Em primeira análise, é essencial para a compreensão da necessidade de utilizar as tecnologias de comunicação o entendimento do complexo funcionamento do Cadastro de adotantes e de crianças e adolescentes1 disponíveis para adoção e o estudo do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), inaugurado em 2019 e fruto da fusão do antigo Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA). O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo Comitê Gestor de Cadastros Nacionais, instituído pela Portaria 1/18, é responsável pela gestão do SNA, cuja regulamentação advém da Resolução 289/19 desse mesmo Conselho.
O SNA tem como princípio mister a proteção integral prevista na Constituição Cidadã e no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 227 e art. 3º, respectivamente), que resulta na implementação do inédito sistema de alertas processuais emitidos aos juízes e corregedorias, refletindo, assim, na celeridade processual e na atenção quanto aos prazos.
O SNA permite ainda que os pretendentes acompanhem os prazos e, dessa forma, concede maior transparência ao processo de adoção, facilitando os procedimentos e auxiliando as famílias que esperam a guarda definitiva da criança ou adolescente.
É importante comentar que durante a pandemia do coronavírus não houve suspensão dos prazos processuais que envolviam menores e, consequentemente, adoções. De igual maneira, a contagem do prazo permaneceu em dias corridos, o que transparece a preocupação do Poder Judiciário com essas crianças e adolescentes que podem ter suas adoções comprometidas com o passar do tempo.
O primeiro passo para adotar é procurar informações necessárias e formalizar o interesse com a documentação exigida para se tornar um prentende, que pode variar de acordo com o estado. Com o cadastro feito e os documentos entregues, que hoje podem ser feitos de forma digital2, o Ministério Público analisará e o pretendente seguirá para a avaliação com a equipe multidisciplinar, onde será reconhecido tudo que for pertinente para assegurar a integridade (física e mental) da criança ou adolescente que venha a ser adotado. Uma questão de extrema relevância nesse período de pandemia e isolamento é que todas essas etapas podem ser feitas de maneira remota, devendo os fóruns se adaptarem3 às novas exigências de distanciamento social e cumprirem o preceito constitucional de assegurar aos jovens e crianças o direito, com absoluta prioridade, à vida, à saúde, à dignidade e ao respeito.
O risco iminente e rela de contágio do COVID-19 gerou a impossibilidade do deslocamento da equipe multidisciplinar, que já trabalha com número insuficiente de profissionais. Diante dessa dificuldade de locomoção, os processos já em andamento foram facilitados no que permitia ajuste em decorrência da pandemia e até mesmo antecipados para outras etapas.
Todo pretendente aprovado pela equipe multidisciplinar deve seguir para o Programa de Preparação para Adoção, que busca instruir a respeito da adoção, do processo da adoção e dos efeitos jurídicos e psicológicos/sentimentais desse compromisso. Esta etapa foi determinada como obrigatória através da Lei 12.010/2009. Importante salientar a necessidade de adequar este Programa para as novas características da sociedade do século XXI e disponibilizar o conteúdo de forma on-line, permitindo que os pretendes adequem a programação de acordo com a agenda pessoal e possam cumprir com o compromisso sem sair de casa, por exemplo. Faz-se mister ratificar que a modalidade à distância não altera em nada a eficácia do Programa instituído pelo dispositivo legal e, ainda, beneficia milhares de pretendentes que desejam adotar, mas são impossibilitados pela permanência nas cidades escolhidas para receber a preparação.
Durante a pandemia do COVID-19, destaca-se a adequação realizada pela 1ª Vara da Infância e da Juventude do TJ/AP, que ofertou, de maneira inédita, a modalidade on-line do Curso Preparatório. Sem dúvida alguma, as restrições impostas pela pandemia, principalmente no que tange ao isolamentos e distanciamento social, auferiram grandes oportunidades de adaptação e de adequação aos órgãos judiciários, que há tempos precisavam de tal avanço.
Após encontrar um menor para ser adotado, o próximo passo seriam as visitas e o estágio de convivência familiar, com duração de 90 dias e prorrogável por igual período. Todavia, nota-se aqui a dificuldade em dar seguimento ao procedimento em meio ao estado de pandemia, pois ou o menor é entregue aos pretendes durante a quarentena ou fica em isolamento social no abrigo. Certamente, sob o prisma constitucional, a primeira opção é a mais viável, por resguardar a integridade física da criança e a proteger da exposição ao vírus. O núcleo da questão é se o processo já está em andamento e a profissão do adotante não for da linha de frente, pois o fundamento maior para acelerar o estágio de convivência seria a proteção da saúde da criança, como neste sentido a jurisprudência vem assim se manifestando.
Diante do exposto, é passível de concordância que os procedimentos supracitados podem ser realizados seguindo as ordens de saúde e distanciamento social e, com todos os protocolos exigidos por lei seguidos criteriosamente, beneficiam os menores em situação de adoção e pretendentes que estão na fila de espera agonizando com o tempo infindável. Acrescenta-se, no entanto, que a possibilidade de continuação destes processos depende indissoluvelmente da implementação das tecnologias de comunicação disponíveis atualmente, que possibilitam a criação de plataformas digitais, audiências on-line, seguimento das visitas e dos estágios de convivência e passos iniciais para manifestação de interesse em adotar, como o preenchimento do SNA.
Em tempos de pandemia, o isolamento social é imposto e deve o Direito (re)pensar acerca das opções, priorizando a celeridade processual, economia processual e o respeito à dignidade da pessoa humana. Dessa forma, as novas tecnologias devem ser utilizadas para não atrasar os prazos e processos que a pandemia afetou, além de possibilitar que os pretendentes e menores mantenham a relação de afeto e contato.
É impossível não pensar que a pandemia causou reflexos, mas estes não foram de todo negativos, já que os impactos observados também palpitaram para uma reapreciação dos instrumentos utilizados para o instituto da adoção, sob a perspectiva das novas tecnologias de comunicação.
Conclui-se, portanto, que ao tratar da adoção e do futuro de diversas famílias a serem constituídas, faz-se mister a economia de tempo e a celeridade processual, não sendo aceitável a interrupção desses processos, sob pretexto do caos causado pela pandemia, visto que esse atraso pode ocasionar o abalo emocional nos menores, significando uma afronta à Constituição Cidadã e a continuidade dos procedimentos e do processo em si é possível através do uso das tecnologias disponíveis.
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1 As crianças e os adolescentes que estão cadastrados no SNA são aqueles que já passaram por todo o burocrático processo de destituição do poder familiar e pela procura quase incessante de algum familiar próximo ou distante que queira criar o menor.
2 Evidência clara da aderência do Direito ao uso de plataformas virtuais que possibilitem uma desburocratização dos procedimentos e o encurtamento de distâncias, principalmente no que se refere a cidades pequenas que não são comarcas.
3 Adaptação este que exige o uso de tecnologias de comunicação e o custeio de equipamentos que possibilitem o uso de plataformas digitais e o acesso a elas de forma remota.
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*Isabelly de Castro Machado da Silva é graduanda em Direito pela Universidade Estadual do Piauí.