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Ética empresarial em tempos de pandemia: Medidas de integridade no ambiente corporativo

Apresentamos pontos de atenção e medidas práticas, tanto em termos de ética quanto de integridade, que merecem ser observadas no ambiente corporativo, durante este período crítico em que vivemos.

6/7/2020

A crise gerada pela pandemia do novo coronavírus tem afetado duramente a economia mundial, de forma que não podemos estimar quando retornaremos a uma situação de normalidade, se é que podemos antever, hoje, como será o “novo normal” (termo já reiterado em diversas mídias). No cenário brasileiro, a taxa de ocupação passou de 11,2% para 12,6% no trimestre terminado em abril, atingindo 12,8 milhões de desempregados e 898 mil pessoas a mais à procura de trabalho1. Além disso, segundo estimativas da OCDE, o PIB do Brasil tem queda projetada de 7,4% em 2020, podendo atingir 9,1% em caso de uma 2ª onda de infecção da covid-192. Embora alguns já previam que uma pandemia desta dimensão seria possível de ocorrer, fato é que para o Brasil a crise foi sentida gravemente, pois estávamos justamente no início do ano, com expectativas de retomada da economia e certo otimismo.

No decorrer deste período dramático para as corporações, de um lado temos gestores em um cenário econômico instável e incerto que exige uma tomada rápida de decisão, sem que de fato se conheça quais são os impactos que este ou aquele posicionamento trará para seu negócio. De outro lado, temos funcionários que temem não somente pela sua saúde e segurança, mas também pela manutenção de seus empregos dada a conjuntura desfavorável do mercado.

Neste caos corporativo, gestores e funcionários são diariamente tentados a negligenciar diversos princípios éticos sob o pretexto da preservação das empresas e, consequentemente, dos empregos. Contudo, fato é que as decisões tomadas durante este período crítico impactarão, de modo positivo ou negativo, na forma em que determinada organização estará num cenário pós-pandemia.

É clássica a lição de Milton Friedman, que nos anos 1970 dizia que a função social da empresa é “gerar lucros”. Daí em diante, as discussões éticas e sociais nas organizações aumentaram exponencialmente nas searas acadêmicas e corporativas, assim como houve o crescimento de expectativas da sociedade em relação à ética dos negócios, tanto que nas últimas décadas os negócios vêm sendo cada vez mais avaliados não só por sua performance financeira como também por suas contribuições sociais. Isto é, ainda que, de fato, sem lucros a empresa não poderá se sustentar no longo prazo, tem sido cada vez mais bradada a questão de uma governança corporativa que procure atentar para interesses de stakeholders como comunidade, meio-ambiente, colaboradores, terceiros etc.

Nos dias atuais, conforme definição dada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), a governança corporativa “é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas3, ou seja, reforçando a ideia de que as organizações devem assumir uma postura socialmente responsável, não se restringindo somente à geração de lucros, mas também agregando valor à sociedade, facilitando acesso ao capital e contribuindo para sua perenidade. A própria lei 6.404/76 nos diz, em seu artigo 116, parágrafo único, que: “a função de uma empresa, além de garantir o lucro e a manutenção do seu capital, se reproduz também por uma responsabilidade comunitária, a qual deve ser norteada pela ética empresarial”.

Ao longo deste período de isolamento social, verifica-se que diversas empresas manifestaram atitudes positivas em relação à ética empresarial, dentre as quais se destaca a importação de testes rápidos para detecção do novo coronavírus, produção e distribuição de álcool em gel para entidades sanitárias, passagens gratuitas para profissionais da saúde etc.4 Entretanto, além de medidas voltadas para o público externo, as corporações que prezam pela integridade em suas operações devem se preocupar com algumas questões internas consideravelmente relevantes, especialmente voltadas ao combate de não conformidades em seus negócios.

Segundo o Triângulo de Fraudes de Cressey5, existem três dimensões que propiciam a prática de atos fraudulentos, tais quais: (a) pressão, (b) oportunidade e (c) racionalização. Períodos de crises tendem a aumentar os riscos de fraude nas companhias, pois aumentam-se as pressões financeiras e por resultados, de maneira que, com a eventual suavização de certos controles internos, unida à flexibilização de mecanismos legais (vide medidas provisórias de 926/20[6] e 961/207), há profissionais oportunistas que encontram a oportunidade (com o perdão do pleonasmo) para a prática de atos ilegais, antiéticos ou em desconformidade com as regras da organização. Sob a alegação de que poderão perder seus empregos, encontram justificativas para racionalizar suas ações.

