A pandemia do coronavírus garantiu lugar de destaque para 2020 na história. Além dos impactos sobre os sistemas de saúde e a economia, algo esperado para acontecer gradativamente caiu sobre o mundo de forma abrupta... e olha que o "gradual" no Século XXI, se comparado a outros momentos históricos, já é muito acelerado em seu modo normal: o uso das videoconferências.
Essa ferramenta extremamente útil já era usada com diferentes propósitos, mas em uma proporção muito menor. Sem dúvida, as escolas contribuíram muito para a expansão repentina. Por causa das aulas online Meet, Teams e Zoom entraram no vocabulário de professores, estudantes e das famílias. Pais e alunos tiveram que voltar os olhos para as telas de computadores, tablets e, principalmente, telefones celulares. Professores se adaptaram para gravar aulas e disponibilizá-las em vídeo ou ministrá-las ao vivo por aplicativos.
Muita gente colocou em dúvida a manutenção dos preços das mensalidades das escolas particulares e esperava uma grande redução. No entanto, as despesas regulares das instituições de ensino não caíram tanto assim. Se o número de empregados, principalmente professores, e aulas ministradas permanece o mesmo, os gastos não caem significativamente. É claro que a manutenção da estrutura física e despesas com água e energia sofrem uma queda, mas a folha de pagamento é, sem dúvida, a maior despesa de uma escola. Além disso, muitas delas tiveram gastos com a aquisição de softwares e computadores.
O ensino remoto não é a mesma coisa que o ensino à distância (EAD). Cursos em formato EAD não têm horário rígido, o aluno escolhe quando lhe convém assistir as aulas; além disso, seu estudo terá como facilitador um "tutor" em vez de um "professor".
O regime remoto foi instituído em caráter excepcional. Segundo a portaria 544 do MEC, que autorizou a adoção dessa modalidade até 31 de dezembro de 2020 no ensino superior, as instituições podem substituir as disciplinas presenciais "por atividades letivas que utilizem recursos educacionais digitais, tecnologias de informação e comunicação ou outros meios convencionais". Por "atividades letivas", entende-se "aulas". Professores e alunos, em virtude do distanciamento social imposto pela pandemia, interagem em tempo real. Trabalhos e provas, embora adaptados à nova realidade, permanecem nas atribuições regulares de docentes e discentes.
A quantidade de alunos por turma é um assunto que merece atenção. Não existe uma regra nacional que determine um número máximo, embora alguns estados tenham legislação própria, a exemplo de Santa Catarina. Apesar da falta de uma lei federal, não se pode ignorar as leis da física. Embora empresas de transporte coletivo tentem demonstrar o contrário, dois corpos não podem ocupar simultaneamente o mesmo lugar no espaço. E, a fim de garantir o mínimo de conforto aos estudantes, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) define padrões e dimensões para móveis escolares na NBR 14006. Caso as salas de aula de uma escola ou universidade comportem 50 alunos, este será o número máximo; na hipótese de um prédio possuir dez salas projetadas para 50 e duas salas para 70, nada de jeitinho para o número de alunos nas salas menores a partir de uma média geral por sala. Não se pode inventar ou admitir subterfúgios legais, juridiquês ou malabarismos retóricos para driblar Isaac Newton e seus pares.
Uma instituição de ensino que reúne duas ou mais turmas em apenas uma sob o argumento que adota o regime remoto autorizado pelo MEC e não revê sua planilha de custos, pode cometer algumas ilegalidades. Primeiro, porque diminui seus gastos com mão de obra. Induzir o consumidor a erro é crime contra as relações de consumo (art. 7º, VII, da lei 8.137/90) punível com detenção de 2 a 5 anos ou multa. Se antes um professor era responsável por 50 alunos de matemática e agora tem uma "sala virtual" com 150 alunos com remuneração equivalente a somente uma turma, isso significa que o aluno/consumidor pode exigir a redução do preço da mensalidade. Além disso, se um mesmo professor ministrava aulas em duas turmas de 50 alunos e, de repente, assume uma turma de 100, isso implica redução salarial unilateral e violação da Constituição Federal (art. 7º, IV).
Uma vez que as condições sanitárias permitirem, os estudantes retornarão para suas escolas e faculdades. Pais, alunos, professores, conselhos e entidades de classe (OAB, CRM) e autoridades (MEC, Procon, Ministério Público) devem estar atentos e não permitir que o ensino remoto seja utilizado como um ardil para lesar a sociedade, consumidores e empregados. Os advogados devem estar sensíveis ao assunto pois, se ainda não foram procurados para propor ações sobre essas questões, é só uma questão de tempo.
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