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O artigo 257, §2°, do Código Eleitoral e a controvérsia acerca do efeito suspensivo ope legis inerente ao recurso ordinário de natureza eleitoral

Por uma interpretação adequada à proteção dos direitos fundamentais.

11/9/2020

De acordo com a redação contida no §2° do artigo 257 do Código Eleitoral, "O recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo será recebido pelo Tribunal competente com efeito suspensivo".

O recurso ordinário de natureza eleitoral é cabível nas hipóteses previstas nos incisos III a V do § 4º do art. 121 da CF1, e nas alíneas 'a e 'b do inciso II do art. 276 do Código Eleitoral2.

Note-se, por oportuno, que a atual redação contida no §2° do art. 257 do CE é categórica ao afirmar que o recurso ordinário interposto em face de decisões originárias proferidas por Tribunais Regionais Eleitorais  em hipóteses nas quais os casos correspondentes tratarem de cassações ou perda de mandato eletivo serão recebidos com efeito suspensivo pelo Tribunal ad quem.

Na espécie, trata-se de imposição de efeito suspensivo recursal por força de lei, não havendo qualquer discricionariedade por parte do julgador – em deferir ou indeferir o aludido efeito suspensivo. Vale dizer, noutras palavras: o efeito suspensivo é automático em recursos ordinários de natureza eleitoral.

Agora, qual a abrangência do referido efeito suspensivo?

A pergunta acima referida é relevante, afinal, a procedência de demandas de natureza cível-eleitoral, dentre outras, a partir de decisões transitadas em julgado ou proferidas por órgãos colegiados, é passível de atrair, em face dos demandados, hipóteses de inelegibilidade reflexa, tal e qual a previsão constante do artigo 1°, inciso I, alíneas 'd', 'h' e 'j', da LC 64/90, ou mesmo a sanção de inelegibilidade, considerada a redação constante do inciso XIV do artigo 22 da LC 64/90. 

Assim sendo, o efeito suspensivo ope legis emergente da redação vigente e válida do §2° do artigo 257 do Código Eleitoral suspenderia a eficácia do acórdão recorrido apenas quanto à sanção de cassação, ou abrangeria, de igual maneira, as hipóteses ou sanção de inelegibilidade?

A esse respeito, é importante gizar que a suspensividade prevista no preceito legal em comento não se refere, ainda que mencione, à cassação ou ao afastamento do candidato cassado, mas, sim, ao recurso, considerada a sua natureza ordinária. E é aí que comecemos a responder a indagação supra.

Com efeito, a suspensão possui por parâmetro a natureza do Recurso, não o efeito da decisão de cassação. É a natureza do Recurso, portanto, que determina, por força de lei vigente e válida, o efeito suspensivo, não um ou outro efeito da decisão judicial.

O efeito suspensivo é automático, ao fim e ao cabo. E é global. Seja quanto à cassação e quanto à eventual afastamento do exercício do mandato, efeitos primários da decisão, seja quanto à inelegibilidade, que nada mais é do que efeito secundário da mesma decisão, seja na hipótese de sanção de inelegibilidade – que só se justifica com a procedência de AIJE, a partir da imposição da pena de cassação -, seja na hipótese de atração de causa de inelegibilidade reflexa.

Tanto é assim, diga-se de passagem, que há um ônus atribuído ao Tribunal competente para o julgamento do recurso, qual seja o ônus previsto no §3° do art. 257 do CE, consistente na obrigação de o Tribunal dar "preferência ao recurso sobre quaisquer outros processos, ressalvados os de habeas corpus e de mandado de segurança".

Nesse caminho, é importante frisar que o recurso ordinário em liça encontra, prima facie, assento constitucional, sendo que o artigo 121, inciso III, da CF, dispõe o cabimento do apelo nos casos que versarem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas nas eleições federais ou estaduais. E é aí que a redação do §2° do artigo 257 do Código Eleitoral deve ser interpretado à luz do texto constitucional, não o oposto (isso é obvio!).

Se o texto constitucional prevê o cabimento do recurso ordinário em hipóteses que versem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas (entenda-se aqui como cassações de registros, diplomas e mandatos) nas eleições estaduais e federais (competência originária das Cortes Regionais, salvo na eleição presidencial), se o texto legal prevê o efeito suspensivo inerente ao recurso ordinário em casos que resultem em cassações lato sensu, se a cassação só é viável com a procedência de uma demanda passível de levar a esse fim e, enfim, se a inelegibilidade reflexa ou sanção só se justifica com a procedência da mesma demanda passível de levar a cassação, o efeito suspensivo abarcará não apenas a pena de cassação, mas a inelegibilidade daí decorrente.

