No final de 2016, o STF concluiu o julgamento do RE 593.849/MG em sede de Repercussão Geral, ocasião em que o tribunal revisou a interpretação do art. 150, § 7º, da Constituição, assegurando ao contribuinte a imediata repetição dos valores de ICMS-ST recolhidos a maior nos casos em que o valor da operação presumida se realizar em valor inferior ao estimado, valores estes também denominados créditos de ICMS-ST “Aspecto Quantitativo”.
Em observância à decisão do STF, o Estado de Minas Gerais modificou a redação da lei estadual 6.763/75 por meio da lei estadual 22.549/17. Foram estabelecidas as diretrizes legais para possibilitar ao contribuinte substituído a restituição dos valores pagos por força da substituição tributária nos casos em que o fato gerador presumido não se realizar no valor estimado1.
Contudo, interpretando o entendimento fixado pelo STF, o Estado de Minas Gerais, também por meio da lei 22.549/17, instituiu a obrigação do contribuinte substituído de recolher o valor relativo à complementação do imposto devido por substituição tributária (ICMS-ST). Isso acontecerá quando a base de cálculo da operação ao consumidor final se efetivar em montante superior à do imposto devido por substituição2, ou então optar pela definitividade da base de cálculo.
Diante disso, é fundamental analisar os limites da utilização dos créditos de ICMS-ST reconhecidos em medida judicial na seguinte perspectiva: (I) possibilidade de utilização dos créditos de ICMS-ST considerando apenas o valor do crédito, em razão dos termos da decisão judicial individual e julgamento do STF; (II) necessidade de observar as obrigações acessórias previstas nos arts. 31-A a 31-J do RICMS/MG; (III) possibilidade de transferência dos créditos ICMS-ST entre estabelecimentos do mesmo titular e; (IV) existência de prazo prescricional para utilização dos créditos.
Sobre a possibilidade de utilização dos créditos de ICMS-ST, objeto de ações judiciais, decorrentes de operações em que a base presumida se deu em valor superior à base efetiva, sem que sejam considerados eventuais valores de ICMS-ST a complementar do mesmo período, é necessário retornar ao paradigma que sedimentou a jurisprudência acerca da ausência de definitividade da base de cálculo do ICMS-ST quanto ao seu aspecto quantitativo (RE 593.849/MG).
Após a fixação da tese nos autos do RE 593.849/MG, o Estado de Minas Gerais apresentou Embargos de Declaração com a finalidade de provocar a manifestação do STF acerca da possibilidade da instituição da complementação do ICMS-ST. Apesar de tais embargos terem sido rejeitados pelo STF por ausência de pressupostos processuais, restou consignado no acórdão o seguinte excerto3:
“(...) 5. Não há omissão na súmula da decisão, por não abarcar os casos em que a base presumida é menor do que a base real, porquanto se trata de inovação processual posterior ao julgamento, não requerida ou aventada no curso do processo. De todo modo, a atividade da Administração Tributária é plenamente vinculada ao arcabouço legal, independentemente de autorização ou explicitação interpretativa do Poder Judiciário, nos termos do art. 3º do CTN.(...)”
Verifica-se no trecho acima que, na perspectiva do STF, a exigência tributária depende de previsão legal explícita (art. 3º do CTN4), ainda que o Poder Judiciário autorize ou entenda juridicamente possível tal exigência.
Aplicando o raciocínio ao presente caso, ainda que o STF apresente entendimento de que é possível a complementação do ICMS-ST das operações em que a base presumida é menor do que a base real, a exigência dessa complementação pelo Estado carece de previsão legal.
Do trecho acima destacado também se extrai que o STF considera a questão da complementação como inovação processual. Ou seja, trata-se de questão que não foi objeto de autorização ou explicitação interpretativa do Poder Judiciário no bojo do RE 593.849/MG, não havendo, dessa forma, nem respaldo legal, nem respaldo judicial para que o Estado exija a complementação do ICMS-ST.
Assim, conforme mencionado anteriormente, somente em março de 2019, com a entrada em vigor das disposições instituídas pela lei estadual 22.549/17, é que passou a ser prevista a complementação do imposto devido por substituição tributária (ICMS-ST). Por esse motivo, antes da mencionada data, não é possível tal exigência tributária pelo Estado por ausência de previsão legal e de atos normativos orientadores da atividade administrativa plenamente vinculada.
