Desde os primórdios da civilização, a sociedade é estratificada em segmentos sociais desiguais. Diferença realçada no momento atual, com o surgimento da covid-19, que vem expondo e destacando, com vigor, a dessemelhança social e a pobreza extrema, entre outras mazelas, acentuando as diferenças existentes nestes meios, antes da chegada da pandemia.
Com a transformação mundial redesenhada com a chegada do vírus, o Brasil, que não cresce há anos, sofreu uma queda para o 12º lugar em termos de potência econômica mundial, ocupando a 7ª (sétima) posição de país mais desigual do mundo, demonstrando que as políticas adotadas nos últimos tempos reduziram a qualidade nos serviços públicos, no setor da saúde, no apoio às pessoas necessitadas e sem emprego.
Nesta esteira, com ênfase no setor da saúde, epidemiologistas e médicos, em estudos clínicos, pontuaram que o coronavírus vem afetando mais gravemente pessoas com comorbidade (diabetes, doenças coronárias, obesidade) presentes na população de classe média e, em especial, as classes mais simples, colocando o país na 2ª posição mundial de pessoas mortas e infectadas por esse vírus.
Resultado dos estudos, medidas de prevenção e números
Conforme estudos realizados pelos especialistas da área de saúde, no caso das classes mais simples - estratos “D” e “E” e em parte da classe média “C” (base da pirâmide social), apontam como fatores a dificuldade de acesso à saúde pública, problemas com saneamento básico e habitações pequenas com pouca circulação de ar, onde moram diversas pessoas, aspectos que influenciam a doença causando um impacto maior em regiões populares, como as comunidades e periferias.
Assim, sendo as principais medidas de prevenção recomendadas para conter a pandemia do novo coronavírus: lavar as mãos e o rosto com frequência, fazer uso de álcool gel e praticar o distanciamento social, tais cuidados não estão ao alcance de muitos moradores de comunidades e periferias das cidades brasileiras, pois, em grande parte dos domicílios desses locais, o abastecimento de água é intermitente.
Indo além, faltam condições para adquirir os produtos que garantam a desinfecção das mãos e ficar em casa, em habitações de poucos cômodos que abrigam várias pessoas, aliado aos poucos moradores que podem aderir ao isolamento, fizeram com que estes aspectos tornassem as pessoas de menor renda e trabalhadores informais, nos mais afetados pelos efeitos da pandemia.
De certo, o mais constrangedor de tudo isso é ver as autoridades governamentais exigindo cuidados individuais, mas pouco oferecendo de condições básicas para que as pessoas possam se cuidar.
Igualmente para piorar, esta população, ao se alinhar ao rigor necessário do confinamento, medidas de paralisação para conter a propagação do vírus em todo o país, tiveram perdas generalizadas em seus ganhos, fazendo com que o endividamento fosse a saída para sustentar o consumo e serviços essenciais.
Nesse meio tempo, passados mais de cinco meses do ataque deste vírus letal, e de acordo com as últimas previsões, o declínio continuará.
A exemplificar, cita-se que, nestes tempos, a perda generalizada de vagas de trabalho já atingiu 24,99% dos empregos informais, 24,6% nos domésticos e 9,2% nos de carteira assinada, resultando numa taxa de desemprego de 12,9% conforme dados do IBGE.
Especificamente, no caso da renda, aponta o Google que neste período de pandemia, 70% dos brasileiros perderam, de alguma maneira, seu poder aquisitivo. Pelos dados do jornal Estado de São Paulo, 67,4% das famílias se endividaram, e 26,3% se encontram com contas em atraso.
Também em pesquisa desenvolvida pelo Plano CDE e IBGE/PNAD, destaca-se que, nas classes “D” e “E”, 51% ou mais perderam sua renda, sendo que destes, 70% não possuem qualquer tipo de reservas para um mês ou menos de crise.
Ainda explorando este estrato social, a pesquisa apontou que 47% afirmaram que se endividaram, 43% deixaram de pagar água ou luz e 22% atrasaram aluguel. Deste público, 52% não receberam qualquer ajuda ou apoio governamental no período da pandemia, à exceção dos beneficiários do Bolsa Família.
Nos que se enquadram na classe “C”, 35% ficaram sem rendimentos e 29% tiveram redução de metade ou mais de seus ganhos, dos quais 23% deixaram de pagar contas, além de se endividarem com crédito caro.
