1. Breve introito
Esse artigo nasceu da análise empírica, oriunda da práxis jurídica, que nos permitiu observar um aumento nos últimos anos da quantidade de protestos realizados pela Fazenda Pública, cujas dívidas, em alguns casos, foram acometidas pela prescrição.
Apesar do protesto extrajudicial ser um meio coercitivo e célere à cobrança de dívidas, uma vez que auxilia o Poder Judiciário na prevenção e solução de possíveis litígios, o art. 9º da lei 9.492/97 mantem sua redação original e impede a análise da prescrição pelo Tabelião do Cartório de Protestos, gerando uma situação injusta, que permite ao credor se utilizar desse meio para coagir o devedor a pagar dívidas prescritas.
A finalidade do protesto é evitar os custos de um processo judicial, poupando o tempo de ambas as partes e auxiliando na diminuição de ações judiciais, garantindo ao titular do direito material o recebimento do crédito de forma oportuna, eficiente, econômica e tempestiva. Todavia, impossibilitar a análise da prescrição pelo tabelião do cartório é ir de encontro ao princípio da economia processual, uma vez que esse ato implica no aumento de conflitos decorrentes do ajuizamento de outras demandas, de cunho indenizatório, que poderiam ser evitadas com a simples recusa do protesto.
Portanto, nesse contexto, desenvolvemos essa reflexão, discorrendo sobre os aspectos que envolvem o tema, a exemplo da prescrição e do dever de coerência do ordenamento jurídico como garantias da segurança e da paz social.
2. Prescrição: Instituto indispensável à estabilidade e à consolidação do Direito
A palavra praescriptio significa literalmente um escrito posto antes “prae-scriptio” (MONTEIRO, 1995. Pág. 286).
O aspecto da prescrição que primeiro se salientou foi realmente o da prescrição aquisitiva, figurando na Lei das XII Tábuas. Apenas beneficiava o cidadão romano e incidida somente sobre coisas romanas, sendo Justiniano quem refundiu completamente o instituto, destacando sua dupla face, aquisitiva ou extintiva, sendo essa o meio pela qual alguém se libera de uma obrigação pelo decurso do tempo; e aquela um modo de adquirir a propriedade pela posse prolongada.
3. Lei 9.492/97: Da impossibilidade da declaração da prescrição pelo tabelião de protestos
De acordo com o art. 9º da lei 9.492/97 todos os títulos e documentos de dívida protocolizados serão examinados em seus caracteres formais e terão curso se não apresentarem vícios, não cabendo ao Tabelião de Protesto investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade.
Dessa forma, o que obsta o registro do protesto é qualquer irregularidade formal existente no título, conforme preceitua o parágrafo único desse mesmo artigo.
A lei 12.767/12 acrescentou o parágrafo único ao art. 1º da lei 9.492/97 tornando títulos sujeitos à protestos: as Certidões da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas, implicando no aumento do número de dívidas levadas à protesto. Todavia, a problemática surge quando, em alguns casos, o credor realiza o protesto de uma dívida prescrita, tendo em vista a brecha legal permitida pelo art. 9º da Lei de Protestos.
Defendemos a alteração dessa norma, porque a declaração da prescrição pelo Tabelião de Protestos contribuiria diretamente à redução das demandas, uma vez que mais da metade dos processos existentes são execuções fiscais, segundo dados recentes do relatório Justiça em Números elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2019, que assim dispõe:
“Os processos de execução fiscal representam, aproximadamente, 39% do total de casos pendentes e 73% das execuções pendentes no Poder Judiciário, com taxa de congestionamento de 90%. Ou seja, de cada cem processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2018, apenas 10 foram baixados.
O maior impacto das execuções fiscais está na Justiça Estadual, que concentra 85% dos processos. A Justiça Federal responde por 15%; a Justiça do Trabalho por 0,28%, e a Justiça Eleitoral, por apenas 0,01%.