Pois bem. A fim de mitigar tais riscos, destacam-se em seguida alguns pontos de atenção e medidas práticas que visam a auxiliar a empresa durante este período crítico e com tantas facilidades.

Inicialmente, cumpre salientar a aplicação da expressão atemporal conhecida pelos estudiosos do Compliance como Tone At The Top, isto é, o exemplo vem de cima. Para que os funcionários possam aderir às práticas de integridade, a liderança deve se portar de modo a propagar os valores éticos da organização. Esta propagação, inclusive, pode ser realizada por meio de treinamentos online, comunicados que reiteram os princípios da companhia, bem como conversas remotas com sua equipe sobre a importância do tema.

Ainda, ressalta-se que este período é de total atenção aos terceiros que estão autorizados a representar a empresa em atos externos, principalmente perante a Administração Pública. Considerando o afrouxamento de medidas de controle, fato é que os prepostos estão constantemente vulneráveis à adoção de possíveis condutas que ferem os princípios éticos empresariais. Nestes casos, a manutenção dos processos de contratação e revisão das atividades destes representantes, na medida do possível, é extremamente válida, incluindo, mas não se limitando, a Due Diligence e o Background Check, a fim de identificar a existência eventuais inconsistências nestes terceiros.

Por fim, destacam-se eventuais riscos de Compliance do trabalho via home office, o qual vem sendo frequentemente adotado pelas empresas neste período de quarentena. A informalidade inerente a esta modalidade – a qual, inclusive, inegavelmente possui seus benefícios – pode, inconscientemente, prejudicar a manutenção de histórico e a integridade dos atos praticados. Desta feita, ressalta-se a importância de se formalizar e registrar as decisões tomadas, a fim de mitigar os riscos mencionados ou até mesmo servir como prova em hipótese de questionamentos eventualmente existentes no futuro.

Do apanhado geral, os profissionais que atuam em prol de uma organização que preze por boas práticas de governança corporativa, Compliance e ética empresarial devem agir como parceiros de negócios e, neste momento, devem auxiliar na proteção da empresa e conscientização de seus valores, considerando que os atos realizados durante este período, ainda que temporário, estabelecerão a construção para um novo cenário empresarial pós-pandemia. Citando Guth & Marsh, “o comportamento ético constrói caráter e reputação; já o comportamento antiético os destrói”8. A máxima final é, em frase atribuída a Immanuel Kant: “[t]udo o que não puder contar como fez, não faça!”

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1 Fonte: Clique aqui.

2 Fonte: Clique aqui.

3 Fonte: Clique aqui.

4 Fonte: Clique aqui.

5 CRESSEY, D. R. Other People’s Money: A study in the social psychology of embezzlement. Glencoe, IL: The free press, 1953.

6 Disciplina a flexibilização substancial das regras para aquisições destinadas ao enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do COVID-19.

7 Trata da autorização de pagamentos antecipados nas licitações, além de adequar os limites da dispensa das licitações enquanto perdurar o estado de calamidade previsto pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.

8 GUTH; MARSH, 2003, p. 168. GUTH, David W.; MARSH, Charles. Public relations: a values-driven approach. Boston: Allyn and Bacon, 2003.

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*Rodrigo Vinícius Dufloth é graduado pela USP. Mestre em Direito Comercial. Especialista em Direito & Economia. Diretor da Associação Brasileira de Direito & Administração (ABD&A). Membro da Associação Brasileira de Direito & Economia (ABDE) e da International Association of Privacy Professionals (IAPP). Sócio de CMT - Carvalho, Machado e Timm Advogados.

*Thiago Henrique Bueno Vaz é graduado pela PUC-Campinas. Advogado Corporativo na Hyundai Mobis. Membro efetivo da Comissão de Estudos em Compliance da OAB/SP - 3ª Subseção de Campinas.

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