Foi publicada, recentemente, no DOU, a IN 73/20 que dispõe sobre o procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Embora a norma não traga para o mundo prático grandes alterações à vista do que já é defendido e firmado pela doutrina e jurisprudência, sua publicação traz um destaque para a importância que deve ser conferida à fase de pesquisa de preços, e que, em alguns casos, acaba por ser negligenciada por parte do agente público, principalmente no que diz respeito a pequenas autarquias e pequenos municípios.
Ao discutir o assunto com antigos funcionários públicos, é claro perceber que houve um tempo em que para pesquisar os preços para contratações na administração pública bastava uma ligação para os fornecedores próximos, muitas vezes fornecedores já habituais. A cotação verbal era uma prática recorrente na administração pública. Com o passar do tempo, diante da necessidade de não apenas regulamentar o procedimento administrativo, mas também de proteger a administração pública, alguns normativos foram surgindo e norteando o agente público nas suas atividades diárias.
A pesquisa de preços é um procedimento fundamental e de suma importância no processo de contratação, seja esta realizada por licitação ou mesmo de forma direta. A pesquisa visa não apenas o cumprimento de uma mera formalidade, mas garantir à administração pública que a contratação seja feita com valores coerentes no mercado. Evitando, assim, contratações por valores inexequíveis, que causarão danos à Administração diante da inviabilidade do cumprimento das obrigações, bem como também evitar o sobrepreço, evitando, dessa forma, o ônus desnecessário e o dano ao erário público.
Diante desse contexto, é importante analisar a nova Instrução Normativa e destacar seus principais pontos.
Aplicabilidade da norma
A Instrução Normativa traz a obrigatoriedade de aplicação para aquisição de bens e contratações de serviços em geral, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e ainda para os órgãos e entidades da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, quando executarem recursos da União decorrentes de transferências voluntárias.
Nesse último caso, a norma aparenta acompanhar os recentes entendimentos de que, ao receber recursos da União, os órgãos estaduais, municipais e distritais devem se valer das normas e determinações daquela para execução desses recursos. É o mesmo que acontece, por exemplo, com a obrigatoriedade do pregão eletrônico nos municípios que utilizam recursos da União nos mesmos termos.
Cabe destacar que a norma não se aplica nas contratações de obras e serviços de engenharia, tendo em vista que a pesquisa de preços para essas contratações são regulamentadas pelo decreto 7.893/13, que estabelece regras e critérios para elaboração do orçamento de referência de obras e serviços de engenharia, contratados e executados com recursos dos orçamentos da União.
No tocante às contratações de prestação de serviços com dedicação de mão de obra exclusiva, aplica-se o disposto na IN 5, de 26 de maio de 2017, aplicando-se a referida Instrução Normativa apenas no que couber.
Mais uma hipótese de obrigatoriedade é aplicação da norma nos procedimentos para adesões às atas de registro de preços. Embora a adesão a ata de registro de preços seja um procedimento de contratação mais simplificado que a realização de uma nova licitação, se tratando quase de uma “contratação direta”, é imprescindível a pesquisa de preços nos autos do processo a fim de aferir a vantajosidade da adesão.
Procedimentos para realização da pesquisa de preços
A norma traz algumas disposições que, ainda que não estivessem normatizadas de forma clara, já deveriam ser aplicadas pelos gestores públicos, sejam como medidas de boas práticas, seja considerando as orientações emanadas pelos tribunais de contas e pela doutrina, bem como diante da necessidade de conferir transparência, publicidade, motivação e eficiência dos atos administrativos.
Conforme a Instrução Normativa, a pesquisa de preços deverá ser anexada ao processo administrativo em documento que conterá, no mínimo: (I) - identificação do agente responsável pela cotação; (II) - caracterização das fontes consultadas; (III) - série de preços coletados; (IV) - método matemático aplicado para a definição do valor estimado; e (V) - justificativas para a metodologia utilizada, em especial para a desconsideração de valores inexequíveis, inconsistentes e excessivamente elevados, se aplicável.
Para realização da pesquisa, o administrador deverá considerar as peculiaridades de cada contratação, como: o frete, o local de entrega, garantias exigidas, custos com instalações, entre outras. Isso se dá diante da variação de preço que pode afetar a contratação. É patente que, no caso de uma contratação de bem de informática, por exemplo, os valores serão diferenciados a depender da garantia exigida, se um ano, dois ou mais. Como outro exemplo, é possível notar que a aquisição de equipamentos, em que seja necessária a instalação, a viabilidade de acesso ao local para instalação pode acarretar a majoração do preço, o que deve ser considerado na pesquisa de preços.
Nesse contexto, vale destacar que, para que a realização de preços seja elaborada de forma completa e eficiente, todas as especificações necessárias para a composição dos preços devem estar discriminadas de forma completa no projeto básico que compõe o processo administrativo.
