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As audiências por videoconferência: Haverá um “novo normal” pós-pandemia?

A videoconferência mostrou-se, nesse novo contexto de emergência, uma ferramenta eficaz para que a prestação da tutela jurisdicional não sofresse solução de continuidade.

12/8/2020

A utilização de recursos tecnológicos como instrumento para tornar a prestação da tutela jurisdicional mais ágil já vem sendo pensada (e concretizada!) há tempos.

O processo eletrônico, por exemplo, é regulado pela lei 11.419, editada em 2006.

Em 2010, o CNJ editou a resolução 105/10, que dispunha sobre a realização de interrogatório e inquirição de testemunhas por videoconferência. Antes disso, o Código de Processo Penal já continha regra a respeito, introduzida pela lei 11.900/09.

Com o advento do CPC/15, o uso desse recurso tecnológico consolidou-se no ordenamento jurídico. Com efeito, o seu art. 235, § 3º, é expresso ao permitir a prática de atos “por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real”. Também, há regra expressa que autoriza o uso da videoconferência para realização da audiência de conciliação ou mediação (art. 334, § 7º); inquirição das partes e das testemunhas (art. 385, § 3º e 453, § 1º); e para realização de sustentação oral do advogado, com domicílio profissional em cidade diversa daquele onde está sediado o Tribunal (art. 937, § 4º).

Ocorre que essa ferramenta, embora prevista em lei, vinha sendo pouco utilizada em nossos tribunais. Não era usual a realização de audiências ou sessões de julgamento por videoconferência. E, quando ocorriam, o ato era praticado em juízo.

A pandemia do covid-19 alterou completamente esse quadro, em razão do distanciamento social que impôs, que suspendeu o atendimento presencial nos órgãos do Poder Judiciário e limitou o deslocamento das pessoas.

A videoconferência mostrou-se, nesse novo contexto de emergência, uma ferramenta eficaz para que a prestação da tutela jurisdicional não sofresse solução de continuidade.

Realmente, não se pode negar que a tecnologia vem sendo uma grande aliada, incentivada pelo CNJ, que editou uma série de resoluções e portarias, visando a, dentre outras medidas, viabilizar a realização de audiências - de conciliação ou mediação, bem como de instrução - e sessões por videoconferência.

Por meio da portaria 61, de 30/3/20, por exemplo, instituiu, em parceria com a Cisco Brasil, uma plataforma digital para esse fim. Seguiram-se, daí, regulamentações editadas pelos tribunais locais. E, como não poderia deixar de ser, diante dessa mudança radical de paradigma, vieram as críticas e sugestões de aprimoramento.

Não há dúvida de que, como medida para enfrentar os impactos da pandemia do covid-19, a videoconferência foi e continua sendo essencial, indispensável.

No que se refere, por exemplo, às audiências de conciliação ou mediação, sejam aquelas designadas já no início do processo (art. 334, CPC/15), ou, pelo juiz, ao longo do procedimento, com base no art. 139, CPC/15, parece-nos não haver problemas.

No Paraná, por exemplo, a portaria 3742/2020/NUPEMEC1 autorizou a audiência de conciliação ou mediação (do art. 334 ou não) de forma remota. As partes são contactadas pelos servidores e, havendo sua concordância, a audiência se realizará por videoconferência. É imprescindível ouvi-las previamente porque pode ocorrer que não disponham dos equipamentos necessários para o ato, não tenham acesso à internet rápida e segura, ou não possuam habilidade técnica para acesso ao sistema, por exemplo.

As mesmas regras valem para o âmbito pré-processual dos CEJUSCS, que auxiliam na tentativa de resolução de casos em que ainda não há processo instaurado.

Até mesmo no âmbito dos Juizados Especiais, a ferramenta foi autorizada para possibilitar a conciliação não presencial, nos termos da lei 13.994/20.

Essa prática deve, em nosso entender, ser incentivada e disseminada, não só neste momento de crise, mas no futuro, podendo a audiência de conciliação ou mediação (do art. 334 ou não) ser realizada por meio virtual, ainda que haja discordância da parte, caso o juiz entenda que a resistência é manifestamente injustificada.

Quanto à audiência de instrução e julgamento, todavia, a situação é mais sensível. Especialmente porque a videoconferência passou a acontecer fora do juízo, na moradia ou escritório do depoente, o que pode comprometer a credibilidade da prova oral – as testemunhas, nas audiências virtuais, podem ter em mãos respostas preparadas ou estar sendo orientadas por terceiros –, bem como dificultar o contato das partes com seus advogados.