Da mesma forma, o impacto desses processos nos acervos é mais significativo na Justiça Federal e Estadual. Na Justiça Federal, os processos de execução fiscal correspondem a 45% do seu acervo total (conhecimento e execução); na Justiça Estadual, a 42%; na Justiça do Trabalho, a 2%; e na Justiça Eleitoral, a 2%. Esses percentuais têm se mantido estáveis ao longo da série histórica observada desde 2009”.
O que nos chama a atenção é que o tempo de giro do acervo desses processos é de oito anos e oito meses, ou seja, mesmo que o Judiciário parasse de receber novas execuções fiscais, ainda seria necessário todo esse tempo para liquidar o acervo existente (!).
Ademais, vale salientar que o protesto de dívida prescrita enseja o pedido de indenização por danos morais por abuso de direito. É o que se infere do julgado do TRF 3ª região, proferido pela 6ª turma, que condenou a União ao pagamento de indenização, com base na responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6º da Constituição Federal, em face de um ato comissivo perpetrado pela Fazenda Nacional, que culminou em um protesto indevido de certidão de dívida ativa prescrita (TRF 3ª região, 6ª turma, Ap - apelação cível - 2111769 - 0004968- 60.2014.4.03.6112, rel. juiz convocado Paulo Sarno, julgado em 4/2/16, e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/2/16).
4. Da necessidade de coerência do ordenamento jurídico
Deve-se frisar que a declaração da prescrição não é ato privativo de juiz. Caso contrário, a lei 11.441/07 não permitiria a realização de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais por via administrativa em cartório. Por esse motivo, defendemos a possibilidade do reconhecimento da prescrição pelo tabelião do cartório de protestos.
E mais, a alteração do art. 09º da lei 9.492/97, no tocante à possibilidade de reconhecimento da prescrição pelo tabelião, contribuiria para manter a coerência do ordenamento jurídico, uma vez que estaria em consonância com o CPC/151, que permite o reconhecimento da prescrição pelo juiz, em caráter liminar, quando se verifica, desde logo, a ocorrência de decadência ou prescrição.
Segundo Bobbio: “O Direito não tolera antinomias”. Para ele, a coerência não é condição de validade, mas de condição para a justiça do ordenamento. Onde existem duas normas antinômicas, ambas válidas, e, portanto, ambas aplicáveis, o ordenamento jurídico não consegue garantir nem a certeza, nem a justiça (BOBBIO, 1999. Pág. 113).
5. Considerações Finais
Assim, faz-se necessária a alteração da norma contida no art. 09º da Lei de Protestos para que torne possível a análise da prescrição pelo Tabelião de Protestos, sendo mantida a coerência do sistema legal e garantidas a certeza e a justiça do ordenamento jurídico.
Impedir a análise da prescrição pelo tabelião do cartório de protestos é norma ultrapassada que colide frontalmente com o próprio instituto do protesto, que objetiva a eficiência, a celeridade e a redução de demandas.
E mais, diverge dos fins colimados pelo atual Código de Processo Civil, que é a atenuação do excesso de carga de trabalho do Poder Judiciário e o afastamento de posições diferentes e incompatíveis nos Tribunais, uma vez que essas incoerências fragmentam o sistema, geram intranquilidade, sendo função dos tribunais proferir decisões que moldem e unifiquem o ordenamento jurídico.
1 CPC/15: Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar: (...)
§ 1º O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.
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Bobbio, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico (Trad. Maria Celeste C. J. Santos). 10ª Ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.
Carvalho, Paulo de Barros. Curso de direito tributario. 08ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2019: ano-base 2018. Brasília: CNJ, 2019.
Machado, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 14ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
Monteiro, Washington de Barros. Curso de direito civil. Vol. I. Parte Geral. 33ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
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*Ronaldo de Albuquerque Agra é advogado. Doutorando em Processo Constitucional pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Especialista em Direito Eleitoral e em Processo Civil. Bacharel em Direito pela UNICAP. Membro da Academia Brasileira de Ciências Criminais (ABCCRIM).