A pesquisa também traz que, das classes “A” e “B”, 20% tiveram rendimentos diminuídos pela metade e 3% tiveram aumento de ganhos. Neste segmento, 50% afirmaram que possuem condições financeiras para aguentar mais de quatro meses de crise, sem necessidade de endividamento.
Estas relações indicam as pesquisas que as classes “D” e “E”, exceto quem recebe Bolsa Família que teve um ganho de 24% com a pandemia (auxílio governamental), o restante empobreceu em cerca de 29%. Já a classe média, que vem fortemente sofrendo com a pandemia no aspecto econômico e social, registrou uma queda de mais de 45% em seu poder aquisitivo.
Por seu turno, quanto às classes “A” e “B”, obtiveram um ganho de 10% ao longo desta crise sanitária.
Ponderações
Através das pesquisas e dados ofertados, é desolador observar que as desigualdades estruturais e a ausência de assistencialismo, no qual os acessos à água, à alimentação, à moradia, ao trabalho formal e ao saneamento se restringem a determinados estratos sociais, em detrimento de outros.
E nota-se que essa restrição passou a ser reforçada com a covid-19, uma vez que não há investimento em oferecer, quer gratuitamente, quer com baixos custos, itens básicos para a manutenção de uma higiene adequada para conter o vírus, ou possibilidade de realização de exames de forma generalizada à população, entre outras questões. O descaso com a condição social das pessoas e com a disseminação dessa pandemia é a evidência das restrições impostas a sociedade de classes.
No campo da pedagogia, a pandemia traz questões se é possível aprender lições a partir do sofrimento.
Não é de repente que um modo de vida se altera, a vida é continuidade, processo permanente de acúmulo e adaptação. É quase impossível ir de um padrão a outro só pela força de vontade.
O mais provável é que, com a suspensão das rotinas em que se vivia antes do vírus, e com tudo o que ela significava, poderá trazer uma outra faceta ou um poder revelatório de como se vivia inadequadamente, dada a intensidade, a densidade de vida que se levava e o seu significado.
Aprendizagem com a pandemia? Talvez, pois as mudanças só poderão ser vistas ou sentidas a posteriori!
E neste contexto da pandemia, os sofrimentos vivenciados nestes tempos realçam a impossibilidade do individualismo, pois as pessoas não vivem sozinhas, e se está dando conta disso.
Porém, simulando, provisoriamente, como seria viver em uma sociedade individualista, o sofrimento tem falado sobre quão é aflitivo, intragável e execrável é esta forma de viver. A pandemia tem revelado, então, que o individualismo não só nunca existiu, como ele não seria tolerável ou complacente.
Já no seio jurídico sobre o fato descrito, em palestra em evento no IAB, a ministra Carmem Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou que a “irresponsabilidade política” foi um dos fatores que levaram à marca deste altíssimo número de mortes pela covid-19, doença causada pelo coronavírus, estatística que a ministra classificou como “tragédia”.
Ainda afirmou: “Esta pandemia está patenteando exatamente isso, tornando escancarado como a irresponsabilidade política, junto com a falta de escrúpulo econômico, principalmente no espaço particular empresarial, junto com cidadãos que não pensam nos outros e não se comprometem com os outros, levaram a um fim de semana como esse que nós acabamos de ter, de uma sociedade enlutada por todos que tenham alguma sensibilidade”, disse a ministra.
“Mas foi uma atuação estatal – aliada a uma atuação em parte de uma sociedade perplexa, aturdida diante de tantos desmandos, de tanta falta de orientação segura seguindo-se a ciência e a medicina de evidências- que nos levou a um fim de semana de luto e que, portanto, um luto que impõe luta permanente pela democracia”, concluiu a ministra.
Do exposto, tem-se que a crise decorrente da pandemia reforçou a necessidade urgente de novas estratégias para que o capital seja injetado em projetos que reduzam a desigualdade social, porque, hoje, na atual situação, as classes altas enfrentam o tédio, tensões familiares e administração das dificuldades cotidianas. As classes baixas enfrentam fome, perda de emprego e sensação de fim de vida.
O conflito será entre a vida reclusa e a exposição ao risco: segurança ou liberdade.
O que tem mais importância e valor?
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