Por essa e, ainda outras razões (relacionadas, por exemplo, à falta de meios materiais ou habilidade de manuseio da ferramenta), a definição sobre realizar-se ou não a audiência por videoconferência deve ocorrer caso a caso, após ouvir as partes.

Na justiça do trabalho, em razão do perfil socioeconômico de seus jurisdicionados, a videoconferência pode deixar o processo desigual.

Recentemente, o TRT da 2ª Região, em decisão monocrática da des. Beatriz de Lima Pereira, deferiu, em mandado de segurança,  pedido da Eletropaulo para adiamento de audiência de instrução por videoconferência, reconhecendo que, no caso, a parte apontou concretamente que suas testemunhas não possuíam habilidades técnicas para o manuseio do sistema de videoconferência.2

No âmbito da arbitragem, porém, a situação é outra.  Em regra, as disputas envolvem partes sofisticadas, parecendo bastante improvável que não disponham de suporte técnico, acesso a mecanismos de segurança etc, embora possam existir, é claro, outras razões que não recomendem a prática do ato pelo meio virtual.

O Chartered Institute of Arbitrator – CIArb, conforme expôs seu Presidente no Brasil, Cesar Pereira, em artigo publicado em Migalhas3, divulgou algumas Recomendações sobre Procedimentos Remotos de Resolução de Conflitos, que, embora mais diretamente voltadas à crise sanitária, contêm “diretrizes permanentes que podem ser aplicadas a qualquer outra situação em que se necessite ou deseje adotar procedimentos remotos para a solução de conflitos, notadamente mediante a realização de audiências virtuais por meio de áudio e videoconferência”.

Ou seja: a maior ou menor propagação da videoconferência vai depender, também, das características do próprio “ambiente processual” em que o ato será realizado.

Como se disse, são vários os argumentos daqueles que se opõem à realização da audiência de instrução por videoconferência. O comprometimento da credibilidade do depoimento virtual das testemunhas, as limitações das partes de se consultarem com seus advogados em tempo real, bem como potenciais intercorrências técnicas, são alguns deles.

A experiência, contudo, tem demonstrado que há mecanismos de que se podem valer os sujeitos do processo para contornar ou minimizar essas dificuldades.  Deve-se levar em conta, ainda, que, nem na forma tradicional, há garantia absoluta de incomunicabilidade.

O servidor que acompanha a audiência, por exemplo, tem meios para manter as testemunhas em espera para entrar na sessão, de modo a que não ouçam, nem vejam os atos praticados na audiência. O juiz pode solicitar aos depoentes que exibam o espaço físico em que se encontram a fim de que possa verificar e confirmar as pessoas presentes. O contato da parte com seu advogado pode ocorrer por meio de algum aplicativo de mensagem instantânea, o WhatsApp, por exemplo.

Uma boa inquirição pelo advogado e um juiz atento, em regra, conseguirão flagrar eventual depoimento combinado.

Ganham relevância, aqui, o princípio da cooperação e da boa-fé. Deve-se presumir a boa-fé, mas se ficar evidenciado ato de deslealdade, caberá ao juiz desconsiderar o depoimento, designar outra data para ouvir especificamente a testemunha, determinar o interrogatório da parte.

O juiz poderá suspender a audiência remota, se houver qualquer tipo de falha técnica ou de outra natureza. A audiência, em hipóteses como essas, poderá ser cindida, assegurando-se que seus registros sejam mantidos em sigilo até a sessão ser retomada.

Além disso, esse é um terreno fértil para negócios jurídicos processuais.

É preciso haver boa-vontade entre os envolvidos, pois, observadas as cautelas devidas, as audiências virtuais apresentam-se como ferramenta bastante útil.

As audiências virtuais tornaram-se realidade no dia a dia da advocacia, durante a pandemia do covid-19. Todavia, tendo em vista que aos poucos o país está relaxando a quarentena, é importante refletir se essa nova realidade virtual irá substituir as audiências presenciais no período pós-covid.

Será que essa prática, intensificada nessa época de crise, vai se manter?

Certamente, quanto às audiências de conciliação, o uso dessa ferramenta irá se expandir e cada vez mais se consolidar.

Quanto às audiências de instrução e julgamento, os avanços obtidos nesses tempos de pandemia, também, devem ser aproveitados.