Ou seja: o efeito suspensivo, previsto por força lei, assim o é considerada a natureza do Recurso (apelo ordinário de natureza eleitoral). O efeito suspensivo, que é inato ao recurso, suspende todos os efeitos da decisão recorrida. E, em contrapartida, todavia, o Tribunal competente para o julgamento do recurso, considerada a suspensão de todos os efeitos da decisão recorrida, ao seu julgamento dará preferência.

Nesse caminho, a jurisprudência do TSE, calcada em hipóteses demasiado similares à hipótese presente (efeito suspensivo recursal por força de lei), é remansosa, dispensando, aliás, que se declare expressamente o aludido efeito suspensivo, a saber:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. DEFERIMENTO. ALÍNEA E DO INCISO I DO ART. 1º DA LC 64/90. DECISÃO CONDENATÓRIA COLEGIADA. EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. EFEITO SUSPENSIVO PLENO. INELEGIBILIDADE AFASTADA. PRECEDENTES. SÚMULA 26/TSE. DESPROVIMENTO.1. [...]. 2. Este Tribunal Superior firmou o entendimento de que não incide a inelegibilidade do art. 1°, I, e, da LC n° 64/90, se pendentes de julgamento embargos infringentes e de nulidade, dada a sua natureza recursal dotada de eficácia suspensiva plena. Precedente. 3. Os embargos infringentes e de nulidade têm natureza de retratação, o qual busca a prevalência do voto vencido favorável ao réu, o que lhes dá, ainda, um caráter ampliativo e ofensivo, pois permite a modificação do julgado caso haja alteração do entendimento daqueles magistrados que lhes foram desfavoráveis no primeiro julgamento. É nítido o intuito de aperfeiçoar e rever, sob a ótica dos vencidos, as decisões proferidas, a não resultar, assim, exaurida a fase ordinária. 4. Candidato elegível, sob o manto do efeito suspensivo ope legis intrínseco aos embargos infringentes e de nulidade em ação penal. 5. Não prospera a tese segundo a qual apenas a concessão de medida cautelar prevista no art. 26–C da LC 64/90 tem força para sobrestar os efeitos da decisão colegiada condenatória. Se o dispositivo legal permite que a inelegibilidade seja sustada por meio de ato volitivo do magistrado, maior razão há em tê–la por afastada quando albergada pelo manto do efeito suspensivo pleno, traduzido por força de lei. 6. Agravo regimental desprovido. (Recurso ordinário 060132806, acórdão, relator(a) min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação:  PSESS - Publicado em Sessão, data 30/10/2018).

Oportuno dar ênfase à seguinte passagem, segundo a qual "[...]. Candidato elegível, sob o manto do efeito suspensivo ope legis intrínseco aos embargos infringentes e de nulidade em ação penal. [...]".

Note-se, sobre o tema, que, assim como os embargos infringentes e de nulidade, o recurso ordinário de natureza eleitoral também possui efeito suspensivo intrínseco à irresignação, tudo por força de lei (ope legis), não havendo falar em "recortes" na referida suspensividade ou em "efeito suspensivo parcial". O efeito suspensivo é inerente ao Recurso Ordinário, restando, a partir daí, suspensos TODOS os efeitos de decisão atacada por meio da irresignação ordinária.

Deriva daí, portanto, a conclusão segundo a qual o recurso ordinário de natureza eleitoral possui efeito suspensivo intrínseco à respectiva natureza recursal, abarcando suspensividade plena, total ou global – albergando nesse espectro, considerada a imposição ope legis correspondente, a sustação de todos os efeitos da decisão recorrida, primários, como a cassação e o afastamento, e secundários, como a inelegibilidade, seja sanção, seja reflexa.

E há mais, p. ex.: Ac.-TSE, de 30.10.2018, no AgR-RO 060132806: não incide a inelegibilidade de que trata esta alínea se pendentes de julgamento embargos infringentes e de nulidade, dada sua natureza recursal dotada de eficácia suspensiva; e AC-TSE, de 4.12.2018, no AgR-RO 0600337-90.

Lembre-se, ademais, que o substrato principiológico inerente à redação contida no §2° do art. 257 do CE reside, basicamente, no prestígio do duplo grau de jurisdição, o que apenas faz reforçar a suspensividade inerente ao indigitado recurso, considerada a sua natureza. A cognoscibilidade deste apelo é plena. Assim como o respectivo efeito suspensivo o é, portanto.

