Em uma série quase que oculta nos acervos de uma famosa rede de streaming o leitor aqui poderá se tornar espectador de um julgamento histórico para o Direito Internacional que moldou muito da nossa mentalidade como sociedade de nações livres reunidas em assembleias anuais nas reuniões de setembro da Organização das Nações Unidas (ONU). A série possui o título de “Tokyo Trial” e narra o relacionamento dos juízes do Tribunal Militar Internacional do Extremo-Leste, ad hoc, sediado em Tóquio, que condenou por crimes de guerra vários membros do governo japonês envolvidos na II Guerra Mundial.
Nas várias discussões entre os juízes, conforme a série, está o tema da busca pacífica de solução de conflitos e a necessidade de os Estados seguirem os tratados internacionais à época que impunham a utilização da mediação e da conciliação entre outros meios pacíficos de solução de controvérsias possíveis com vistas a evitar um conflito. Em um determinado episódio os roteiristas optam pela clareza dos institutos ao público leigo e ressaltaram o uso dos meios disponíveis para evitar que um conflito armado houvesse explodido no Pacífico e precedido a Segunda grande Guerra.
Ainda que não nos lembremos, a mediação e conciliação são meios alternativos de solução de conflitos no Direito Internacional há séculos, basta lembrar que o conflito entre Brasil e Portugal acerca da Independência de 1822 foi mediado pela Grã-Bretanha. No Direito Internacional os institutos estão destacados na Carta da ONU no artigo 331; o Direito Brasileiro os deu maior relevância somente com o CPC/152, o que já é fato extremamente louvável e que se tornou direito à disposição das partes de pacificar não apenas a lide, como objetiva o Processo, mas pacifica as partes.
A pandemia - como as crises em geral tem o poder de fazer - permitiu com que muitos dos opositores desses meios alternativos de solução de conflitos no Brasil vissem que a mediação e a conciliação inspiradas em bem sucedidas experiências no Direito Internacional Público e nos ordenamentos estrangeiros realmente auxiliam no acesso à Justiça e na composição das partes.
Durante os momentos mais duros de restrição social, em que empresas e repartições públicas se encontravam fechadas total ou parcialmente, o Judiciário brasileiro continuou seus trabalhos, entre outros modos, pela permanência dos setores de mediação e conciliação como os CEJUSCs e Centrais de Conciliação3 funcionando com o uso da tecnologia, o que evitou um prejuízo ainda maior à sociedade brasileira combalida pelos efeitos sanitários, sociais e econômicos causados pela maior pandemia dos últimos cem anos.
O sucesso dos institutos da conciliação e mediação se constitui na resolução de conflitos através do incentivo da comunicação, trata-se, em verdade, de uma cultura de paz que trazem novas formas para disseminar o diálogo e a pacificação social. Não se trata de um simples meio alternativo de resolução dos conflitos, mas instrumento disponível de soluções definitivas de conflitos, abrangendo o alcance típico do Direito Processual, tanto pra conflitos caducos quanto pra os embrionários impedindo de maneira efetiva a instauração do mesmo.
Destarte, é um instituto que vem avançado no Brasil não apenas porque resolve a demanda jurídica que é o litigio, mas também traz a satisfação de serem as partes “juízes” de suas próprias causas, se autocompondo, com a assistência de um terceiro envolvido que poderá auxiliar e facilitar o diálogo (mediação) ou propor soluções para o fim do conflito (conciliação), mitigando ou afastando um eventual peso da decisão judicial que possa não acolher nenhuma das vontades das partes. Ademais, não raro as decisões em certas searas põem fim a demanda, não ao conflito.
O Judiciário está trabalhando para converter a cultura do embate, para a chamada cultura da pacificação, com um outro olhar e é aqui que a parte protagoniza sua própria existência, atuando diretamente dentro dos parâmetros jurídicos sempre necessários.