O aprimoramento das plataformas, fornecendo acesso de qualidade e seguro; a implantação da internet 5G; a disponibilização de câmeras rotativas que podem ser controladas pelos juízes para acessar o ambiente em que se encontra o depoente; os benefícios com redução de custos e de tempo;  a possibilidade de o juiz rever o depoimento quantas vezes ele quiser para tomar uma decisão; a elaboração de tutoriais e a colaboração da OAB, na orientação aos advogados, são todos fatores que poderão levar as partes a optarem, com muito mais frequência, pela realização da audiência de instrução, ou, ao menos, de segmentos da audiência, no formato virtual.

Em comentários ao art. 385 do CPC/154, já tivemos oportunidade de nos posicionar de forma favorável à utilização da videoconferência para colheita da prova oral, no processo civil, afirmando que essa ferramenta, ao contrário do que se diz, não priva o juiz da causa do contato direto com a parte ou a testemunha. Irá privá-lo da proximidade física, o que já não acontece quando o depoimento é colhido por meio de carta precatória. Como a videoconferência é realizada em tempo real, simultaneamente à audiência presidida pelo juiz da causa, este continuará podendo – ainda que, eventualmente, como há que se reconhecer, com alguma restrição - interagir com as partes, testemunhas, perito ou assistente técnico a serem ouvidos.  Mas dizíamos: certamente, pela importância do ato e para evitar interferência de terceiros, deverão ser criados meios para que o depoimento seja prestado em sala especial, disponibilizada para esse fim, sob fiscalização de serventuários.

O que se apresenta, no contexto atual, contudo, é algo diferente: os depoimentos vêm sendo prestados no ambiente em que se encontram aqueles que irão depor, sua casa ou escritório.

A perspectiva, segundo nos parece, é de que, no futuro, mais procedimentos possam vir a ser realizados dessa forma. O CPC não contém proibição para tanto. Ao contrário.

Mas nos parece precipitado – e de duvidosa constitucionalidade - supor que a regra, para audiência de instrução e julgamento, deva passar a ser essa.

A interação entre os sujeitos processuais deve ser especialmente prestigiada nos juízos de 1º e 2º graus, porque é aí que as questões de fato são apuradas, colhendo-se e valorando-se as provas. Todas as garantias de que isso irá acontecer de forma a preservar o tratamento igualitário às partes, mediante efetivo contraditório, em que lhes sejam assegurados todos os meios legítimos para influenciar na construção da decisão judicial, devem ser observadas.

Isso se torna ainda mais evidente, quando se têm em vista as diversas dificuldades que estão sendo impostas para o acesso aos tribunais superiores, fazendo com que a tendência seja de que as decisões dos juízos locais – de 1º e 2º graus – tornem-se definitivas.

Essa é uma forte e relevante razão para não se pretender impor, independentemente da prévia manifestação das partes, medidas que acentuem o distanciamento entre os sujeitos processuais, pondo em risco o devido processo legal e a prestação da tutela jurisdicional justa.

O tema está em ebulição e demanda intensa reflexão, não só sob o ponto de vista normativo, voltado a aspectos como a celeridade da prestação jurisdicional e o papel das provas orais. Trata-se de questão relacionada à própria investigação filosófica do que é o direito e que deve considerar, também, a sua dimensão social e política.

Encerramos esse breve artigo com as palavras precisas do Ministro Humberto Martins, que, recentemente, declarou que “Temos que voltar à atividade presencial, com calor humano, sentir as partes, conversar com a sociedade. Isso faz parte da vida cotidiana da magistratura”.5

Essa é premissa da qual não devemos nos afastar e que deve servir de norte para o que virá, buscando-se sempre o equilíbrio, sem apego irrestrito a dogmas, nem adesão absoluta a soluções imediatistas.

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1 Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos.

2 TRT 2ª Região, MSCiv 1003312-87.2020.5.02.0000, rel. Des. Beatriz de Lima Pereira, dec. mono., j. 30/7/20.

3 Cesar Pereira. Chartered Institute of Arbitrators – CIArb: Recomendações sobre procedimento remotos de resolução de conflitos. Disponível em: clicando aqui. Acesso em: 10/8/20.

4 Maria Lúcia Lins Conceição; Teresa Arruda Alvim; Leonardo Ferres Ribeiro; Rogerio Licastro. Primeiros Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª ed., S. Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 777 e ss.

5 Em matéria disponível no site Consultor Jurídico, “A presença física do magistrado é necessária, diz Humberto Martins”, com reportagem de Tábata Viapiana. Acesso em: 10/8/20.

_________

*Maria Lúcia Lins Conceição é doutora em Direito pela PUC/SP. Mestre em Direito. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP). Advogada sócia escritório Arruda Alvim, Aragão, Lins & Sato Advogados.

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