empregado quanto ao terço constitucional de férias, mantendo-se, contudo, a dispensa de recurso extraordinário, tendo em vista, a inviabilidade, pelo menos no momento, de sua interposição, em razão da decisão do STF quanto ao tema 908 (RE nº 892.238/RS), não obstante o disposto no art. 7º, XVII, da Constituição Federal;”

6 MS 26603, relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 4/10/07, DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-02 PP-00318.

7 RE 377457, relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 17/9/08, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-08 PP-01774.

8 RE 643247 ED, relator(a): min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 12/6/19, acórdão eletrônico DJe-140. Divulg: 27-06-2019. Public: 28/6/19.

9 JOBIM, Marcos Félix. O instituto da modulação de efeitos e as alterações oriundas do Código de Processo Civil de 2015. Clique aqui

10 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 358.

_________

*Alessandro Mendes Cardoso é doutorando em Direito Público na PUC/MG. Mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Sócio do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados.

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