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14 anos de Lei Maria da Penha e os serviços públicos existentes como rede de apoio no Brasil

Em razão dos 14 anos da promulgação da Lei Maria da Penha, muito se comemora, mas ainda há uma longa trajetória a ser percorrida no Brasil no combate da violência doméstica e familiar contra a mulher.

21/8/2020

De início, importante relembrar quem foi a inspiração para a criação dessa importantíssima lei. Maria da Penha Maia Fernandes, biofarmacêutica, foi agredida pelo marido durante seis anos. Em 1983, ele tentou assassiná-la duas vezes: na primeira, com um tiro, quando ela ficou paraplégica; e na segunda, por eletrocussão e afogamento. Somente depois de ficar presa à cadeira de rodas é que ela passou a lutar por seus direitos e durante 19 anos e meio os perseguiu, levando o Brasil a ser condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos a tomar medidas de combate à violência doméstica. Diante disso, em 7 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei Maria da Penha, a qual recebeu o nº 11.304/06.

Antes da criação da Lei Maria da Penha, e por incontáveis vezes, mulheres vítimas desse tipo de violência deixavam de prestar queixa contra os companheiros porque havia o entendimento de que a punição seria leve, como o pagamento de cestas básicas. A pena máxima, que antes era de 1 (um) ano, passou a ser de 3 (três) anos de detenção.

Neste cenário, a Lei Maria da Penha foi criada com o objetivo de punir com maior rigor os agressores de toda e qualquer mulher no âmbito doméstico e familiar. A lei em comento alterou o Código Penal no sentido de permitir que os agressores fossem presos em flagrante ou que tivessem sua prisão preventiva decretada. Necessário observar que esta lei se aplica, também, a qualquer pessoa que se identifique como mulher e sofra violência no âmbito familiar e doméstico.

Segundo o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), a Lei Maria da Penha é uma das leis voltadas ao tema mais avançadas do mundo e que já trouxe grandes progressos, não só no que diz respeito aos mecanismos para responsabilização dos autores da violência mas, principalmente, ao estabelecer as diretrizes para a implantação de uma política pública integral para enfrentamento desse tipo de violência.

Contudo, o propósito da legislação, além de punir os agressores, é precipuamente proteger mulheres e filhos das agressões domésticas. Entre as medidas protetivas à mulher estão: proibição de determinadas condutas, suspensão ou restrição do porte de armas, restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, pedidos de afastamento do lar, prisão do agressor etc.

Um dos grandes destaques da Lei Maria da Penha, em seu artigo 7º, é a definição dos tipos de violência praticada contra a mulher. Existem vários tipos de violência: a física é caracterizada como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher; a psicológica são comportamentos que causem dano emocional e diminuição da autoestima ou prejudiquem e perturbem o desenvolvimento da mulher, assim como ações que busquem controlar comportamentos e decisões por meio de ameaça, constrangimento, humilhação, isolamento, entre outros.

Outrossim, a Lei Maria da Penha define o que é a violência sexual, sendo entendida como qualquer conduta que force a mulher a presenciar, manter ou participar de relação sexual não desejada, seja pelo uso de força, intimidação ou ameaça. Comportamentos que a impeçam de usar métodos contraceptivos ou forcem matrimônio, gravidez, aborto e prostituição também são formas de violência contra a mulher; a patrimonial se perfaz pela retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos é uma forma de violência e por fim, a violência moral que se configura por qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Nesta esteira, em que pese tenhamos avançando no combate à violência doméstica com a criação da Lei Maria da Penha, e como já dito, a trajetória é longa e o estudo feito pelo Instituto de Pesquisa DataSenado em 2019, em parceria com o Observatório da Mulher contra Violência, aponta que quase 7 em cada 10 mulheres brasileiras acreditam que a Lei Maria da Penha não as protege contra a violência doméstica e familiar (21%) ou que as protege apenas parcialmente (47%).

Além disso, muitas mulheres, mesmo vivenciando situações de extrema agressividade em seus relacionamentos íntimos, não se dão conta de que de fato estão sendo vítimas de violência doméstica por ainda desconhecerem a proteção conferida pela legislação ou, pior, não buscam a proteção do Estado por receio de que tais medidas legais não sejam suficientes para resguardarem as suas integridades.

Para reverter essa situação, muitos alicerces ainda deverão ser criados, até que finalmente todas nós nos sintamos devida e legalmente protegidas. Para isso, é de extrema necessidade e relevância que se tenha a educação como base apoio na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

No Brasil existem serviços especializados no atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica, como a Casa da Mulher Brasileira, que é uma inovação no atendimento humanizado das mulheres, contendo diversos serviços de cuidados e orientação; a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, que é um serviço anônimo de denúncias; Unidades Móveis de Atendimento às Mulheres, que são ônibus especialmente desenvolvidos para trafegar em estradas não pavimentadas, adaptados para levar o atendimento às mulheres do campo e da floresta e os Centros de Atendimento às Mulheres nas regiões de fronteira seca, que objetiva ampliar o atendimento a mulheres migrantes em situação de violência, enfrentar o tráfico de pessoas e a exploração sexual, orientar a regularização de documentação, prestar atendimento psicossocial, disponibilizar assistência jurídica e fazer o encaminhamento aos serviços do próprio Centro ou da rede de serviços especializados.

Ainda, temos as Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres – DEAM, que são unidades especializadas da Polícia Civil; os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e as Promotorias Especializadas/Núcleos de Gênero do Ministério Público, que têm como objetivo central promover a ação penal nos crimes de violência contra as mulheres.

Além disso, existem os Serviços de Abrigo, que são locais seguros, temporários e sigilosos, que oferecem moradia protegida e integral às mulheres em situação de violência doméstica e familiar sob risco de morte iminente, assim como os Serviços de Promoção da Autonomia Econômica das Mulheres em situação de Violência, tratando-se de “portas de saída” da situação de violência para as mulheres que buscam sua autonomia econômica, seja por meio de educação financeira, programas de qualificação profissional e de inserção no mercado de trabalho. 

Ademais, existem os Serviços Especializados de Atendimento à Violência Sexual que contam com equipes multidisciplinares (psicóloga/os, assistentes sociais, enfermeiras/os e médicas/os) capacitadas(os) para atender os casos de violência sexual. Parte dos serviços especializados (mais especificamente os serviços de referência) realiza a contracepção de emergência, prevenção das doenças sexualmente transmissíveis (DST) - incluindo o HIV e prestam apoio psicossocial. Esses serviços fazem parte do Sistema Único de Saúde (SUS), que é universal e presta atendimento à toda população de forma gratuita.

Diante de tais considerações e em que pese a Lei Maria da Penha exista há 14 anos, complementada por políticas públicas para o combate a violência doméstica, ainda é necessário fortalecer e aumentar a rede de atendimento às mulheres em situação de violência e levar tais políticas até os recôncavos deste enorme país, especialmente em municípios de pequeno e médio porte, desenvolvendo modelos que se adequem à realidade local, no intuito de atingir o maior número de mulheres possível, priorizar a educação como instrumento de conscientização e combate à violência contra a mulher, formando cidadãs e cidadãos com a consciência de que a igualdade de gênero é um princípio basilar de nossa sociedade.

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*Renata Assalim Fernandes é graduada pela Faculdade de Direito Padre Anchieta de Jundiaí. Pós-graduado em Direito Civil. Advogada do escritório De Vivo, Castro, Cunha, Ricca e Whitaker Advogados.





*Francisca da Costa Conceição é graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada do escritório De Vivo, Castro, Cunha, Ricca e Whitaker Advogados.

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