Mas ainda há bem mais.

Registre-se, a bem da ordem jurídica, que o próprio TSE já definiu que, mesmo aos processos iniciados antes da vigência da lei 13.165/15 (o que não é o caso dos autos), que acresceu o referido § 2o. ao art. 257 do CE, é aplicável tal efeito suspensivo aos recursos de natureza ordinária. Ou seja: o TSE possui precedentes específicos a tratar do recurso ordinário de natureza eleitoral, ocasiões nas quais foi afirmada e reafirmada a existência do aludido efeito suspensivo ope legis.

A antepenúltima minirreforma eleitoral (lei 13.165/15) conferiu efeito suspensivo ope legis ao recurso ordinário interposto contra a sentença ou acórdão que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo. Conforme destacado, quanto a esse aspecto, não há a alegada discricionariedade por parte do julgador ou qualquer pressuposto para a concessão do referido efeito. E o efeito suspensivo é inato ao Recurso, abarcando todas as consequências da decisão recorrida.

Sobre o tema, cite-se que o TSE desde há muito tem decidido que o referido §2°. do art. 257 veicula hipótese de efeito suspensivo recursal ope legis, que decorre automaticamente da previsão normativa, como bem ressaltado pelo eminente ministro Luiz Fux, ao proferir decisão monocrática no RO 1660-93/RR, publicada no DJe de 12.12.2017. Ainda na ocasião, pontuou o ilustre ministro não haver discricionariedade por parte do Julgador ou qualquer pressuposto para a concessão do referido efeito. O efeito suspensivo é automático, global e é fruto de imposição legal!

No mesmo sentido:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO CAUTELAR. SENADOR DA REPÚBLICA. RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE FRAUDE EM ATA DE ESCOLHA DE SUPLENTE. AIME JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE PELO TRE/MT. DETERMINAÇÃO DE IMEDIATA CASSAÇÃO DO MANDATO, DIPLOMAÇÃO E POSSE DO SEGUNDO SUPLENTE. DESCONSIDERAÇÃO, PELA CORTE A QUO, DO EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO CONFERIDO AO RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO. PREVISÃO CONSTANTE DO ART. 275, § 2º, DO CE. DEFERIMENTO DA LIMINAR. EFEITO SUSPENSIVO CONCEDIDO AO RECURSO ORDINÁRIO POR FORÇA DE EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL. DESPROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL E MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. A Corte Regional, por ocasião do julgamento de ação de impugnação de mandato eletivo em que se reconheceu a existência de fraude em ata para escolha do agravado como suplente de senador, nas eleições de 2010, determinou a imediata cassação de seu mandato e a diplomação e posse do segundo suplente, ora agravante. 2. A ação cautelar foi deferida para suspender a execução imediata do julgado. O efeito suspensivo ao recurso ordinário interposto contra o acórdão regional se justifica, por estar configurada hipótese prevista expressamente no comando legal contido no § 2º do artigo 257 do CE. 3. Agravo regimental não provido. (AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO CAUTELAR 0600867-08.2018.6.00.0000 – CUIABÁ – MATO GROSSO R e l a t o r: M i n i s t r o Og F e r n a n d e s, 18/10/2018).

Importante também citar lapidar precedente de relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, ocasião na qual S. Exa., diante da teimosia da Corte Regional local, registrou a existência do aludido efeito suspensivo automático inerente ao Recurso Ordinário, vindo a SUSPENDER TODOS OS EFEITOS DO ACÓRDÃO REGIONAL, ATÉ A FINAL DELIBERAÇÃO POR PARTE DO TSE, qual seja:

AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2010. MANDATO DE SENADOR DA REPÚBLICA. ACÓRDÃO DO TRE DO MATO GROSSO QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE AIME PARA RECONHECER A EXISTÊNCIA DE FRAUDE EM ATA DE ESCOLHA DE SUPLENTE. DETERMINAÇÃO DE IMEDIATA CASSAÇÃO DO MANDATO E DIPLOMAÇÃO E POSSE DO SEGUNDO SUPLENTE. DESCONSIDERAÇÃO DO EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO CONFERIDO AO RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO. PREVISÃO CONSTANTE DO ART. 275, § 2°. DO CE. DEFERIMENTO DA LIMINAR PARA SUSPENDER OS EFEITOS DO ACÓRDÃO REGIONAL NOS AUTOS DO PROCESSO 7-94.2011.6.11.0000, ATÉ O JULGAMENTO DO RO PELO TSE, QUE MELHOR DIRÁ. (AgR-REspe 484-66/MG, de relatoria do min. Napoleão Nunes Maia, DJe de 10.8.2017).

