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Breve análise sobre a sistemática dos precedentes e suas técnicas de aplicação

Uma resenha sobre o complexo sistema de precedentes adotado pelo CPC/15 e suas técnicas de aplicação.

10/9/2020

Não obstante corrente doutrinária contrária, pode-se dizer que o CPC/15 trouxe uma nova sistemática para aplicação, observância e, inclusive, vinculação dos precedentes.

Tal sistemática, especificamente positivada no artigo 927 do CPC/15, mesmo após quase 5 anos de vigência do CPC/15, ainda encontra diversos entraves para sua aplicação, seja por parte dos advogados, que não a utilizam da forma adequada, seja por parte dos magistrados, que se demostram relutantes em aceitar a vinculação obrigatória de determinados precedentes.

Sendo assim, o objetivo do presente artigo é analisar a sistemática dos precedentes, que ganhou maior notoriedade pelas disposições elencadas pelo legislador no CPC/15, bem como verificar suas técnicas de aplicação e efetividade prática.

I. Definição de precedentes segundo a doutrina brasileira

Antes do advento do CPC/15, quando se falava em precedentes tínhamos como conceito a acepção literal do termo, ou seja, um pronunciamento judicial anteriormente havido e identificado em um momento posterior, utilizado como subsídio persuasivo para julgamento de situação congênere.

Agora, diante do sistema adotado pelo CPC/15, há uma problemática quanto a conceituação do termo precedentes1. Daniel Mitidiero esclarece que "os precedentes não são equivalentes às decisões judiciais. Eles são razões generalizáveis que podem ser identificadas a partir das decisões judiciais"2. A seu turno, Carlos Alberto de Salles versa que o precedente "diz respeito à técnica decisória pela qual a identidade de um julgado e de um caso submetido a julgamento permite que o subsequente se baseie nas mesmas razões de decidir daquele anterior."3

Em sentido oposto, há quem defenda que os precedentes em nosso sistema têm a mesma acepção adotada pelos sistemas de Common Law. Entretanto, como o objetivo deste artigo não é tratar sobre tal debate, a tese não será aqui pormenorizada.

Necessário destacar suscintamente, neste ponto, a diferenciação dos precedentes em um sistema de Common Law e dos precedentes em um sistema de Civil Law. Enquanto no primeiro os precedentes fazem o papel de fonte de Direito, no segundo os precedentes têm o papel de uniformizar a aplicação da lei positivada nos casos em que haja similitude da base fática.

Neste sentido, em um sistema de Civil Law, os precedentes não serão utilizados como fonte de Direito, mas sim como norteadores da interpretação das fontes de Direito, no caso, a lei positivada.

Sendo assim, conforme doutrina majoritária, pode-se conceituar o termo precedentes como a tese/princípio jurídico assentado na motivação (ratio decindendi)4, cuja base fática seja congênere a controvérsia suscitada posteriormente. O precedente é o comando abstrato e generalizante de determinada decisão utilizado em caso análogo. São as razões abstratas de decidir, a maneira/justificativa pela qual o Magistrado aplicou a norma ao fato concreto.

II. O sistema de precedentes vinculantes adotado pelo CPC/15

Muito embora o CPC/15 tenha inovado ao incluir o artigo 927 que positivou novas hipóteses de observação (vinculação) dos precedentes, pode-se dizer que o movimento de aproximação entre a Civil Law e a Common Law já acontece há tempos no Brasil.

Desde os anos 90 é possível notar recorrentes reformas tanto no Código de Processo Civil quanto na Constituição Federal, que fortalecem a aproximação entre sistemas ao valorarem os precedentes, jurisprudência e súmulas dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

O STJ foi criado em 1989, com o objetivo de ser o guardião da legislação federal e uniformizar a jurisprudência. Após, em 1995, a grande reforma do CPC/73 permitiu aos Tribunais de Justiça que também realizassem o julgamento monocrático, assim como era realizado pelo STJ, para os casos de improvimento, a fim de controlar e unificar a jurisprudência. Seguindo, em 1998, ampliou-se o rol de possibilidades de julgamento monocrático também para os casos de provimento. E, finalmente, a EC 45/2004 veio instituir a denominada súmula vinculante, com a inserção do art. 103-A à Carta Magna.

É possível, inclusive, afirmar que o recorrente movimento de aproximação entre os sistemas tem o intuito de gerenciar a litigância repetitiva de uma sociedade de massa, a fim de garantir a segurança jurídica e isonomia dos julgados.

Nesta perspectiva, o artigo 927 do Código de Processo Civil veio com o claro objetivo de cristalizar a ideia de decisões com caráter vinculativo ao preceituar que "os juízes e os tribunais observarão" o contido em seus cinco incisos expressos pelo legislador, nos quais foram agrupadas diferentes situações que merecerão atenção do juiz no momento de proferir decisão em um caso concreto.

O termo "observarão" utilizado pelo legislador, objeto de controvérsias e já vastamente debatido pela doutrina brasileira, tem a clara intenção de vincular os juízes e tribunais às hipóteses ali positivadas.

Em complemento, cumpre destacar a necessária observância do §1º do artigo 489 do CPC, que dispõe sobre as condições necessárias para que uma decisão judicial seja considerada fundamentada. Dentre tais disposições, ressalta-se a contida no inciso "V", que aduz não ser entendida como fundamentada a decisão que "se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos".

Possível deduzir que tal determinação inserida pelo legislador tem como objetivo impor ao julgador que haja um exame analítico tanto das razões de decidir quanto da base fática do precedente invocado, evitando que haja um automatismo por parte do judiciário ao aplicar o instituto5, uma vez que há expressa imposição ao magistrado de indicar os "fundamentos determinantes" do precedente suscitado e "demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos".

