1. Introdução
O direito da recuperação de empresas tem se mostrado como um instrumento importante para a reestruturação de dívida do empresário no Brasil. Assim, tendo em conta relevância do setor econômico agrícola para o País, há algum tempo tem se debatido a juridicidade da superação de crises financeiras do produtor rural por meio da recuperação judicial.
A lei 11.101/15 (LRF), em seu art. 52, dispõe que o magistrado, ao julgar o pedido de processamento da recuperação judicial, deve apenas realizar uma análise formal dos documentos arrolados no art. 51 da LRF. Porém, em diversas situações verifica-se a ocorrência de expediente que precede tal decisão, qual seja, a “perícia prévia”. Trata-se de construção teórica de Daniel Carnio Costa a partir de sua experiência à frente da 1° Vara de Falência e Recuperação Judicial de SP, na qual se nomeia profissional de confiança do juízo para averiguar as condições de funcionamento da empresa requerente, bem como a completude e a regularidade da documentação apresentada pela devedora requerente antes de deliberar-se pelo processamento do pedido recuperacional1.
A utilização de tal expediente divide a opinião dos operadores do Direito. Alice Braile, Beatriz Nunes Cloud, Alfredo Cabrini, Rafael Vasconcellos de Arruda e Gabriel José de Orleans e Bragança2 compilam os argumentos da corrente contrária à utilização da perícia preliminar nos seguintes termos: “(a) violação ao princípio da celeridade; (b) falta de previsão legal; (c) análise formal dos documentos discriminados no art. 51 da LRE; (d) urgência no despacho de processamento, sob pena de prejudicar os interesses do devedor e inviabilizar a sua reorganização, e (e) custo elevado”. Em sentido oposto e favorável à realização da perícia prévia, dentre outros3, Daniel Carnio Costa e Eliza Fazan sustentam ser a prática importante para analisar a efetiva existência da atividade sobre a qual se busca o soerguimento, bem como a veracidade da documentação exigida pelo art. 51 da LRF, buscando-se, assim, coibir qualquer uso irrestrito e indevido dos benesses legais advindos da recuperação judicial4.
Em linha com a corrente doutrinária favorável à utilização do expediente da “perícia previa”, em Outubro de 2019, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a recomendação 57,5 sugerindo a todos os magistrados do território nacional encarregados de apreciar pedidos de recuperação judicial a adoção da “perícia prévia”. Assim, não obstante a judiciosidade dos argumentos esposados de ambos os lados, cuja análise refoge do objetivo central deste breve ensaio, é fato notório que, a partir da citada Recomendação, a recorrência na utilização da “perícia previa” teve crescimento exponencial pelos tribunais do país.
Quase em paralelo, em Novembro de 2019, sobreveio o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) do REsp 1.800.032/MT (“Caso Pupim”), representando importante marco dos pedidos de recuperação judicial de produtores rurais. Decidiu o STJ que se submetem à recuperação judicial dívida contraída pelo produtor rural antes de seu registro como empresário. Também assentou o Tribunal da Cidadania que para o empreendedor rural, o registro, por ser facultativo, apenas o transfere do regime do Código Civil para o regime empresarial, sendo tal ato apto a retroagir (ex tunc), porquanto a condição regular de empresário já existia antes mesmo do registro. Assim, embora o STJ sobre o tema tenha afetado como recurso repetitivo o REsp 1.834.452/MT (“Caso Viana”)6, ainda pendente de apreciação, sua linha de orientação indicia tornar-se-á prescindível a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis pelo prazo superior a dois anos, cabendo ao requerente apenas demonstrar, por qualquer meio idôneo, o exercício de atividade rural empresarial anterior ao registro público em prazo superior a dois anos.
Neste contexto, a decisão judicial que defere o processamento do pedido de recuperação judicial de produtor rural ganha novo e importante ingrediente, qual seja, a análise do conteúdo da documentação acostada à petição inicial pelo requerente para comprovar o exercício da atividade rural de forma empresária no período anterior ao registro público. Logo, impende perquirir a adequação da realização da perícia prévia como medida de auxílio ao Juízo na análise do cumprimento dos requisitos legais do art. 48 da LRF, quando se está diante do pedido de recuperação judicial por um produtor rural.
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1 COSTA, Daniel Carnio e FAZAN, Eliza. Constatação Prévia em Processos de Recuperação Judicial de Empresas - O Modelo de Suficiência Recuperacional (MSR). Curitiba: Juruá, 2019.
2 BRAILE, Alice, CLOUD, Beatriz Nunes, CABRINI, Alfredo, ARRUDA, Rafael Vasconcellos de e ORLEANS E BRAGANÇA, Gabriel José de. Perícia Prévia: Os Limites do Despacho de Processamento da Recuperação Judicial. In: WAISBERG, Ivo; RIBEIRO, José Horário H. R. Direito Comercial, Falência e Recuperação de Empresas – Temas. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 123.
3 Nesse sentido, Renata M. M. Dezem e Joseane Isabel Becker sustentam que “a perícia prévia pode constituir ferramenta importante a evitar o uso abusivo da recuperação judicial, sobretudo para finalidade, o que, por certo, não constitui regra” (DEZEM, Renata M. M.; BECKER, Joseane Isabel. A Instauração do Processo de Recuperação Judicial e a Pertinência da Perícia Prévia: o Juízo de Insolvabilidade Exigido pela lei 11.101/05. In: WAISBERG, Ivo; RIBEIRO, José Horário H. R. Direito Comercial, Falência e Recuperação de Empresas – Temas. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 415).
4 COSTA, Daniel Carnio e FAZAN, Eliza. Constatação Prévia em Processos de Recuperação Judicial de Empresas - O Modelo de Suficiência Recuperacional (MSR). Curitiba: Juruá, 2019.
5 Disponível clicando aqui. Acessado em 04.06.20.
6 Trata-se de Recurso Especial afetado como recurso repetitivo para definição quanto à aplicabilidade do requisito legal de dois anos de constituição regular, para fins de deferimento de recuperação judicial requerida por empresário individual rural (produtor rural pessoa física), que exerce atividade empresarial há mais de dois anos, porém inscrito há menos de dois anos na junta comercial.
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