A questão, finalmente, é: o efeito suspensivo inerente ao recurso ordinário é automático, cuja consequência nada mais é do que a suspensão de todos, absolutamente todos, os efeitos da decisão recorrida. Trata-se de hipótese de suspensão por imposição de lei. E, diante disso, considerando que a suspensividade é intrínseca à natureza recursal, acabam suspensos simplesmente todos os efeitos da decisão recorrida, até que o plenário do TSE venha a se debruçar sobre o caso.

E nem se diga, mutatis mutandis, que a controvérsia afeta à inelegibilidade seria regulamentada especificamente pelo artigo 26-C da LC 64/90. O argumento não se sustentaria, sequer minimamente, bastando citar, sem maiores delongas, o texto da súmula TSE 44, segundo o qual a previsão contida no art. 26-C não afasta o poder geral de cautela do juiz. Ora, se o dispositivo legal permite que a inelegibilidade seja sustada por meio de ato do magistrado (ope judicis), maior razão há em tê–la por afastada quando albergada pelo manto do efeito suspensivo pleno, traduzido por força de lei (ope legis). 

Retornando à questão da eficácia da decisão condenatória, temos que o Recurso Ordinário em comento será sempre recebido com efeito suspensivo pleno, tudo por força de lei vigente e válida.

Precedentes outros, em situações onde outros recursos também possuem efeito suspensivo ope legis: STF: HC 81.901/PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe 1º.2.2013; STJ: HC 375.922/MG, rel. min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 16.12.2016, HC 359.377/MG, rel. min. NEFI CORDEIRO, DJe 12.8.2016, HC 110.121/RJ, rel. min. FELIX FISCHER, DJe 16.2.2009.

Mais, ainda no âmbito do TSE:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA INDEFERIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. PREFEITO ELEITO. JULGAMENTO COLEGIADO CONDENATÓRIO SUSPENSO NA DATA DA ELEIÇÃO PELA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DOTADO DE EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO. AUSÊNCIA DE REQUISITOS PARA A INCIDÊNCIA DA INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1°., INCISO I, ALÍNEA "E" DA LC 64/90. RECURSO ESPECIAL AO QUAL SE DÁ PROVIMENTO, A FIM DE AFASTAR A CAUSA DE INELEGIBILIDADE E DEFERIR O REGISTRO DE CANDIDATURA.

Como se sabe, o efeito suspensivo é a característica dada a um determinado instrumento recursal capaz de paralisar a eficácia de uma decisão judicial anterior. Há dois tipos de efeito suspensivo. O efeito suspensivo ope judicis é aquele que depende da análise e deliberação judicial, desde que preenchidos os requisitos necessários à sua concessão, o que não é o caso dos autos. Na espécie, incide o efeito suspensivo ope legis, dada a natureza do recurso utilizado. Nesse caso, não é ato volitivo do juízo nem decorre da análise dos pressupostos necessários à sua outorga. O efeito suspensivo ope legis processa-se automaticamente por força de lei. A sua interposição já é razão suficiente para obstar os efeitos da decisão anterior proferida3.

Nessa linha, figura o recurso ordinário em comento. A sua natureza é de cognição ampla. É nítido o intuito do instrumento processual de aperfeiçoar e rever, sob a ótica dos vencidos, as decisões proferidas, a não restar, assim, exaurida a fase ordinária. Diante da natureza jurídica do efeito suspensivo em sede recurso ordinário de natureza consulente, o ora consulente candidato encontra-se elegível, porquanto abrigado pela eficácia suspensiva plena da decisão colegiada condenatória.

A interposição de recurso ordinário, exatamente em função da sua natureza jurídica recursal dotada de eficácia suspensiva, é capaz de afastar as causas de inelegibilidade. Cite-se, no mesmo sentido: AgR-REspe 484-66/MG, de relatoria do min. Napoleão Nunes Maia, DJe de 10.8.2017.

De mais a mais, nunca é demasiado lembrar que, se eventual cassação de um registro, diploma ou mandato eletivo faz desconstituir a soberania popular, a inelegibilidade (reflexa ou sanção) nada mais representa do que a restrição da capacidade eleitoral passiva de um cidadão. A capacidade eleitoral passiva, por sua vez, é uma faceta dos direitos políticos (passivos, no caso). E estes, ao fim e ao cabo, são direitos fundamentais, cuja proteção é sempre a regra.