Salvo melhor juízo, subsistindo hipótese elencada pelo artigo 927 do CPC/15 suscitada pela parte, o magistrado não será totalmente livre para exercer sua cognição ao caso sub judice, devendo seguir a ratio decidendi da decisão que formou precedente vinculante, sob pena de ter sua decisão reformada ou até mesmo cassada.

Caso o magistrado opte por decidir em sentido contrário ao precedente vinculante suscitado pela parte, deverá demonstrar, nos termos do artigo 489, §1º, VI, do CPC, (i) a distinção da base fática entre o caso precedente com força vinculante e o caso sob sua análise; e/ou (ii) a superação do entendimento adotado pelo precedente.

A hipótese (ii) serve como subsídio para evitar o temido "engessamento" dos precedentes, problemática levantada por alguns juristas que se preocuparam com a dificuldade de modular precedentes ultrapassados pela evolução da sociedade. Nesta toada, fica a cargo do magistrado demonstrar se o precedente vinculante já restou superado pela alteração de costumes e cultura da sociedade.

III. Cabimento de Reclamação e a problemática gerada pela lei 13.256/16

O CPC/15, em seu texto original, prevendo a relutância dos magistrados em observarem os precedentes vinculantes contidos no artigo 927, dispôs em seu artigo 988 que caberia reclamação ao tribunal cujo precedente foi afrontado, com a intenção de garantir sua observância e consequente cassação da decisão que o violou.

Entretanto, os Tribunais Superiores, antevendo a imensidade de reclamações que seriam ajuizadas, reagiram de forma a dar ensejo ao advento da lei 13.256/16, que, dentre outros, alterou o artigo 988 para inadmitir a Reclamação proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinários ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.

Ou seja, com a promulgação da lei, passou-se a exigir que, em caso de violação destes precedentes, seja necessário o esgotamento das instâncias ordinárias para o ajuizamento de reclamação.

Tal medida ignora o caráter educativo da procedência proferida nos autos de uma reclamação, que determina a cassação da decisão reclamada e consequente retorno dos autos ao juízo a quo para que este a adeque.

Certamente, caso os magistrados possuíssem esse risco ao contrariarem um precedente – e não o de uma simples reforma de sua decisão – iriam observar com muito mais vigor os precedentes vinculantes suscitados pelas partes.

Destarte, a lei 13.256/16 veio na contramão do pretendido pelo legislador do CPC/15, gerando um grave prejuízo ao sistema de precedentes implementado pelo Código, tendo em vista o enfraquecimento das técnicas aderentes ao Direito Processual capazes de garantir a efetiva observância e cumprimento dos precedentes vinculantes.

III. Técnicas para aplicação do sistema de precedentes

Não obstante as diversas dúvidas e incertezas quanto ao sistema de precedentes – que provavelmente serão sanadas futuramente com a consolidação das bases doutrinárias e dos entendimentos adotados pelos Tribunais Superiores – há hipóteses já pacificadas de aplicação do sistema que certamente podem facilitar o dia-a-dia tanto dos advogados quanto dos magistrados.

O artigo 311, II, do CPC, prevê a possibilidade de concessão de Tutela de Evidência, com a consequente procedência liminar do pedido, sem a necessidade de comprovar urgência, quando o pedido já for contemplado por precedente vinculante, desde que seja cabalmente demonstrado pelo requerente que a base fática entre sua demanda e o precedente são idênticas.

Sendo idênticas, o magistrado utilizar-se-á da ratio decidendi contida no precedente vinculante invocado para conceder a procedência liminar do pedido.

Em sentido contrário, o artigo 332, III, do CPC, prevê a improcedência liminar da ação caso o pedido contrarie algum precedente vinculante. Tendo em vista a fixação da matéria, é permitido ao magistrado julgar o pedido sem o cumprimento dos requisitos formais, cumprindo a este demonstrar a identidade de base fática entre o precedente vinculante e o caso sub judice.

Ademais, o artigo 988 do CPC, não obstante as alterações da lei 13.256/16 supramencionadas, permite o ajuizamento de reclamação para os casos em que não sejam observados os seguintes precedentes vinculantes: (i) enunciado de súmula vinculante e de decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade; e (ii) acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência.

IV. Conclusão

Destarte, temos claro que o sistema de precedentes existente no Brasil, muito embora ainda encontre problemas teóricos e práticos, certamente, com seu amplo desenvolvimento e maturação, será cada vez mais útil para o profissional tanto do ramo contencioso quanto consultivo, tendo em vista o maior grau de uniformização da interpretação da lei positivada a casos com a base fática congênere, o que, salvo melhor juízo, acarretará em uma maior segurança jurídica e previsibilidade das decisões judiciais.

__________

1 Inclusive o próprio Código se confunde na terminologia, como é possível notar da íntegra do artigo 926.

2 MITIDIERO, Daniel. Precedentes Da persuasão à vinculação. Revista dos Tribunais. 3ª ed. 2018. Pg. 96.

3 SALLES, Carlos Alberto de Salles. “Precedentes e Jurisprudência no Novo CPC: Novas Técnicas Decisórias?”. In “O Novo Código de Processo Civil: questões controvertidas”. Vários autores. Atlas, 1ª Edição, São Paulo, 2015. Pg. 82.

4 TUCCI, José Roberto Cruz e. “Precedentes Judiciais e a Atuação do Advogado”. Vários autores. Editora JusPodivm. V.2. Pg. 112.

5 PUOLI, José Carlos Baptista. Precedentes vinculantes? O CPC “depois” da lei nº 13.256/16. In Processo em jornadas. Lucon, Paulo Henrique dos Santos. JusPodivm. 2016. pg. 498.

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*Bruno Caruso é advogado no escritório Araújo e Policastro Advogados e pós-graduando em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo - USP.

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