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Possibilidade de substituição de depósitos judiciais por seguro garantia/carta de fiança bancária

O oferecimento de seguro garantia/fiança bancária em substituição ao depósito judicial demonstra boa-fé e reforça o princípio processual da cooperação, de forma que deveria ser prontamente reconhecida.

20/7/2020

Com o agravamento da atual situação econômica, especialmente pelo avanço da pandemia de covid-19, várias empresas tentaram levantar e/ou substituir depósitos judiciais realizados em demandas tributárias.

Em se tratando de ações de conhecimento (ações declaratórias, anulatórias e mandado de segurança), verificamos que recentes decisões do STJ1 indeferiram o levantamento/substituição dos depósitos judiciais. Entretanto, data venia, essas decisões partiram de premissas equivocadas, as quais precisam ser devidamente esclarecidas.

Levantamento de depósitos judiciais antes do trânsito em julgado. Necessidade de interpretação da lei 9.703/98 em harmonia com a EC 45/04

A lei 9.703/98, que condiciona o levantamento dos depósitos judiciais ao trânsito em julgado dos autos, é anterior à EC 45/04, que previu a figura da repercussão geral (art. 102, § 3º, da CF) e inseriu o princípio da celeridade processual no rol dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, LXXVIII, da CF).

Posteriormente, (I) com a regulamentação legal da figura da repercussão geral, (II) com a previsão dos recursos repetitivos no STJ e, mais recentemente, (III) com a consolidação da matéria no CPC/15 - o qual positivou um sistema de precedentes vinculantes (art. 927 do CPC/15) -, não há mais sentido em se aguardar o trânsito em julgado para se ter a “certeza” quanto ao êxito da tese do contribuinte.

Na verdade, especialmente quando já há o julgamento da tese de repercussão geral/recurso repetitivo em favor dos contribuintes, mas os processos na origem ainda não transitaram em julgado (após a aplicação do precedente), isso provavelmente ocorreu porque a Fazenda Pública abusou do seu direito de recorrer, desvirtuando o objetivo do legislador ao criar o sistema de precedentes vinculantes.

Portanto, é necessário fazer uma interpretação evolutiva para se reconhecer que a exigência do trânsito em julgado do processo é dispensada quando a matéria em debate já foi julgada pela sistemática da repercussão geral/recursos repetitivos, notadamente quando a Fazenda Pública lança mão de recursos protelatórios e infundados.

Ocorrendo a aplicação de uma tese firmada em sede de repercussão geral/recursos repetitivos, por exemplo, os valores depositados em juízo já não podem ser considerados “recursos públicos”. Se tais valores ainda não foram devolvidos, isso se dá pelo fato de que a Fazenda Pública desvirtua o sistema de precedentes e abusa do seu direito de recorrer. Sua torpeza não pode ser defendida com base na aplicação cega da literalidade da lei 9.703/98 – não, pelo menos, num Estado Democrático de Direito (art. 1º da CF).

Tutela provisória como modalidade de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, IV e V, do CTN)

Há ainda uma outra questão importante que merece ser destacada: o depósito judicial não é a única modalidade de suspensão da exigibilidade prevista no CTN. Nos termos do art. 151, IV e V, do CTN, a exigibilidade do crédito tributário também é suspensa pela (I) “concessão de medida liminar em mandado de segurança”; e (II) “a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial”.

Realizado o depósito judicial, portanto, nada impede que o contribuinte pleiteie a alteração da modalidade de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, caso presentes – evidentemente – os requisitos legais da tutela provisória.

O art. 294 do CPC dispôs que a tutela provisória poderá se fundar em urgência e/ou evidência. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e também o perigo de dano (art. 300 do CPC/15). A de evidência será concedida quando as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos (art. 311, II, do CPC/15). É também possível quando ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte (art. 311, I, do CPC/15).

Assim, tratando-se de matéria já julgada em sede de repercussão geral/recursos repetitivos, onde a evidência do direito já estaria reconhecida, sequer seria necessário demonstrar o perigo de dano, pois estaríamos diante de uma hipótese autorizadora da tutela provisória de evidência.

Logo, nessas situações, eventual oferecimento de seguro garantia/fiança bancária pelo contribuinte em substituição ao depósito judicial somente demonstraria a sua boa-fé e reforçaria o princípio processual da cooperação (art. 6º do CPC/15), de forma que a procedência do pedido de substituição deveria ser prontamente reconhecida.

Por fim, apenas para não restar dúvidas, cabe uma importante ponderação adicional a respeito de mais um erro que vem sendo cometido: não é requisito para a suspensão da exigibilidade, nos termos do art. 151, IV e V, do CTN, a “garantia do crédito tributário”, sendo inaplicável, portanto, a súmula 112 do STJ e o tema STJ 378.

Assim, por qualquer ângulo que se analise a situação, não há como fugir da necessária conclusão de que é sim possível substituir os depósitos judiciais pelo seguro garantia/carta de fiança, especialmente nos casos onde já há tese julgada em repercussão geral/recurso repetitivo.

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1 TP 2.693, TP em AREsp 1525342, PET em REsp 1.706.203, REsp 1.698.164, AREsp 1.475.786 e AREsp 1.525.342, dentre outros.

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*Rafael Augusto Pires Mangini é advogado tributário do Gaia Silva Gaede Advogados, em Curitiba.

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