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STF reconhece caráter infraconstitucional da incidência da contribuição previdenciária sobre horas extras e adicionais

Cada vez mais o STF tem se debruçado sobre a matéria, inaugurando debates especializados sobre a natureza jurídica de verbas percebidas pelos empregados.

8/9/2020

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (“STF”) examinou, por meio do Plenário Virtual, a existência de repercussão geral e de questão constitucional a ser dirimida nos autos do Agravo em Recurso Extraordinário 1.260.750. Na ocasião, os ministros examinaram a extensão constitucional da definição individualizada da natureza jurídica de verbas percebidas pelo empregado, bem como de sua respectiva habitualidade, para fins de incidência da contribuição previdenciária patronal sobre a folha de salários e demais rendimentos, nos termos do artigo 22, inciso I, da lei 8.212/91.

Valer notar que o Recurso Extraordinário em questão foi interposto por contribuinte contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que manteve a incidência da contribuição previdenciária patronal sobre os valores pagos a título de (i) adicional de horas extras, (ii) adicional noturno, (iii) adicional de insalubridade, (iv) adicional de periculosidade e (v) adicional de transferência.

A linha de defesa do contribuinte consistiu, essencialmente, no reconhecimento do caráter indenizatório das verbas, ante a perspectiva de que somente a contraprestação de valor econômico concedida habitualmente e em decorrência do trabalho deve ser levada em consideração para fins de pagamento dos encargos previdenciários.

Porém, à unanimidade, os Ministros decidiram pela inexistência da repercussão geral, considerando que a questão suscitada não teria relevância constitucional que pudesse ser resolvida pelo STF. A tese fixada prevê que “é infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa à definição individualizada da natureza jurídica de verbas percebidas pelo empregado, bem como de sua respectiva habitualidade, para fins de incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador conforme o art. 22, I, da lei 8.212/91.”

Vale destacar que, em 2014, nos autos do Recurso Especial nº 1.358.281, sob a sistemática dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) declarou a incidência das contribuições previdenciárias sobre as horas extras, adicional noturno e periculosidade. No seu entendimento, tais verbas decorreriam necessariamente do trabalho efetuado pelos empregados, de modo que seria preciso reconhecer sua natureza salarial.

Com a decisão do STF nos autos do Agravo em Recurso Extraordinário nº 1.260.750, o entendimento do STJ, portanto, a princípio consolida a matéria de forma definitiva na jurisprudência. Não afastamos a possibilidade, porém, que o STF venha a futuramente eleger novo leading case para analisar, novamente, o caráter constitucional de tais verbas.

Além disso, vale notar que esse recente posicionamento do STF nos autos do Agravo em Recurso Extraordinário 1.260.750, a nosso ver, manifesta certo antagonismo com recentes manifestações do Tribunal sobre a natureza das verbas indenizatórias. Isso porque, em pelo menos três ocasiões diferentes, o Tribunal aprofundou o exame da incidência ou não da contribuição previdenciária sobre verbas individualizáveis, assimilando de maneira específica os contornos da contraprestação ao trabalho prestado e da habitualidade de pagamento.

Em 2017, nos autos do Recurso Extraordinário 565.160, considerando o conceito de folha de salários do artigo 195, inciso I, da CF/1988, a Corte firmou a tese de que "A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional 20/98". O STF considerou, assim, que apenas as verbas pagas habitualmente e com caráter remuneratório seriam compreendidas pelo conceito constitucional de salário para fins de incidência da contribuição previdenciária. Esse racional foi amparado pela interpretação teleológica dos artigos 195, inciso I e 201, §11 da CF/88.

Posteriormente, em 2018, nos autos do Recurso Extraordinário 583.068, o Plenário consignou que “Não incide contribuição previdenciária sobre verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor público, tais como ‘terço de férias’, ‘serviços extraordinários’, ‘adicional noturno’ e ‘adicional de insalubridade”. Embora, naquele caso, a controvérsia tenha sido resolvida à luz do regime de previdência dos servidores públicos, fato é que as verbas em discussão possuíam a mesma natureza jurídica daquelas analisadas no Agravo em Recurso Extraordinário 1.260.750, paradigma ao qual foi atribuído desfecho diverso. É de se dizer: se, por um lado, nos autos do Recurso Extraordinário 593.068, o STF considerou a não incidência da contribuição previdenciária sobre o adicional noturno e o adicional de insalubridade, nos autos do Agravo em Recurso Extraordinário 1.260.750, as mesmas verbas foram restringidas à discussão infraconstitucional. 

Tampouco poderia se admitir uma possível mudança de entendimento da Corte quanto aos contornos constitucionais inerentes ao exame do caráter individual das verbas indenizatórias. Isso porque, já em 2020, ao analisar o Recurso Extraordinário 576.967 (Tema 72 da Repercussão Geral), a inconstitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária patronal sobre o salário-maternidade foi fundamentada na inexistência de caráter remuneratório da verba, que teria natureza de benefício previdenciário pago pela Previdência Social.

Mais recentemente, os aspectos inerentes à habitualidade e à contraprestação ao trabalho também permearam o julgamento do Recurso Extraordinário 1.072.485 (Tema 985 de Repercussão Geral), que discute a incidência de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias gozadas ou indenizadas. Ao mesmo tempo em que o Relator, Ministro Marco Aurélio, considerou que a contribuição seria devida ante “a habitualidade e o caráter remuneratório da totalidade do que percebido no mês de gozo das férias”, o ministro Edson Fachin salientou que “ainda que se considere verba de natureza habitual, isso não torna o terço constitucional de férias prestação de natureza salarial remuneratória”.

Embora a decisão do Plenário Virtual nos autos do Agravo em Recurso Extraordinário 1.260.750 possa identificar um termômetro de que caberá ao STJ o desfecho das discussões que envolvam a incidência da contribuição previdenciária sobre as verbas indenizatórias, certo é que cada vez mais o STF tem se debruçado sobre a matéria, inaugurando debates especializados sobre a natureza jurídica de verbas percebidas pelos empregados.

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*Cristiane I. Matsumoto é sócia de Pinheiro Neto Advogados.

*Mariana Monte Alegre de Paiva é associada de Pinheiro Neto Advogados.

*Nayanni Enelly Vieira Jorge é associada de Pinheiro Neto Advogados.

 





*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. 

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