Sabe-se que a criação dos juizados especiais trouxe grandes avanços para o direito de acesso à justiça. Contudo, apesar de suas inúmeras virtudes, muitas vezes o advogado que milita nesta seara esbarra nos limites recursais para rever decisões que, por vezes, confrontam-se com julgados de outras Cortes ou que contrariam a lei federal. Nosso foco, no presente texto, será o estudo da possibilidade de supedâneos recursais nos juizados especiais cíveis estaduais para além da modalidade prevista no art. 42 da lei 9.099.
Como se sabe, os recursos cabíveis no JEC Estadual são os seguintes: recurso inominado (art. 42, lei 9.099), embargos de declaração (art. 48, lei 9.099) e recurso extraordinário (súmula 640/STF1 c/c art. 102, III, Constituição).
No entanto, notam-se dois pontos que efetivamente distinguem a sistemática do Juizado Especial Cível Estadual do Código de Processo Civil: não há recurso próprio contra as decisões interlocutórias, sendo que as inconformidades contra elas deverão ser arguidas no recurso inominado, e não há previsão de sujeição das decisões do Juizado Especial Estadual Cível a controle externo, salvo casos específicos de violações à Constituição.
Assim, a principal distinção entre o acórdão de um tribunal de justiça estadual e de uma turma recursal é a impossibilidade de interposição de Recurso Especial, que esbarra na súmula 203/STJ, segundo a qual “não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais”.
Entretanto, nos embargos de declaração no RE 571572/BA decidiu-se que a discriminação dos pulsos telefônicos é questão infraconstitucional, cuja apreciação compete à justiça estadual, podendo ser julgada no juizado especial. Na decisão dos embargos de declaração, o embargante requereu também aplicação de jurisprudência do STJ. Assim, o Supremo entendeu que, por aquela Corte ter sido incumbida da uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional, e por ser inadmissível interposição de Recurso Especial contra decisões proferidas pelas Turmas Recursais, na ausência de órgão uniformizador, cabe ajuizar reclamação, prevista no art. 105, I, f da CF, perante o STJ. Então, nesse sentido, foi editada pelo STJ a resolução 12/09 que previa que a Reclamação só seria admissível quando a decisão reclamada divergir da jurisprudência pacífica da Corte ou tratar de decisões teratológicas.
Após um tempo, o STJ editou a resolução 3/16, revogando a 12/09, estabelecendo que caberá “às Câmaras Reunidas ou à Seção Especializada dos Tribunais de Justiça a competência para processar e julgar as Reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e do Distrito Federal e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada em incidente de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, em julgamento de recurso especial repetitivo e em enunciados das súmulas do STJ, bem como para garantir a observância de precedentes”.
Em síntese, a reclamação, apesar de não ser um recurso, é um instrumento constitucional existente para preservar a competência dos tribunais (inclusive do STF e do STJ) e garantir a autoridade de suas decisões.
Em consonância com a determinação da resolução 3/16 do STJ, a maioria dos tribunais de justiça estaduais preveem em seus respectivos regimentos internos a competência das Seções Especializadas para processamento e julgamento da reclamação. No Paraná, o art. 85, §2º, do Regimento do Tribunal, estipula que compete “às Seções Cíveis em Composição Isolada, independentemente de suas especializações, processar e julgar as reclamações destinadas a dirimir a divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”. A título exemplificativo, observa-se abaixo uma reclamação sobre acórdão de turma recursal julgada pelo TJPR recentemente.
A reclamação 0052008-69.2019.8.16.0000, julgada pela 4ª Seção Cível do TJPR, em 16/3/20, versa sobre acórdão da 1ª Turma Recursal, que condenou a empresa ré ao pagamento de indenização por danos morais, em razão de ter inscrito a autora no cadastro de inadimplentes sem prévia notificação. A reclamação considerou que o acórdão violou o decidido pelo Superior Tribunal de Justiça nos recursos especiais representativos de controvérsia 1.061.134/RS STJ, que previu que, “A ausência de prévia comunicação ao consumidor da inscrição do seu nome em cadastros de proteção ao crédito, prevista no art. 43, § 2º, do CDC, enseja o direito à compensação por danos morais, salvo quando preexista inscrição desabonadora regularmente realizada”. Por ter sido apurado no processo originário que havia inscrição anterior cuja regular notificação fora devidamente demonstrada, decidiu-se pela violação do precedente do STJ. Com isso, a reclamação foi julgada procedente para afastar a indenização por danos morais.
Portanto, apesar do leque de recursos previstos pela lei 9.099 ser reduzido, com o intuito de evitar meios protelatórios e privilegiar os princípios de celeridade, simplicidade, informalidade, economia processual e oralidade, não há falta de controle de suas decisões. De forma distinta do sistema da Justiça Comum, embora não caiba Recurso Especial no âmbito dos juizados especiais, é perfeitamente cabível a reclamação quando houver divergência entre o acórdão da turma recursal e a jurisprudência do STJ consolidada em Incidente de Assunção de Competência e de Resolução de Demandas Repetitivas, em julgamento de recurso especial repetitivo e em enunciado das súmulas do STJ.
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1 Súmula 640/STF. É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal.
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