Migalhas de Peso

SISBAJUD: Sistema de penhora traz novas discussões jurídicas

O Conselho Nacional de Justiça, o BACEN e a Procuradoria da Fazenda Nacional firmaram um acordo de cooperação técnica, com o objetivo de desenvolver um novo sistema que fosse capaz de aprimorar a relação entre o poder judiciário e as instituições financeiras.

4/9/2020

O BACENJUD é um sistema que interliga o Poder Judiciário ao Banco Central e as Instituições Financeiras, e tem como objetivo principal agilizar a solicitação de informações e o envio de ordens judiciais por meio do Sistema Financeiro Nacional por meio da internet.

Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça, o BACEN e a Procuradoria da Fazenda Nacional firmaram um acordo de cooperação técnica, com o objetivo de desenvolver um novo sistema que fosse capaz de aprimorar a relação entre o poder judiciário e as instituições financeiras, trazendo maior rapidez e segurança as ordens de penhora.

Esse novo sistema chama-se Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (SISBAJUD).

Um dos pontos mais relevantes é que o SISBAJUD apresenta um primeiro novo módulo, quando comparado ao BACENJUD, permitindo a quebra de sigilo bancário, em tempo real, a princípio ainda por meio do Banco Central, mantendo a transmissão das informações via digital.

Nesse aspecto, algumas informações poderão ser solicitadas pelo Poder Judiciário no que se refere ao bloqueio online de ativos:

1. Extratos bancários

2. Extrato de conta de FGTS

3. Extrato de conta do PIS

4. Faturas de cartão de crédito

5. Contratos de câmbio

6. Contrato de abertura de conta

7. Cópia de cheques

Outro ponto de extrema importância é o fato de diversas instituições financeiras serem passíveis de alcance desse novo módulo que permite a quebra de sigilo bancário, como bancos púbicos, bancos comerciais, bancos de desenvolvimento e investimento.

A ideia central é colaborar com os credores – em especial a PGFN – pois a solicitação dos dados para as instituições ficará mais célere. Esse novo sistema vai auxiliar a justiça, principalmente, no que se refere a investigações criminais e execuções fiscais.

Não obstante a quebra de sigilo bancário, o SISBAJUD autoriza o magistrado responsável pelo processo a solicitar a recorrência da ordem de bloqueio, quantas vezes ele entender necessária, até que se alcance o valor aplicável para cumprimento da decisão.

Nesse contexto, é relevante relembrar o posicionamento do STJ1 sobre a possibilidade de haver quebra de sigilo fiscal ou bancário do executado exclusivamente quando restar configurada a excepcionalidade do esgotamento das tentativas de localização de bens do devedor.

No mesmo julgado o STJ esclarece que a quebra deve sempre ser precedida de fundamentação, apresentando consistência em demonstrar que se revele essencial à instrução ou necessária à eficácia dos atos executórios.

Desse modo, o novo módulo de quebra de sigilo bancário do SISBAJUD não deve ser tomado como absoluto, sendo necessária a avaliação de medidas constritivas já utilizadas no processo, bem como a apresentação de um plano de busca prévia, de modo a ser possível a conclusão pela utilização da quebra, nos termos do já definido pelo STJ.

Mais uma das previsões extremamente relevantes para esse novo sistema é a possibilidade de haver penhora de criptomoedas, que são asseguradas por meio de um sistema de blockchain, o que, a princípio parece um contrassenso.

Isso porque o blockchain permite o acesso a moeda virtual (como a Bitcoin) apenas por aquele que possui a chave privada da wallet (consequentemente, aquele que pode assinar uma transação). Trata-se de um modelo de segurança extremo.

 No entanto, caso o investidor utilize uma exchange (chamada de corretora) como se fosse um banco, o que ela faz em verdade é a custódia do dinheiro. E nesse caso, por meio do CPF do dono “original as criptomoedas ficarão passíveis de sofrer penhora normalmente.

