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Requisitos que as empresas devem cumprir para contratar transportador autônomo de cargas

Declaração da constitucionalidade da lei 11.442/07 não extingue riscos relacionados a configuração de vínculo empregatício entre empregador e TAC

9/7/2020

No último dia 14 de abril, o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) 48, proposta pela Confederação Nacional de Transportes. O Tribunal declarou a constitucionalidade da lei 11.442/07 que regulamenta a atividade de transporte rodoviário de cargas, tendo como fundamento a inexistência de vedação pela Constituição Federal de terceirização de atividade meio ou fim, bem como o artigo 1° da mencionada lei ser expresso quanto à natureza comercial das relações entre o motorista e o seu contratante.

Diante desse cenário, muitas empresas de transporte acabam por optar pela contratação de Transportadores Autônomos de Cargas (TAC) como prestador de serviços. Isso acontece com o a intenção de atender o crescimento da demanda ao mesmo tempo em que se reduz a frota própria, com a possibilidade de ampliar o faturamento e diminuir custos.

O aumento da demanda tem sido impulsionado principalmente pelas empresas de e-commerce, que dependem quase exclusivamente de transportadores autônomos. Mas esse tipo de contratação não se limita aos novos serviços on-line. É cada vez mais uma opção também aos comércios físicos. As empresas, ao recorrerem a esse serviço, devem se atentar ao gerenciamento dos contratos para que não seja configurado vínculo empregatício.

TAC independente ou agregado

Para que não haja risco na contratação de Transportador Autônomo de Cargas é preciso se adequar ao que está previsto nas leis 11.442/07 e 13.103/15, bem como entender a diferenciação entre TAC independente e TAC agregado em relação ao empregado celetista.

Pois bem, o TAC independente é o motorista autônomo propriamente dito, dono do seu negócio, proprietário do veículo e responsável por suas finanças. Sendo assim, é ele quem define sua rotina de trabalho, as rotas que faz e em quais condições está disposto a trabalhar, sendo sua remuneração feita através do frete contratado. No teor que dispõe o § 2º, do artigo 4º da lei 11.442/07, é aquele que presta os serviços de transporte de carga de que trata esta Lei em caráter eventual e sem exclusividade, mediante frete ajustado a cada viagem.

O TAC agregado também é proprietário e responsável pela manutenção do veículo, assim como o independente. Todavia, é fidelizado a uma empresa de transportes. Nessa mesma linha dispõe o §1º do artigo 4º que o agregado é aquele que coloca veículo de sua propriedade ou de sua posse, a ser dirigido por ele próprio ou por preposto seu, a serviço do contratante, com exclusividade, mediante remuneração certa.

Dessa forma, mesmo que ele trabalhe com exclusividade temporária, o TAC agregado não é um empregado direto, podendo realizar serviços para outras empresas, desde que respeitado o acordo com aquela à qual se fidelizou.

Ainda que a lei assegure que o contrato celebrado pelo TAC seja de natureza comercial, não ensejando a caracterização do vínculo empregatício, o fato é que há grande número de ações pleiteando o reconhecimento do vínculo com base no princípio da primazia da realidade, vejamos:

TRANSPORTADOR AUTÔNOMO DE CARGAS. DESCA­RACTERIZAÇÃO. MATÉRIA FÁTICA. Tendo o Regional, com base na prova, concluído que o autor prestou serviços mediante contrato de transporte de cargas, em caminhão de sua propriedade, sem pessoalidade, arcando com as despesas do veículo e recebendo contraprestação superior àquela percebida pelos motoristas empregados, mister o reconhecimento da regularidade do contrato firmado, não havendo que se falar em vínculo empregatício. Chegar-se a conclusão de que houve relação de emprego demandaria o reexame da prova. Pertinência da Súmula nº 126. Agravo de instrumento não provido.

(TST-AIRR-177300-78.2009.5.18.0010, rel. min. Milton de Moura França, j. 14.09.2011, 4ª turma, public. DEJT 23.09.11)

É importante ressaltar, todavia, que, ainda que a lei atribua natureza comercial ao contrato firmado entre o transportador autônomo e a empresa de transporte, é possível que, no caso concreto, constate-se a existência dos requisitos da relação de emprego previstos no art. 3º da CLT, conforme se verifica:

VÍNCULO DE EMPREGO. ÔNUS DA PROVA. Ao admitir a prestação de serviços, porém refutando a relação de emprego, a reclamada atraiu para si o ônus de provar a inexistência do vínculo empregatício. Contudo dele não se desincumbiu já que nenhuma prova produziu a corroborar suas alegações. Recurso do reclamante a que se dá provimento, no ponto.

(TRT 2ª Região- RO – 0001820-79.2012.5.02.0090 – rel. Ricardo Artur Costa e Trigueiros – 4ª turma – Publicado DJ 25.10.13 – acórdão 20131125677).

Tendo isso em vista, as empresas precisam observar as condições impostas na lei e na própria CLT, tendo como exigência primária que o interessado efetue prévia de inscrição no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTR-C) da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), além do cumprimento dos requisitos previstos nos §§ 1º e 2º do artigo 2º da lei 11.442/07.

Destacam-se aqui os pontos que as empresas devem ter como base para mitigar o risco de eventual vínculo empregatício:

Ainda com base no §2º do artigo 2º da lei 11.442/07, deve-se observar que a Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas deverá ter sede no Brasil; comprovar ser proprietária ou arrendatária de, pelo menos, 1 (um) veículo automotor de carga, registrado no País; indicar e promover a substituição do Responsável Técnico, que deverá ter, pelo menos, 3 (três) anos de atividade ou ter sido aprovado em curso específico e demonstrar capacidade financeira para o exercício da atividade e idoneidade de seus sócios e de seu responsável técnico.

Feita essa análise e decidida a contratação do TAC, a empresa de transportes deverá observar rigorosamente os requisitos da lei 11.442/07, tanto na formalização quanto na execução dos serviços, não podendo haver qualquer subordinação jurídica ou hierárquica.

Sob o ponto de vista fático, não pode haver circunstâncias que desvirtuem a prestação de serviços, devendo a empresa ter um procedimento preventivo de modo a consultar mensalmente se os prestadores recolhem INSS e FGTS. E quando o autônomo for dono do veículo, a empresa deve evitar pagar suas despesas de manutenção, combustíveis, óleo etc.

Em hipótese alguma a empresa deverá ter o prestador de serviços com pessoalidade, habitualidade e dependência, evitando a exigência de horário, obrigação de retorno para prestar conta das entregas, cumprimento de rota pré-determinada, a sua remuneração deverá ser variável e de acordo com o frete realizado, nem poderá aplicar advertências para os independentes, devendo ter em mente que o mesmo poderá deixar de aceitar o frete que a empresa está oferecendo. 

Como se vê, as empresas que atuarem de uma forma preventiva no gerencialmente de seus contratos terão o risco do reconhecimento do vínculo mitigado, cabendo a cada empregador fazer o seu controle, bem como ter um corpo jurídico e de recursos humanos capaz de prestar o devido subsídio em especial na elaboração do contrato específico para prestação ser serviços de motoristas como TAC.

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*Simone Varanelli Lopes Marino é expert em Direito do Trabalho e pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho. Gestora da área de Direito Trabalhista do Morais Andrade Leandrin Molina Advogados.






*Rui José Leite Santana Marcondes
é pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado da área de Direito Trabalhista do Morais Andrade Leandrin Molina Advogados.

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