Uma das inovações introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro com o advento do CPC/15 relaciona-se à tutela da evidência prevista em seu art. 311. Isso porque, no campo das tutelas provisórias, o CPC/73 até então condicionava a concessão de medidas liminares, inafastavelmente, à coexistência do periculum in mora e do fumus boni iuris – os quais, evidentemente, deveriam ser demonstrados de plano.
O atual cenário, porém, foi alterado, tal como consta da exposição de motivos do anteprojeto do novo Código de Processo Civil:
[...] O Novo CPC agora deixa clara a possibilidade de concessão de tutela de urgência e de tutela à evidência. Considerou-se conveniente esclarecer de forma expressa que a resposta do Poder Judiciário deve ser rápida não só em situações em que a urgência decorre do risco de eficácia do processo e do eventual perecimento do próprio direito. Também em hipóteses em que as alegações da parte se revelam de juridicidade ostensiva deve a tutela ser antecipadamente (total ou parcialmente) concedida, independentemente de periculum in mora, por não haver razão relevante para a espera, até porque, via de regra, a demora do processo gera agravamento do dano.[...]
Com essa tônica é o que o novo CPC prevê que "A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência" (art. 294, caput), passando a destinar, inclusive, um título próprio para tratar dessa modalidade de tutela provisória, segundo o qual:
[...] TÍTULO III
DA TUTELA DA EVIDÊNCIA
Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I - Ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
II - As alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III - Se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV - A petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente. [...]
Assim, desde o início da vigência do NCPC, evidenciada a probabilidade do direito que se persiga, eventual existência de "perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo" não só fica relegada a segundo plano como, verdadeiramente, deixa de ter qualquer importância ao deslindamento da questão – e essa novidade faz despontar no panorama processual um leque de possibilidades ainda não tão explorado e que merece destaque não só no âmbito do Processo Civil, mas, sobretudo, na seara processual trabalhista.
É fato que, a par dos eventuais impactos que o CPC/15 possa provocar em demandas jurídicas das mais variadas naturezas, na esfera trabalhista sua aplicabilidade já se encontra bem estabelecida - seja pela jurisprudência em constante construção nos Tribunais Regionais do Trabalho, seja por normatizações do Tribunal Superior do Trabalho - a exemplo do que se pode destacar a resolução 203/16, que editou a instrução normativa 39 do C.TST.
A referida resolução, aliás, logo em seu primeiro artigo, já sedimenta a questão atinente à aplicação do CPC/15 ao Processo do Trabalho, reforçando o já disposto nos arts. 769 e 889 da CLT c/c art. 15 da lei 13.105/15, no sentido de que o referido Código tem caráter complementar aos dispositivos e princípios concernentes à legislação trabalhista.
Relativamente à Tutela da Evidência prevista no CPC/15, o TST manifestou-se pelo seu cabimento na Justiça do Trabalho no art. 3º, VI, da dita resolução, "em face de omissão e compatibilidade" com os dispositivos e preceitos que permeiam o Processo do Trabalho - os quais são mencionados, quanto a esse ponto específico, já nas considerações preambulares da referida normativa trabalhista.
Conforme expressamente considerado na citada instrução normativa, na Justiça do Trabalho, a "[...] garantia do contraditório há que se compatibilizar com os princípios da celeridade, da oralidade e da concentração de atos processuais no Processo do Trabalho, visto que este, por suas especificidades e pela natureza alimentar das pretensões nele deduzidas, foi concebido e estruturado para a outorga rápida e impostergável da tutela jurisdicional".
Como se vê, tais ponderações deixam transparecer claramente a preocupação do Judiciário Trabalhista com a natureza das verbas mais comumente discutidas nas ações de sua competência, a fundamentar o acolhimento de normas originalmente adstritas ao Processo Civil na seara laboral.
Isso porque a Tutela da Evidência vem ao socorro do demandante que, ante tamanha probabilidade de seu direito, merece ser agraciado com um olhar diferenciado do Poder Judiciário, cuja atuação, nesse caso, deve ser destinada a resguardá-lo da imolação decorrente do curso e do tempo naturais do processo.
Nas palavras de Fredie Didier Júnior1:
[...] Evidência é uma situação processual em que determinados direitos se apresentam em juízo com mais facilidade do que outros. Há direitos que têm um substrato fático cuja prova pode ser feita facilmente. Esses direitos, cuja prova é mais fácil, são chamados de direitos evidentes, e por serem evidentes merecem tratamento diferenciado [...].
Nesse sentido, e cotejando hipóteses em que o direito perseguido envolva verbas de natureza alimentar - como costumam ser aquelas pleiteadas em ações trabalhistas - ainda mais notável o aproveitamento dessa modalidade de tutela provisória a essa Justiça Especializada!
Assim, a previsão de uma Tutela da Evidência revela-se totalmente providencial e afinada com o cenário processual trabalhista, principalmente por se destinar a antecipar, em certa medida, todo o direito perseguido pela parte - que, apesar de ainda não se afigurar certo, vez que pendente de contraditório, deve emergir absolutamente provável das provas pré-constituídas nos autos.
Registre-se que, naturalmente, não se pode olvidar da importância de se conhecer das razões motivadoras do acolhimento envidado pela Justiça do Trabalho, em relação às novas regras do Processo Civil – inegável que as ponderações registradas na instrução normativa 39 do TST, terminam por favorecer uma melhor aceitação dessas inovações pelas partes, e, sobretudo, pelo próprio Judiciário Trabalhista.
Contudo, fato é que, uma vez acolhidas expressamente pelo C. TST, essas novas disposições têm eficácia para todos – hipossuficientes ou não –, independentemente de quais sejam os direitos discutidos pelas partes e quais interesses as novas medidas possam terminar por proteger – no caso da tutela em questão, desde que, claro, estejam devidamente evidenciados.
Assim, sublimado o caráter eminentemente protetivo da Justiça do Trabalho, com a Tutela da Evidência avançamos um pouco para que um dia, quem sabe, possamos deixar de ver no juiz apenas "o direito tornado homem"2 para, finalmente, passarmos a vê-lo como a tão esperada personificação da Justiça.
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1 Didier Jr, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V. 2. 6ª ed. Salvador: Podivm, 2010. P. 408.
2 CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados; tradução: Ivo de Paula. São Paulo: Editora Pillares, 2013.
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