Como breve esclarecimento, cabe diferenciar exchangede wallet. A Exchange funciona como um intermediário entre quem quer comprar e vender moedas virtuais/reais, bem como virtuais/virtuais, como um ambiente negocial. As carteiras (wallet) são consolidadas em um aplicativo ou site, e o próprio usuário é o banco, realiza livremente e rapidamente todas as operações com moedas virtuais.

Nesse sentido, há ainda algumas nuances relevantes a serem consideradas quando se está ponderando a possibilidade de bloqueio de criptomoedas. O próprio CNJ divulgou uma nota a respeito dessa questão:

As moedas virtuais, a exemplo do Bitcoin e Ethereum, não têm sua emissão regulada e controlada pelo Banco Central e não são operadas pelas instituições financeiras que compõe o Sistema Financeiro Nacional. Ainda não temos dados precisos do movimento financeiro envolvendo as moedas virtuais, porque, pela sua própria natureza, elas não ficam depositadas nas exchanges, dificultando sua localização para fins de penhora".

A intenção do Conselho Nacional de Justiça é permitir o bloqueio de moedas virtuais quando intermediadas por exchanges assim como ocorre com dinheiro em contas bancárias, já no ano de 2021.

Nesse contexto, de tantas novidades, é importante lembrar a ordem de penhora estabelecida no art. 11 da lei 6.830 (Lei de Execuções Fiscais – LEF). Ou seja, em que pese as possibilidades de bloqueio trazidas pelo novo sistema, os referidos devem manter a ordem estabelecida na legislação:

I. Dinheiro;

II. Título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa;

III. Pedras e metais preciosos;

IV. Imóveis;

V. Navios e aeronaves;

VI. Veículos;

VII. Móveis ou semoventes; e

VIII. Direitos e ações.

A questão que deve ser ponderada a respeito, é a natureza jurídica das criptomoedas, posto que podem ser classificadas como “dinheiro” e, portanto, ser penhoradas em primeira ordem, ou se devem ser consideradas um ativo financeiro variável, como as ações, e dessa forma, penhorados em última instância. As criptomoedas podem ainda ser consideradas como um bem móvel incorpóreo, se enquadrando no item VII do art. 11 da LEF.

Como é possível verificar, esse novo sistema pode trazer diversas discussões jurídicas que merecem análise criteriosa por se apresentarem de extrema relevância.

Sobre o tema da natureza jurídica das moedas virtuais, por exemplo, o STJ não conseguiu promover uma definição segura quando do julgado em 20182, e até o presente momento o assunto permanece sem regulamentação. Já a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) entende que as criptomoedas não se submetem ao órgão regulador, uma vez que o ativo “não é considerado atualmente um valor mobiliário”3.

De todo modo, independentemente de qualquer análise e crítica, já é possível concluir que o Poder Judiciário está se cercando de todos os meios possíveis que favoreçam a maior agilidade e segurança em termos de garantia processual, investigação criminal fraudulenta e quitação de dívidas perante o fisco.

O cronograma previsto é retirar o BACENJUD do ar no dia 4 de setembro, e nos dias 5, 6 e 7 do mesmo mês migrar os dados, de forma que a partir de 8 de setembro, o SISBAJUD passará a operar plenamente, desativando o antigo sistema.

_________

1 REsp 1.220.307/SP (2010/0192022-8).

2 Conflito de Competência 161.123/SP (2018/0248430-4), j. 28/11/18, DJe 5/12/18.

3 Relatório Semestral – Supervisão Baseada em Risco. Julho-dezembro/17. Disponível clicando aqui 

_________

*Adriana Lacerda é sócia advogada da área Tributária e Head of Tax do escritório Gameiro Advogados.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Afinal, quando serão pagos os precatórios Federais em 2025?

19/12/2024

Atualização do Código Civil e as regras de correção monetária e juros para inadimplência

19/12/2024

5 perguntas e respostas sobre as férias coletivas

19/12/2024

A política de concessão de veículos a funcionários e a tributação previdenciária

19/12/2024

Julgamento do Tema repetitivo 1.101/STJ: Responsabilidade dos bancos na indicação do termo final dos juros remuneratórios

19/12/2024