Desse modo, em relação aos créditos de ICMS-ST objeto de ações judiciais, por terem natureza de pagamento indevido a maior e, em decorrência da decisão favorável, podem ser aproveitados mediante creditamento em escrita fiscal, sem necessidade encontro de contas com valores a título de complementação. Tal compreensão pode ser extraída de diversas consultas de contribuinte respondidas pela SEFAZ/MG5:
“(...) relativamente aos fatos geradores ocorridos nos meses anteriores a março de 2019, a Consulente poderá, caso não tenha ingressado com ação judicial, solicitar a restituição do ICMS/ST, quanto ao aspecto quantitativo, a partir de 01/07/2017, data da revogação do § 10 e da alteração do item 1 do § 11, ambos do art. 22 da Lei nº 6.763/1975, promovidas pelo art. 50 e alínea “d” do inciso I do art. 79, todos da Lei nº 22.549, de 30/06/2017. (...)
Portanto, tratando-se de fatos geradores ocorridos entre 01/07/2017 e 28/02/2019, que se realizaram em montante inferior ao valor da base de cálculo presumida, os valores apurados de ICMS/ST poderão ser restituídos nas modalidades de abatimento de imposto devido pelo próprio contribuinte a título de substituição tributária ou creditamento na escrita fiscal do contribuinte, conforme previsto nos incisos II e III do art. 24 da Parte 1 do Anexo XV do RICMS/2002, observando-se os procedimentos vigentes em 28/02/2019, conforme art. 7º do Decreto nº 47.547/2018.”
Destaque-se que a mencionada limitação ao dia 1/7/17 se aplica somente aos contribuintes que não ingressaram com ação judicial. Ou seja, nos casos em que o direito de restituição foi judicialmente declarado, os valores passíveis de restituição, nesses moldes, compreendem os 05 anos anteriores ao ajuizamento da medida judicial até 28 de fevereiro de 2019. Não há, portanto, a necessidade de observar as obrigações tributárias estabelecidas pelos arts. 31-A a 31-J do Anexo XV do RICMS/MG6, editados com base na lei estadual 22.549/17.
Além disso, é importante distinguir o tratamento dado (1) aos créditos de ICMS-ST objeto de ação judicial e (2) aos créditos de ICMS-ST correntes gerados mensalmente a partir de março de 2019.
(1) Quanto aos créditos objeto de ação judicial, estes têm natureza de pagamento indevido a maior e, por força da decisão judicial, podem ser aproveitados mediante creditamento em escrita fiscal. Nesses casos, não é necessário observar os procedimentos específicos previstos nos arts. 31-A a 31-J do Anexo XV do RICMS/MG, conforme demonstrado anteriormente.
(2) Quanto aos créditos correntes gerados mensalmente a partir de março de 2019, com a entrada em vigor7 das obrigações impostas pelo RICMS/MG nos arts 31-A a 31-J do Anexo XV, fica o contribuinte obrigado a observar esses procedimentos.
Assim, para os créditos abarcados pela discussão judicial, incluídos os recolhimentos de ICMS-ST a maior realizados até 28 de fevereiro de 2019, deve-se observar os parâmetros mencionados no tópico (1). Já para os valores recolhidos a maior a partir de março de 2019, deve-se observar os parâmetros colocados no tópico (2).
Além disso, conforme § 2º do art. 658 da Parte Geral do Regulamento do ICMS de Minas Gerais – RICMS/MG, constante do Título II que trata “Da Não-Cumulatividade” do ICMS, há previsão de transferência de créditos entre estabelecimentos do mesmo titular, situados no Estado. Para isso, é necessária a emissão de NF-e de ajuste, observados os critérios e as orientações constantes do dispositivo.
É importante esclarecer ainda que, conforme disposto no inciso III do mencionado § 2º do art. 65, o ICMS-ST recolhido pelos substitutos tributários se enquadra na definição de “ICMS devido por operações ou prestações próprias”. Sua peculiaridade reside apenas no momento do recolhimento, que se dá por presunção mediante substituição, o que não prejudica sua natureza decorrente de operações e prestações próprias da Consulente.
Além disso, é importante destacar que, especificamente em relação aos créditos de ICMS-ST apurados posteriormente a março de 2019, só poderá haver a transferência entre os estabelecimentos quando houver saldo remanescente de crédito após o confronto de contas descrito no art. 31-G9.
Sobre o prazo para utilização dos créditos de ICMS-ST, quanto aos créditos objeto de ação judicial, que têm natureza de pagamento indevido a maior e, portanto, constituem dívida passiva do Estado, o prazo para utilização do crédito será de 05 (cinco) anos contados da data do trânsito em julgado da medida judicial em questão, conforme preceitua o art. 1º do decreto 20.910/3210.