Da mesma forma que a Instrução Normativa nº 04/2014, antecessora da atual norma, e revogada por esta, a Instrução Normativa 73/20 traz os parâmetros para realização de preços no mercado, dessa forma, dispõe em seu art. 5º:
Art. 5º A pesquisa de preços para fins de determinação do preço estimado em processo licitatório para a aquisição e contratação de serviços em geral será realizada mediante a utilização dos seguintes parâmetros, empregados de forma combinada ou não:
I - Painel de Preços, disponível no endereço eletrônico gov.br/paineldeprecos, desde que as cotações refiram-se a aquisições ou contratações firmadas no período de até 1 (um) ano anterior à data de divulgação do instrumento convocatório;
II - aquisições e contratações similares de outros entes públicos, firmadas no período de até 1 (um) ano anterior à data de divulgação do instrumento convocatório;
III - dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que atualizados no momento da pesquisa e compreendidos no intervalo de até 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do instrumento convocatório, contendo a data e hora de acesso; ou
IV - pesquisa direta com fornecedores, mediante solicitação formal de cotação, desde que os orçamentos considerados estejam compreendidos no intervalo de até 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do instrumento convocatório.
Um comparativo com a norma anterior permite visualizar que a principal atualização foi com relação ao prazo de validade dos orçamentos nos diferentes parâmetros. Sendo definido o prazo de 1 (um) ano nos casos de pesquisas realizadas no Painel de Preços e para pesquisas de aquisições e contratações similares de outros entes públicos, e de 6 (seis) meses nos demais casos.
Através do Painel de Preços, sítio público disponibilizado pelo Governo Federal, é possível realizar a pesquisa de preços através de alguns filtros disponíveis, porém, vale ressaltar que os preços que compõem o processo administrativo, como pontuado anteriormente, devem respeitar as características e peculiaridades das necessidades do órgão interessado. Assim, mais do que simplesmente aplicar filtros e imprimir resultados, é dever do agente público analisar se os preços selecionados para a pesquisa realmente estão adequados aos quantitativos, especificações e peculiaridades dispostas no projeto básico, analisando, para esse fim, os editais correspondentes às contratações vinculadas aos preços. Evitando, dessa forma, a formação de preços inexequíveis ou majorados, o que pode acarretar em uma futura contratação frustrada ou dispêndio por parte da Administração.
Com relação às pesquisas de preços realizadas através de sítios públicos, embora pareça ser ainda mais simples e viável que a pesquisa de preços realizada através do Painel de Preços, considerando que os sítios públicos conferem maiores possibilidades de pesquisas, é importante que o agente público ao realizar a pesquisa atente, da mesma forma, para as peculiaridades da contratação, principalmente ao se tratar de serviços, ou aquisição de bens que impliquem na realização de serviços, como a instalação de equipamentos.
Deverão ser priorizadas as pesquisas realizadas através do Painel de Preços e através de outras contratações realizadas por outros órgãos públicos, porém é curioso perceber que a Instrução Normativa 73/20, ao contrário da norma anterior, não especificou a necessidade de justificativa no processo administrativo para quando a pesquisa não puder ser realizada sob esses parâmetros. Porém é aconselhável que o agente público, considerando o princípio da motivação dos atos administrativos, apresente tal justificativa nos autos do processo.
Na prática diária, a alternativa mais viável, em muitos casos, é a realização de pesquisa direta com fornecedores, principalmente no que concerne à prestação de serviços, considerando que essas, na maioria das vezes, abarcam mais especificações e características peculiares à contratação. Mas, como já considerado anteriormente, ao notar essa necessidade, deve o agente público justificar tal medida no corpo do processo administrativo, anexando todos os documentos pertinentes ao processo.
Assim, a pesquisa direta com fornecedores deve ser, ao menos em tese, a última alternativa, e deve ser aplicada nos casos em que não for possível a realização através dos demais casos, porém sendo necessária a sua aplicação, deve considerar alguns requisitos dispostos na própria norma, a saber:
§ 2º Quando a pesquisa de preços for realizada com os fornecedores, nos termos do inciso IV, deverá ser observado:
I - prazo de resposta conferido ao fornecedor compatível com a complexidade do objeto a ser licitado;
II - obtenção de propostas formais, contendo, no mínimo:
a) descrição do objeto, valor unitário e total;
b) número do Cadastro de Pessoa Física - CPF ou do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ do proponente;
c) endereço e telefone de contato; e
d) data de emissão.
III - registro, nos autos da contratação correspondente, da relação de fornecedores que foram consultados e não enviaram propostas como resposta à solicitação de que trata o inciso IV do caput.
Ao dispor esses requisitos, o legislador traz formalidades burocráticas ao processo que visam orientar o agente público com relação a necessidade de transparência e motivação dos atos administrativos. Evitando, inclusive, questionamentos futuros sobre a veracidade das propostas ou favorecimento para determinadas empresas, sobretudo no que tange à futuras contratações diretas.
- Dispensas de licitação
Embora a recente norma não traga especificações próprias para os casos de dispensa de licitações, e determine que devem ser adotadas as mesmas medidas para pesquisa de preços, a realidade prática do agente público pode envolver alguns entraves para aplicação, sobretudo no que diz respeito à aplicação dos itens I e II do art. 5º da referida norma, considerando que estes incisos preveem a realização da pesquisa através dos preços contratados por outros órgãos públicos.