A Mediação4 é uma solução rápida, acessível financeiramente, e que traz resultado satisfatórios, a depender da condução do mediador e das partes e advogados, sendo que o resultado final retira das partes o peso marcial que é substituído pela pena da Justiça com a homologação dos acordos. Diminuindo a carga emocional que toda demanda judicial representa.
O ponto alto da mediação, muitas vezes destacado, é a confidencialidade, em que o sigilo essencial possibilita segurança aos mediandos, aumentando a autoestima desses, contribuindo para a satisfação dos envolvidos. Deveras interessante é que a confiança se instala pois as partes se percebem como sendo titulares do poder - ambos senhores sem vassalos - são iguais, e com isso a disposição de cumprir o acordado porque a mediação outorga responsabilidades às partes em assumir o acordo em que elas trabalharam para a conclusão.
O êxito das sessões de mediação é atribuído a seu caráter educativo, por incentivar a comunicação, quando a parte participa de uma sessão de mediação aprende a gerir melhor os seus conflitos interpessoais e se conscientiza a saber administrar suas questões futuras.
Com a flexibilidade da mediação as partes possuem liberdade já que a sessão de mediação não exige formalidades exageradas, além de ser um processo simples e fácil de ser compreendido as partes contam com o apoio e orientação do mediador, que é um terceiro imparcial profissional bem preparado, que realizará seu papel a contento com o auxílio fundamental dos advogados, juristas históricos da pacificação social.
Os métodos de autocomposição nos dão como sociedade uma solução permanente, disponível e de fácil acesso nas Cortes, sejam as vitais Cortes estaduais ou as sobrecarregadas Cortes federais de competência comum ou trabalhistas, porém não somente, o exercício civilizatório se expande às escolas, condomínios5, na comunidade, nos escritórios de advocacia e principalmente no CEJUSC mais próximo à morada do que se vê violado em seu direito.
A busca pela mediação poderá ocorrer espontaneamente nos centros de conciliação do Poder Judiciário, com auxílio do profissional mediador, porém quando não for possível a celebração do acordo, inicia-se uma comunicação rumo a um solução satisfatória da demanda. Sendo o caso de tratarmos de direitos disponíveis, quase todo processo judicial poderá ser mediado, inclusive conflitos na esfera penal, em casos especificados em lei.
A decisão de mediar é do cidadão. A sessão e a celebração do acordo deve ser voluntária, devendo ser fulminada qualquer coação ou obrigação a acordar, sob pena de vício de validade do negócio acordado. Por fim, com um bom trabalho nas sessões de mediação as partes aprendem que não há vencidos, assim como não há vencedores. Não queremos uma vitória de Pirro, mas uma vitória da civilização e de manutenção da paz como nossos antepassados nos pediram. Este é o grande diferencial!
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1- Veja a Carta das Nações Unidas em “https://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf.” Acesso em 07 de setembro de 2020.
2- Reconhecemos, contudo, que a Constituição Imperial de 1824 trazia no seu bojo a previsão dos institutos como ferramentas à disposição do Juiz de Paz.
3- CEJUSC – Centros Judiciários de Solução de Conflitos, conforme a Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça. Outra nomenclatura mais comum à Justiça Federal é a das “Centrais de Conciliação”.
4- Para melhor compreensão a Resolução 125/10 do Conselho Nacional de Justiça apresenta o arcabouço amplo sobre o instituto, além da lei de mediação (L. 13.140/2015).
5- Durante a pandemia do Covid-19 a convivência ou a falta dessa nos condomínios deverá resultar em aumento de demandas no Judiciário. Espera-se que a maior parte dos conflitos se solucione em mediações e conciliações.
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*Thiago Dias é advogado e professor, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2014). Especialista em Direito Ambiental, Direito Constitucional e Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes. Tem experiência na área de Direito Público, especialmente Direito Internacional Público e Direito Constitucional. É autor do livro "O G-4 e a Reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas: o Brasil na ONU".
*Rose José é advogada, sócia do escritório Mora Advogados Associados, especializanda em Direito Constitucional, possui pós-graduação em Medição, Conciliação e Arbitragem, assim como Direito do Consumidor.