Quanto aos créditos correntes gerados mensalmente a partir de março de 2019, de acordo com o parágrafo único do art. 23 da lei complementar 87/96 (Lei Kandir)11, o direito de utilização se extingue após decorridos 05 (cinco) anos contados da data de emissão do respectivo documento fiscal:
No caso dos créditos de ICMS-ST “aspecto quantitativo”, estes somente são originados após o encontro de contas concretizado na a emissão da nota fiscal mencionada no Art. 31-F12 do Anexo XV do RICMS/MG.
Considerando o disposto acima, constata-se a possibilidade de aproveitamento dos créditos de ICMS-ST objeto medida judicial considerando apenas o valor dos créditos. Existe ainda a necessidade de observar as obrigações estabelecidas nos arts. 31-A a 31-J do Anexo XV do RICMS/MG apenas em relação ao ICMS-ST incorrido a partir de março de 2019.
Além disso, é possível concluir pela possibilidade de transferência do crédito de ICMS-ST entre os estabelecimentos da Consulente, desde que observados os critérios estabelecidos pelo art. 65 da Parte Geral do RICMS/MG. Também é preciso fazer a distinção entre os créditos oriundos de medida judicial e os créditos correntes gerados mensalmente a partir de março de 2019.
Por fim, destaca-se a necessidade de observar o prazo de 05 (cinco) anos para utilização dos créditos de ICMS-ST: (a) contados do trânsito em julgado da medida judicial em relação aos créditos objeto da Ação Declaratória; (b) contados da emissão da nota fiscal mencionada no art. 31-F do Anexo XV do RICMS/MG em relação aos créditos incorridos a partir de março de 2019.
1 Lei nº 6.763/75 – Art. 22. (...) § 11. É assegurado ao contribuinte substituído o direito à restituição do valor pago por força da substituição tributária, nas seguintes hipóteses: 1. caso não se efetive o fato gerador presumido, inclusive quanto ao aspecto quantitativo;
2 Lei nº 6.763/75 – Art. 22. (...) § 10-A - O contribuinte substituído deverá recolher o valor relativo à complementação do imposto devido por substituição tributária - ICMS-ST - quando a base de cálculo da operação a consumidor final se efetivar em montante superior à base de cálculo presumida utilizada para o cálculo do imposto devido por substituição tributária, observados a forma, o prazo e as condições previstos em regulamento.
§ 10-B - Fica o Poder Executivo autorizado a exigir do contribuinte a complementação do imposto devido por substituição tributária de que trata o § 10-A nas operações entre contribuintes quando o valor da operação por ele praticado se efetivar em montante superior à base de cálculo presumida utilizada para o cálculo do imposto devido por substituição tributária, observados a forma, o prazo e as condições previstos em regulamento.
3 Segundos Emb. Decl. no Recurso Extraordinário 593.849/MG (Dje 20/11/2017);
4 Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
5 Consultas de Contribuinte SEFAZ/MG nº 251/2019, 239/2019, 271/2019, 226/2019, 269/2019, 260/2019, 270/2019, 227/2019 e 240/2019, por exemplo.
6 Subseção IV-A - Da Complementação e da Restituição do ICMS Devido por Substituição Tributária em Razão da não Definitividade da Base de Cálculo Presumida
7 Termos de vigor estabelecidos pelo art. 11, II, do Decreto Estadual nº 47.547/2018.
8 Art. 65 (...) § 2º Na hipótese do contribuinte possuir mais um estabelecimento no Estado, a apuração de que trata o caput, ressalvadas as exceções previstas na legislação, será feita de forma individualizada, por estabelecimento, e os saldos devedor e credor poderão ser compensados entre si, observado o seguinte: I - no estabelecimento que tenha apurado saldo credor será emitida NF-e de ajuste, sem destaque do imposto, até o prazo estabelecido para o pagamento do imposto no estabelecimento que tenha apurado saldo devedor, constando: (...)
9 Art. 31-G - O montante do imposto a ser restituído ou a ser complementado, ambos em relação à não ocorrência do fato gerador quanto ao aspecto quantitativo, será obtido por meio do confronto entre o somatório dos valores a restituir e a complementar apurados no período, conforme lançamentos previstos nos §§3º e 4º do art. 31-F.
10 Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
11 Art. 23. (...) Parágrafo único. O direito de utilizar o crédito extingue-se depois de decorridos cinco anos contados da data de emissão do documento.
12 Art. 31-F - O contribuinte emitirá, ao final do período de referência, NF-e em seu nome contendo, nos campos próprios, as seguintes indicações, vedada qualquer indicação no campo destinado ao destaque do imposto: I - nos casos em que houver valores a restituir: a) como natureza da operação: “Restituição de ICMS ST - Aspecto quantitativo”; (...)
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