A pandemia do coronavírus se estende por meses a fio e não há uma solução, nem que seja levemente obscurecida, nos apresenta a frente, dando força a uma nova estrutura de realidade nunca vista antes nos tempos modernos. Em outro lado, a problemática – e velha história – dos dramas dos presídios, como bem destacado, não é um assunto atual, muito embora as autoridades e órgãos competentes possam agir como se não existisse. Motivos de ações, estudos, discussões e também, de denúncias, as violações e tantas carências que existem nos presídios são um prato cheio para um inimigo invisível e sem freio, que atinge milhares de famílias no país e no mundo, qualquer que seja a idade, sexo, classe social… E o que fazer se o coronavírus alcançasse o meio mais sofrido de nossa sociedade?! Aquele que as palavras de Dante nas portas do Inferno em “A Divina Comédia” cabem perfeitamente… “Abandonai toda a esperança, ó vós que entrais…”
Mas, era óbvio que não haveria como controlar a contaminação, por mais que a mídia tenha tentado alertar também sobre como os presídios são uma bomba-relógio frente a pandemia1. O aumento da contaminação nos presídios está aumentando diariamente2, as mortes serão uma consequência natural, enriquecida já com tantas outras comorbidades que não nos alcançam as linhas e vai muito além dos meros corpos humanos, largados no inferno.
A Arguição de Preceito Fundamental 347 que defende a tese e a aplicação do Estado de Coisas Inconstitucional nos presídios em tramitação no STF desde 20153, recebeu petições das partes envolvidas alertando sobre a ineficácia dos meios de combate e prevenção do coronavírus por parte do Poder Executivo e do Ministério da Saúde, além da extrema vulnerabilidade já conhecida dos presídios. É visto que as entidades estão se apresentando dentro dos limites de alcance de suas vozes, para, de alguma forma, conseguir evitar o avanço do vírus uma vez que, o Estado não consegue conter nem mesmo a contaminação da população dita livre.
Embalados por toda essa luta em prol do sistema penitenciário, mais de 200 órgãos brasileiros como a Associação dos Advogados Criminalistas do Mato Grosso, Tocantins e Rondônia, comissões da OAB de diversos Estados, a Pastoral Carcerária Nacional, entre outros, apresentaram denúncia formalizada na Organização das Nações Unidas (ONU) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA), apresentando inconstitucionalidades dos presídios e contrastando diversos problemas que abrangem o sistema prisional como um todo e a pandemia do Covid-19.
As questões arguidas são uma extensão dos mesmos problemas já enfrentados pela sociedade em geral, mas, que nos presídios, ganham uma proporção fortemente maior e pior. A falta de testes; subnotificação; o [lamentável] comportamento judicial em descumprir as recomendações do Conselho Nacional de Justiça4 sobre a liberação de presos em grupo de risco que, além de proteger a vida de presos encarcerados com graves comorbidades, busca “aliviar”, mesmo que de forma paliativa e indireta, o fantasma da superlotação; a incomunicabilidade entre a família e o preso; ocorrência de rebeliões; os óbitos e a polêmica possibilidade de permitir o uso de “contêineres”5 como estrutura de prisão de isolamento. Em todos esses anos de estudos de políticas públicas de diversos órgãos engajados com a causa criminal, talvez nunca se depararam com uma ideia tão estapafúrdia – e, por que não, nazista?! – em colocar presos em contêineres.
A denúncia apresenta ainda uma realidade dura e que alguns de nós talvez fechamos os olhos para ela, no sentido de que, o Brasil não possui um planejamento de controle, combate e prevenção contra o coronavírus de forma efetiva; o Ministério da Saúde se encontra sem um ministro propriamente dito de cunho técnico – aquela ideia tão defendida em tempos de campanha pelo atual Presidente da República – o que problematiza as questões de conhecimento e estrutura de governo na luta contra a pandemia, além da permanência e continuidade de violação em massa de direitos humanos e fundamentais das pessoas privadas de liberdade.
O Brasil já detém uma lista de condenações em órgãos internacionais6 e não é a primeira vez que a situação precária dos presídios é denunciada, contudo, vale lembrar que os tempos são obscuros e medo paira como uma sombra fria a nossa volta, muito embora possamos ficar no conforto de nossas casas, o mesmo não pode-se dizer aos encarcerados…
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1- CERIONI, Clara. Crise sanitária e superlotação: prisões são bomba-relógio para coronavírus, Exame.com, Não Paginado, 22-03-2020. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 08 jul. 2020.
2- BERTONI, Estevão. O avanço da covid-19 nas prisões. E a subnotificação de casos. Nexojornal.com, Não Paginado, 18-06-2020. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 08 jul. 2020.
3- Vide andamento processual da ADPF nº. 347, disponível em: Clique aqui. Acesso: 08. jul. 2020.
4- A Recomendação nº. 62 do Conselho Nacional de Justiça elenca vários fatores para a proteção de presos com diversas condições de saúde que possam agravar ainda mais a situação da pandemia dentro dos presídios, sendo possível a aplicação de prisão domiciliar, vide: Clique aqui. Acesso em: 09 jul. 2020.
5- MARTINS, Marco Antônio. Depen propõe que presos contaminados ou de grupos de risco sejam isolados em contêineres por causa do coronavírus. G1.globo, Não Paginado, 28-04-2020. Disponível em: Clique aqui.. Acesso em: 09 jul. 2020.
6- ARAS, Vladimir. As condenações do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Patricknilo.com, Não Paginado, 02-12-2019. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 09 jul. 2020.
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*Lina Martins Rezende é advogada e pesquisadora. Vice-presidente da Comissão de Direito Criminal da OAB, Subseção Rio Verde/GO e membra da ABRACRIM-GO.
*Danilo Marques Borges é advogado criminalista e professor universitário. Presidente da Comissão de Direito Criminal da OAB, Subseção Rio Verde/GO e Diretor Institucional da ABRACRIM-GO).
*Alessandro Gil é advogado criminalista, Presidente da Subseção OAB Rio Verde/GO e membro da ABRACRIM-GO.