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Importância do financiamento privado no agronegócio sob o prisma da nova Lei do Agro e da segurança jurídica

A nova Lei do Agro foi recebida pelo mercado como um moderno instituto do direito apto a atender aos anseios dos produtores rurais e dos financiadores e fomentadores do agronegócio, sendo imperioso que, na interpretação das suas regras, se preserve a finalidade a ela conferida pelo legislador.

20/7/2020

Com o intuito de dar ainda mais segurança jurídica aos credores e fortalecer as garantias oferecidas numa operação de crédito, a lei 13.986/20 – nova Lei do Agro – passou a permitir que o produtor rural submeta seu imóvel rural, ou parte dele, ao Regime de Afetação.

A instituição do regime de afetação objetiva a formação de um patrimônio autônomo, a partir de um conjunto de bens que não se misturam com o patrimônio geral do seu instituidor, ficando inteiramente destinado à realização de determinada finalidade de forma que apenas os credores relacionados à respectiva operação de financiamento podem se valer dos bens que o integram. No Direito brasileiro, a afetação patrimonial é comumente utilizada na atividade de incorporação imobiliária por meio da qual o terreno, as acessões e os demais bens e direitos vinculados ao empreendimento formam um patrimônio separado que não se comunica com os demais bens do incorporador, acarretando uma blindagem patrimonial que protege os adquirentes das unidades.

Todavia, o patrimônio em afetação instituído pela nova Lei do Agro distingue-se dessa figura, uma vez que é constituído por apenas um imóvel rural ou fração dele e, ainda, pelas suas acessões e benfeitorias, não podendo abranger outros ativos de titularidade do instituidor. Além disso, o escopo não se volta ao desenvolvimento de uma atividades mas se limita a servir de garantia a uma operação de crédito de forma que fique disponível para uma única finalidade que é a vinculação em garantia na Cédula Imobiliária Rural (CIR) ou na Cédula de Produto Rural (CPR).

Nesse sentido também, o texto da exposição de motivos interministerial EMI 00240/19, que precedeu e encaminhou a proposta de MP 897 de 1/10/19 convertida na nova Lei do Agro é claro ao discorrer que o patrimônio em afetação tem como objetivo reduzir custos operacionais e melhorar a qualidade das garantias oferecidas pelos produtores rurais, permitindo que submetam o seu imóvel rural ou fração dele ao referido regime, conferindo maior segurança ao concedente de crédito, vez que este passa a ter, em caso de inadimplência do devedor, autorização imediata e irretratável para se apropriar do patrimônio dado em garantia para posterior alienação.

O legislador vislumbrou nas medidas instituídas na novel lei o potencial de simplificar e ampliar o acesso a recursos financeiros por parte dos proprietários de imóveis rurais, podendo inclusive melhorar as condições de negociação nos financiamentos rurais com a constituição dessa garantia.

O procedimento previsto na nova Lei do Agro possibilita ainda ao devedor aumentar o aproveitamento econômico da propriedade rural sem o prévio desmembramento do imóvel, ao contrário do que acontece, por exemplo, com a alienação fiduciária ou a hipoteca em que as garantias recaem sobre a totalidade do imóvel não sendo possível que fração seja objeto de garantia real, sem que se proceda ao seu prévio desmembramento.

Além disso e não menos importante o legislador dispôs no inciso I do §4º, do art. 10 que, tal como os bens oferecidos em alienação fiduciária, o patrimônio em afetação instituído sobre o imóvel rural não se sujeita aos efeitos da decretação de falência e da recuperação judicial do proprietário de imóvel rural.

Essa disposição é importante e relevante, na medida em que está umbilicalmente ligada à razão de ser da própria lei em análise no sentido de incrementar os sistemas de financiamento privado do setor agrícola, criando um cenário seguro ao concedente do crédito.

O sistema de financiamento privado agrícola no país não é recente. Mesmo após a criação dos primeiros títulos de financiamento rural instituídos pelo decreto 167/67, as políticas públicas insistiam no modelo de grande intervenção governamental. Isso se mostrou completamente ineficaz no decorrer dos anos 1980 quando se iniciou de fato a reformulação da política agrícola com financiamento privado. Nessa toada foi instituída em 1994 a CPR (lei 8.929/94) que oferecia ao mercado de crédito agrícola um instrumento de financiamento da produção que fosse simples, eficaz, com baixo custo operacional e com sólidas garantias. Posteriormente, a lei 11.076/04, instituiu novos títulos de crédito agrícolas e hoje a nova Lei do Agro que contempla outras formas de garantia de crédito como é o caso do patrimônio em afetação. Até hoje a finalidade não mudou e se concentra em permitir às concedentes de crédito atuarem como facilitadores na captação de recursos pelo produtor rural.

O ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, destacou no julgamento do REsp 1.327.643/RS a importância do financiamento privado agrícola ao dispor que “a exploração da atividade econômica depende em grande medida do acesso regular ao crédito, viabilizado por mecanismos que assegurem o financiamento das atividades empresariais e pelo desenvolvimento de instrumentos negociais próprios para atendimento às peculiaridades de cada setor da economia”.

Partindo-se dessas premissas, não se pode negar a importância do financiamento privado para o desenvolvimento do agronegócio. Neste contexto, as disposições do art. 10, da lei 13.986/20, notadamente a exclusão do patrimônio em afetação dos efeitos decorrentes dos processos concursais de insolvência, configura medida que confere aos financiadores deste setor maior segurança jurídica nas operações envolvendo a concessão do crédito.

Ao conceder o crédito, sob a égide da nova Lei do Agro, o financiador ou fomentador da atividade desempenhada pelo produtor rural tem a legítima expectativa de que, em eventual cenário de inadimplemento, o patrimônio objeto da garantia a si outorgada sob o regime de afetação não se submeterá ao processo recuperacional ou de falência do devedor. É dessa premissa que parte o credor ao conceder o crédito. Solapar do credor esse direito no futuro implica surpresa, precursora da insegurança jurídica.

As relações jurídicas devem ser estáveis. O credor não pode ser surpreendido. Se, à época em que for negociado o crédito, o imóvel dado em garantia não puder ser incluído em eventual processo concursal de insolvência pela regra do art. 10, §4º, inciso I, da lei 13.986/20 a análise de risco do credor será diferente da que ele faria se assim não fosse e terá a legítima expectativa de fazer valer os seus direitos se houver inadimplemento.

Importante que o Poder Judiciário, ao analisar essas questões no futuro, mantenha o objetivo do legislador descrito na exposição de motivos que nos referimos acima no sentido de permitir de forma plena e nos termos da lei, que o patrimônio em afetação não se submeta aos efeitos da falência e da recuperação judicial, pois não é razoável que se imponha ao credor um cenário novo, de instabilidade econômica ou jurídica, em que se permita ao devedor que mude as regras durante o jogo e liquide a partida em benefício próprio, independentemente das consequências que daí advenham.

A nova Lei do Agro foi recebida pelo mercado como um moderno instituto do direito apto a atender aos anseios dos produtores rurais e dos financiadores e fomentadores do agronegócio, sendo imperioso que, na interpretação das suas regras, se preserve a finalidade a ela conferida pelo legislador, atendendo-se ao princípio da segurança jurídica, sob pena de se sepultar o imprescindível financiamento privado do setor.

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*Ellen Carolina da Silva é sócia do escritório Luchesi Advogados.

*Jose Roberto Camasmie Assad é advogado do escritório Luchesi Advogados.

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