Migalhas de Peso

Nova ótica sobre a competência territorial

A jurisdição estatal decorre do monopólio do Estado para impor as regras legais, consoante o princípio da inafastabilidade do controle judicial.

10/9/2020

A jurisdição estatal decorre do monopólio do Estado para impor as regras legais, consoante o princípio da inafastabilidade do controle judicial (art. 5º, XXXV, da CF).

Para tal, desde os primórdios legais, buscou-se levar a atuação do Estado, em todas as áreas jurídicas(cível, penal, trabalhista, tributária e tantas outras), referendada por competências e sendo as principais de: soberania nacional, o da hierarquia e atribuições dos órgãos jurisdicionais (critério funcional), o da natureza ou valor da causa e o das pessoas envolvidas no litígio (critério objetivo), e os dos limites territoriais que cada órgão judicial exerce a atividade jurisdicional (critério territorial).

Com a modernização e aprimoramento dos meios tecnológicos a atuação jurisdicional vem buscando minorar um dos maiores e mais graves problemas a servir de abismo entre a pretensão “posta” pelo jurisdicionado em seu pleito e a atuação do Estado para buscar a solução para aquele, ou seja, a celeridade na decisão e seu efetivo cumprimento.

Há pouco foi noticiado, inclusive, o julgamento, pela Excelsa Corte Constitucional, de um caso proposto pela princesa Isabel em face do Estado da Guanabara e em cujo processo se discutia a propriedade de bem imóvel.

Nos últimos 10(dez) anos o Poder Judiciário vem sofrendo transformação tecnológica nunca verificada até então e fazendo daquela montanha de processos físicos conhecida por “todos” e, em particular, pelos Profissionais do Direito, uma vaga lembrança, transformando-os em arquivos eletrônicos com acesso através de plataformas digitais e dando ênfase, ainda maior, aos princípios da publicidade, celeridade e economia processual.

Surpreendidos com a pandemia do COVID-19 e consequente enclausuramento de indiscutível salvo conduto de vidas humanas, mostra-se o processo eletrônico um caminho irreversível para atingir metas tão sonhadas e buscadas ao longo dos anos e a orientar os atos processuais na tentativa de que a atividade jurisdicional deva ser prestada sempre com vistas a produzir o máximo de resultados com o mínimo de esforços, evitando-se, assim, gasto de tempo e dinheiro.

Nesta esteira, URGE a necessidade de ser revista, com a mesma ênfase, critérios de competência territorial até aqui vigentes, pois redesenhada a estrutura dos processos de  conteúdo físico para virtual, NÃO se pode mais pensar em Juízes fixados em determinadas Comarcas com enorme número de processos sob sua responsabilidade e, em outras, Juízes com menor número de processos para serem julgados, mesmo porque no conteúdo eletrônico a acessibilidade plena torna o antigo aspecto territorial mero dado estatístico de conflitos judiciais em determinada Região.

A questão ganha contornos para um debate e aprimoramento de ideias na medida em que, unificados os processos na chamada “nuvem da virtualidade”, como já vem ocorrendo com a implantação do “processo eletrônico”, em qualquer das áreas do direito perderá a razão fática e jurídica o critério de competência vinculado a territorialidade e passando a lide a ser apreciada pelos magistrados, principalmente os de 1ª instância, mais em face da matéria e da Pessoa, e recebendo todos os Julgadores números idênticos de processos para apreciação e podendo a aferição do desempenho de produtividade ficar melhor avaliada.

No último dia 28 de agosto do corrente, na página do TRT-MG foi destacada a seguinte matéria: “Após três adiamentos, na última quarta (26), a juíza Solange Barbosa de Castro Amaral, titular da 18ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, conseguiu colher o depoimento pessoal de um reclamante que mora em Lisboa, Portugal, há alguns anos. A magistrada entendeu que o depoimento pessoal do ex-adverso é um direito da parte, “porque através dele pode se chegar a melhor das provas, a confissão”. Segundo ela, como a empresa HNK BR Logística e Distribuição Ltda não abriu mão de seu direito, a audiência de instrução havia sido adiada algumas vezes devido à dificuldade na coleta do depoimento. Com as audiências presenciais suspensas por conta da pandemia da Covid-19, desde 20 de março, pela Portaria GP n. 117/2020, a Justiça do Trabalho não parou. As audiências estão sendo realizadas de forma remota para garantir o direito de empregados e empregadores.”

Está aí a prova mais fidedigna e verdadeira da eficiência dos meios eletrônicos na instrução processual e a desnecessidade do aparato físico a encarecer a atuação do Poder Judiciário.

Podemos imaginar, quando muito, na hipótese de se colher o depoimento da parte e/ou testemunhas, para garantir e preservar a identidade e segurança da mesma e sua imparcialidade, a presença daquela em sala própria onde, em companhia de um servidor habilitado para tal, preste seu depoimento por vídeo conferência a(o) juíz(a) instrutor(a) do feito e, em seguida, após colhidas as provas, todas gravadas e registradas nos autos eletrônico, e encaminhado o processo à conclusão para Julgamento.

Mutatis Mutandis, já é o que vem acontecendo nos julgamentos proferidos pelos diversos Tribunais de Segunda e Terceira Instância, em que causídicos vem atuando, sem qualquer prejuízo a ampla defesa e contraditório, nas sustentações orais dos processos submetidos aos seus patrocínios.

Aliás, com a implantação dessa nova metodologia de julgamentos virtuais mister destacar ter aumentado o número de sustentações orais nos processos submetidos a julgamentos pelos Tribunais, refletindo diretamente no menor “custo” do processo para todos; a advogado(a)s por permitir realizarem o ato processual sem deslocamento e em qualquer parte do Planeta, aos Servidores e Magistrados por não utilizarem do aparato público normalmente colocado à disposição nos julgamentos presenciais.

É de notar, por fim, que a manutenção de Varas e Fóruns nos diversos rincões deste imenso País sempre foi objeto de “lutas” políticas para serem criadas, mantidas ou mesmo construídas. Nesta nova realidade tais disputas, sempre calcadas em bons e justos propósitos, perdem a razão e objetivo, haja vista que o campo do contraditório jurídico será necessariamente disputado por meio eletrônico e acessível por todos e onde possuírem acesso a plataformas e link’s, em todo o mundo.

Com certeza será e está sendo o primeiro passo para diminuir grandes “custos” e “despesas” com obras, aluguéis, manutenção de mobiliário e tantas outras, focando, acima de tudo, para o principal e maior objetivo da existência do Poder Judiciário, a prestação jurisdicional entregue com celeridade e economia para o Jurisdicionado.

__________

*Jorge Berg de Mendonça é Desembargador TRT - MG.

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