Eventual interpretação tendente a considerar o recurso ordinário como irresignação munida de suspensividade apenas parcial, nada mais representaria do que uma espécie de "cobertor curto". Suspenderia a eficácia da decisão recorrida quanto à cassação, mantendo, até o julgamento do apelo pelo Pleno do tribunal ad quem, o exercício de um mandato eletivo, mas, em sentido contrário, faria restringir, de pronto, um direito fundamental do recorrente, qual seja o seu direito de elegibilidade.

Essa vertente interpretativa, que aqui trazemos apenas por hipótese, faria soçobrar, ignorando a suspensividade plena inerente ao recurso ordinário, um direito fundamental do jurisdicionado, olvidando, nesse caminho, da premissa interpretativa consistente na máxima proteção e efetividade dos direitos fundamentais, tal como a dicção sempre ilustrada de José Joaquim Gomes Canotilho4.

Já quanto à limitação do pleno exercício dos direitos políticos, notadamente quanto ao exercício dos direitos políticos passivos (capacidade eleitoral passiva, elegibilidade ou direito de ser votado), o TSE possui uma longínqua jurisprudência consolidada no sentido de que as causas de inelegibilidade  devem ser interpretadas restritivamente, a fim de que não alcancem situações não contempladas pela norma. Privilegia-se, e não poderia ser diferente, o direito fundamental à elegibilidade do cidadão, não se podendo alargar premissas interpretativas para os fins de vetar o exercício deste relevantíssimo direito fundamental, cerceando, a partir de "pirotecnias jurídicas", por um lado, o direito fundamental de candidatura, e, por outro, o próprio direito fundamental de voto, afinal, retirar da disputa determinado candidato, notadamente em hipóteses ampliativas de interpretação, nada mais é do que cercear também o direito do eleitorado de votar no mesmo candidato.

Sobre o tema: Recurso ordinário 060046939, acórdão, relator(a) min. Luís Roberto Barroso, publicação:  PSESS - Publicado em sessão, data 13/11/2018; recurso ordinário 060066041, acórdão, relator(a) min. Jorge Mussi, publicação:  PSESS - Publicado em sessão, data 13/11/2018); RE eleitoral 10554, acórdão, relator(a) min. Henrique Neves Da Silva, publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, tomo 240, data 13/12/2017, página 28.

Nessa toada, em virtude do efeito suspensivo automático do recurso ordinário manejado, não há falar em qualquer eficácia de eventual decisão colegiada recorrida – lavrada em sede de competência originária dos Tribunais Regionais Eleitorais do país -, seja quanto aos seus efeitos primários (cassação de registro, diploma ou mandato), seja quanto aos seus efeitos secundários (inelegibilidade reflexa ou sanção).

O efeito suspensivo ope legis intrínseco ao recurso ordinário ilide a eficácia da decisão colegiada recorrida. E a suspensão dos efeitos do decisório hostilizado é plena, até que o Pleno do tribunal ad quem (TSE) decida acerca do mérito do apelo (STF, ADI 5525, rel. min. Luis Roberto Barroso; §3° do artigo 224 do Código Eleitoral).

_________

1 CF, artigo 121, § 4º. Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recurso quando: [...]. III - versarem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas nas eleições federais ou estaduais; IV - anularem diplomas ou decretarem a perda de mandatos eletivos federais ou estaduais; V - denegarem habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção.

2 CE, Art. 276. As decisões dos Tribunais Regionais são terminativas, salvo os casos seguintes em que cabe recurso para o Tribunal Superior: [...]; II - ordinário: a) quando versarem sobre expedição de diplomas nas eleições federais e estaduais; b) quando denegarem habeas corpus ou mandado de segurança.

3 Recurso ordinário 060132806, acórdão, relator(a) min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação:  PSESS - Publicado em Sessão, Data 30/10/2018.

4 O princípio da máxima efetividade "[...] é um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da atualidade das normas programáticas, é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais" (CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina. 7ª ed. 17ª reimpressão, 2003, p. 227).

_________

*Guilherme Barcelos é mestre em Direito pela UNISINOS. Pós-graduado em Direito Constitucional pela ABDCONST e em Direito Eleitoral (Verbo Jurídico). Graduado em Direito pela URCAMP. Membro do Conselho Editorial da Juruá Editora. Membro-fundador da ABRADEP. Professor da pós-graduação em Direito Eleitoral da UERJ. Sócio fundador da Barcelos Alarcon Advogados.

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