Ocorre que, nas dispensas de licitação, a pesquisa direta com fornecedores, na maioria dos casos, se torna mais viável, haja vista que, em regra, o fornecedor interessado que apresentar o menor preço, regularidade fiscal e documental, e compatibilidade com o projeto básico, será contratado.
Porém, a fim de evitar possíveis questionamentos sobre a elaboração da pesquisa e formação do preço para contratação, cabe ao agente público tomar algumas medidas de boas práticas nas contratações.
Como sugestões de boas práticas, o agente público poderá adotar as seguintes medidas:
a) Ampla pesquisa de mercado - O agente público deve solicitar propostas de preços para o máximo de fornecedores possível, sempre anexando ao processo a solicitação dessas propostas, e, em casos de negativas, anexando ainda as negativas ao processo;
b) Padronização das propostas - A fim de que todas as propostas estejam de acordo com os bens e serviços a serem contratados, é aconselhável que o agente público encaminhe para os fornecedores, no ato da solicitação da proposta, o projeto básico completo, constando todas as especificações da contratação;
c) Busca por novos fornecedores - É aconselhável que o agente público busque ampliar seu cadastro de fornecedores, evitando, sempre que possível, a contratação reiterada dos mesmos fornecedores para fornecimento de bens ou serviços. Embora na vida prática do agente público seja muito mais viável e confortável a escolha de fornecedores com os quais já está habituado a contratar, essa medida visa impedir o questionamento de possíveis direcionamentos ou favorecimentos a determinadas empresas, bem como evitar que alguns fornecedores, ao se sentirem privilegiados, majorem seus preços de forma a prejudicar a administração pública.
- Inexigibilidade de licitação
A inexigibilidade de licitação, por si só, traz uma preocupação maior para o agente público, haja vista que a contratação irregular pode gerar maiores questionamentos sobre favorecimentos ou direcionamentos para determinados fornecedores.
Sendo prevista no art. 25 da lei federal 8666/93, nos seguintes casos:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
É notável que a inexigibilidade de licitação reconhece uma certa exclusividade na prestação dos serviços ou fornecimento de bens, sendo assim, a pesquisa de preços, em muitos casos, não é possível através dos parâmetros gerais utilizados, mas isso não isenta o agente público de justificar os valores a serem contratados. Essa pesquisa tem como condão comprovar que, embora possua exclusividade para fornecimento do serviço ou bem, a contratada não está majorando os preços de forma desproporcional a fim de ter ganho indevido sobre a contratação, lesando, nesses casos, os cofres públicos.
Assim, nos termos da Instrução Normativa 73/20, a pesquisa, nos casos de inexigibilidade, se dará da seguinte forma:
Art. 7º Os processos de inexigibilidade de licitação deverão ser instruídos com a devida justificativa de que o preço ofertado à administração é condizente com o praticado pelo mercado, em especial por meio de:
I - documentos fiscais ou instrumentos contratuais de objetos idênticos, comercializados pela futura contratada, emitidos no período de até 1 (um) ano anterior à data da autorização da inexigibilidade pela autoridade competente;
II - tabelas de preços vigentes divulgadas pela futura contratada em sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, contendo data e hora de acesso.
Nos casos de inexigibilidade, o agente público deve atentar para que os respectivos documentos fiscais ou instrumentos contratuais, conforme disposto acima, sejam condizentes à bens ou serviços prestados com quantitativos e características idênticos aos especificados para a contratação. Caso a empresa fornecedora nunca tenha fornecido bens e serviços totalmente condizentes com os que irá fornecer ao órgão, a norma prevê que o agente público poderá comparar com documentos fiscais e contratuais de bens e serviços semelhantes.
A pesquisa de preços, e a consequente pesquisa de mercado, pode ainda apontar o agente público para a possibilidade de competição no mercado, excluindo assim a hipótese de inexigibilidade, devendo, nesses casos, conduzir o processo para uma licitação ou dispensa, conforme o caso.
Considerações Finais
A recente Instrução Normativa 73/20 traz em seus dispositivos medidas coerentes que visam nortear o agente público no planejamento das contratações públicas, ao mesmo tempo em que visa proteger a administração pública de contratações que podem suscitar danos aos cofres públicos.
Cabe, por fim, considerar que embora a norma traga a obrigatoriedade para aplicação pelos órgãos e entidades da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, apenas quando executarem recursos da União decorrentes de transferências voluntárias, as medidas especificadas na norma podem, e devem, ser utilizadas por todos os órgãos da administração pública, sejam eles federais, estaduais, municipais ou distritais, como medidas de boas práticas, a fim de proteger o gestor público e a administração pública de possíveis lesões aos cofres públicos.
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BRASIL. Instrução Normativa 73/20. Disponível em Clique aqui. Acesso em 29 de agosto de 2020
BRASIL. Decreto 7.983/13. Disponível em Clique aqui. Acesso em 29 de agosto de 2020
BRASIL. Lei 8.666/93. Disponível em Clique aqui. Acesso em 29 de agosto de 2020
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*Hydianne Tavares dos Santos é advogada e consultora em compras públicas, e pós graduanda em Licitações e Contratações Públicas pelo Complexo Educacional Renato Saraiva – CERS.