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Fake news podem ser contidas pela aplicação de lei?

Uso da tecnologia em favor da sociedade é imprescindível para combater notícias falsas. A capacidade do Poder Judiciário absorver toda essa demanda advinda da indústria das fake news é colocada em xeque pela forma cada vez mais rápida e ampla de divulgação destas. Por muitas vezes, causam danos imediatos, o que torna a reparação ineficaz, especialmente após anos de demorados processos judiciais.

10/7/2020

A inserção definitiva do homem na Sociedade da Informação e a chegada da Quarta Revolução Industrial trouxe uma série de benefícios à sociedade, com os quais ainda estamos aprendendo a lidar. A “Internet das Coisas”, a inteligência artificial, o Big Data, a utilização em grande escala de aparelhos como os smartphones. Entretanto, essa nova era também traz as consequências negativas de todos esses avanços e, entre elas, nenhuma está tão disseminada como o fenômeno das fake news.

Não se deve, no entanto, culpar as novas tecnologias pela propagação em massa de notícias falsas, já que esse fenômeno existe desde antes da invenção da prensa móvel por Gutenberg no século 15.

Historicamente, o debate democrático de fatos e notícias sempre se deu na esfera pública – nos cafés e nas praças, através de panfletos, jornais, rádio ou TV – tendo sempre como premissa a liberdade de expressão do pensamento.

Já no século 21, as mídias sociais e os aplicativos de mensagens criaram novas esferas públicas, mas em ambientes virtuais. As pessoas passaram a formar comunidades com base em interesses comuns, com premissas particulares e um conjunto próprio de fatos aos quais optaram por acreditar. Em essência, a sociedade se dividiu em tribos e cada uma delas vive em uma realidade própria.

Devido à dificuldade do Estado em combater de maneira eficaz essas notícias falsas, a chamada autorregulação regulada se mostra a fórmula mais adequada. Ela não deixaria de ter participação estatal, porém contaria com a participação de agentes privados que também passariam a ter uma atuação regulamentada, como, por exemplo, os provedores de conexão e de aplicação.

Este método é caracterizado pela intervenção dos entes privados no processo de regulação subordinada ao interesse público. O Estado, titular do direito de regulação, recorre ao agente privado para suprir a falta de capacidade técnica em lidar com tecnologias de ponta e, também, não engessa o direito, posto que permaneça flexível às inovações tecnológicas.

Neste sentido, Georges Abboud, em artigo intitulado A autorregulação regulada como modelo do Direito proceduralizado afirma: “A inovação de um modelo de regulação para o âmbito dinâmico das redes sociais deve necessariamente incorporar elementos de auto-organização do setor privado e, ao mesmo tempo, não abrir mão completamente da implementação ou estruturação de interesses públicos mesmo que por via indireta”.

A discussão em torno das fake news se intensificou com a tramitação no Congresso Nacional do projeto de lei contra as Fake News (PL 2.630/20) e o julgamento pelo STF pela validade do inquérito em que se apura “a existência de notícias fraudulentas, denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi, difamandi ou injuriandi, direcionadas ao Supremo Tribunal Federal”.

A capacidade do Poder Judiciário absorver toda essa demanda advinda da indústria das fake news é colocada em xeque pela forma cada vez mais rápida e ampla de divulgação destas. Por muitas vezes, causam danos imediatos, o que torna a reparação ineficaz, especialmente após anos de demorados processos judiciais.

O Marco Civil da Internet, lei 12.965/14 que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, estabelece como competência exclusiva do Judiciário avaliar de forma discricionária se determinado conteúdo é lícito, ilícito, ofensivo ou expressão livre do pensamento. Segundo a lei, provedores de aplicações somente serão responsabilizados por ilícitos praticados por terceiros em caso de descumprimento de ordem judicial para remoção do conteúdo. A exceção fica para os casos de nudez ou “revenge porn”, em que para remoção basta a denúncia do conteúdo pelo usuário na plataforma de divulgação.

Por outro lado, no regime de autorregulação, que não exclui a competência do Judiciário, os provedores de conexões e de aplicações, como agentes privados, têm mais conhecimento do funcionamento e forma de manipulação de notícias falsas. Podem, portanto, estabelecer, de forma mais ágil e eficiente, normas de conduta e procedimentos de detecção, prevenção e tipificação de conteúdos ofensivos.

A exemplo da compliance como instrumento de autorregulação empresarial, a ideia de contenção das fake news pauta-se pela mudança comportamental e através do uso responsável dos meios digitais. Muito embora o Poder Legislativo deva contribuir, ele não se mostra totalmente efetivo considerando a disparidade de armas entre a estanqueidade da lei contra o dinamismo dos dados que trafegam pela internet.

O uso da tecnologia é imprescindível para que o Estado possa dar à sociedade uma resposta mais efetiva no combate da indústria das fake news através do uso de inteligência artificial, algoritmos e códigos. O objetivo é identificá-las e verificar suas fontes, em conjunto com os provedores de aplicação e conexão, por exemplo, de modo a fortalecerem suas políticas de privacidade e termos de uso e aprimorar os canais de denúncia de conteúdo ofensivo e sua rastreabilidade.

Diante da complexidade das relações humanas com a proliferação de aplicativos de relacionamentos pessoal e profissional, o Estado não pode endurecer e editar leis sem olhar na perspectiva adequada da realidade do mundo digital.

Já contamos com leis civis e penais, em especial os crimes contra a honra, previstos nos artigos 138 a 154 do Código Penal e a responsabilização pelos danos civis causados.

É inadequada a aprovação de leis de forma superficial, que apenas enxugam o chão enquanto a torneira permanece vazando. O enfrentamento das fake news é de extrema importância, uma vez que a fabricação de notícias falsas a respeito de determinados agentes políticos é maliciosamente direcionada ao eleitorado. Por fim, elas comprometem o próprio Estado Democrático de Direito.

A educação digital assume papel de relevância dentro da sociedade ao considerarmos que a geração dos anos 1990 já nasceu em torno da tecnologia, enquanto seus pais foram absorvidos de forma empírica. Considera-se ainda a mudança de paradigma através da crença em um “novo normal”, onde o indivíduo não necessariamente reage de forma negativa a conteúdos falsos e jocosos, sendo que a tolerância a tais conteúdos deve ser equalizada para não tolher a liberdade de expressão.

Portanto, aliado ao uso da tecnologia, necessitamos de políticas públicas na implementação da educação digital em todos os níveis da sociedade para o adequado uso da internet. E também de parcerias entre Estado e provedores de aplicação para criar mecanismos de certificação da validade de conteúdos de forma a aumentar o senso crítico dos usuários. O Poder Judiciário aparece como último recurso para que se entenda a relevância do assunto e ter consciência das implicações legais sob pena de esvaziar qualquer movimento legislativo.

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*Rodrigo Toler é advogado especialista em Direito Bancário e Processo Civil. Atua na área de contencioso civil e estratégico do escritório Reis Advogados. Associado ao Centro de Estudos Avançados de Processo – CEAPRO. É pós-graduando em Advocacia no Direito Digital e Proteção de Dados.

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