Migalhas de Peso

O Brasil Plagiado

Muito raramente dois seres humanos chegam à mesma exata forma de expressão, por meio de sua obra, de maneira completamente igual, seja na escrita, na pintura, na música, ou em outras formas de criação.

6/7/2020

Nas últimas semanas, ganharam os holofotes nacionais duas notícias relacionadas à prática de plágio. Primeiro, o ex-juiz da Lava Jato e ex-Ministro da Justiça, Sérgio Moro, foi acusado de cometer o ilícito, junto com uma aluna, em artigo sobre corrupção, lavagem de dinheiro e crime organizado por meio de pagamento de honorários advocatícios. Logo em seguida, o recém nomeado e já ex-Ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, também foi acusado de ter cometido plágio em sua tese de mestrado (além de turbinar seu CV com títulos de Doutorado e Pós-Doutorado incompletos/inexistentes).

No caso do Moro, ele atribuiu a culpa à sua ex-aluna que assumiu o “erro metodológico”, conforme suas palavras, informando que “a redação foi toda da orientanda”, enquanto Decotelli negou, atabalhoadamente, a acusação, afirmando que pode ter acontecido “distração” e que plágio é quando tem “control c control v”. Na verdade, as desculpas dos dois foram muito aquém do esperado de figuras públicas, que devem guiar por exemplo.

O plágio, que é um ilícito tanto civil como penal, acompanha a humanidade desde que começamos a utilizar nosso intelecto, expressando ideias e dando vazão, ao que chamamos de arte. Numa visão hegeliana, essa arte seria a expressão de nossa personalidade e o reflexo de talentos, sentimentos e experiências (Ludmer E. – The Protective Evil, - existe coisa mais tola do que autoplágio?).

No ordenamento brasileiro, as “obras” (termo mais utilizado pelos nossos legisladores para definir o resultado desse trabalho intelectual) que merecem proteção seriam “as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro” (art. 7º, lei 9.610/98). Existem mecanismos para assegurar a prova da paternidade de uma obra: registro nos órgãos competentes como a Biblioteca Nacional, publicações em sites e revistas especializadas e na internet, entre outros.

O chamado threshold de originalidade dessas obras no direito autoral é muito baixo. Se desenhei, escrevi ou compus algo que não existia antes, sem copiar ninguém, então a obra será muito provavelmente considerada original e, assim, protegida por direitos autorais.

Com a internet, a globalização e o advento de ferramentas como o Google translator, houve um aumento substancial de plágios em todo mundo. Muitas vezes, traduções de obras literárias desenvolvidas em outros países são importadas como “originais” e, diga-se, mal traduzidas pelo Google translator, sem que o verdadeiro autor tenha qualquer noção do acontecimento.

A proliferação de universidades, tanto públicas como privadas, também fomentou terreno fértil para o plágio em monografias, teses de mestrado e de doutorado, mormente versando sobre temas inúteis. Destaca-se o aumento exponencial do ilícito com a pandemia e a transposição do ensino para um ambiente 100% virtual, onde o ungido law enforcement professor/xerife não mais assusta nossos nem sempre tão brilhantes e honestos acadêmicos.

Blogs e páginas especializadas surgem (e desaparecem) diariamente com especialistas (e outros nem tanto) vorazes por conteúdos interessantes que precisam ser divulgados às pressas e sem as devidas cautelas, sob pena de perder a importância. Entre os “doutores”, o advento do Processo Eletrônico potencializa a máxima juris lavoisience “No Direito nada se cria, tudo se copia” (o STJ já foi instado para decidir sobre esta questão e, em princípio, as petições não estariam protegidas).

A arte, a ciência e o processo de criação que as deu origem não vêm do nada, mas são exteriorizações e expressões moldadas pelo nosso subconsciente, expressando e refletindo sentimentos e experiências acumulados pelo que vimos, escutamos e lemos. Assim, até admite-se a indagação: como não plagiar em um mundo de quase 8 bilhões de pessoas que têm um modus vivendi similar e que bebem, muitas vezes, dos mesmos conteúdos e experiências oriundas das mesmas plataformas, meios de comunicação, influenciadores e ídolos?

Todavia, a prática não deixa espaço para dúvidas: muito raramente dois seres humanos chegam à mesma exata forma de expressão, por meio de sua obra, de maneira completamente igual, seja na escrita, na pintura, na música, ou em outras formas de criação.

As duas técnicas mais seguras para evitar o plágio seriam: (i) criar sem olhar para as obras de terceiros; (ii) fazer referência a tudo e todos que o autor viu/ouviu/leu, quando do processo de criação. No primeiro caso, dependendo do nível de criatividade e conhecimento do autor, pode gerar uma obra vazia de conteúdo, ainda que provavelmente protegida por direitos autorais. No segundo, o conteúdo possivelmente sairá mais rico, porém, provavelmente mais pesado, com todas aquelas bibliografias. Não tem mistério, bebeu de outra fonte, melhor referenciar.

Vale ressaltar que a paráfrase e a paródia são livres, desde que realizadas de forma correta e nos limites da lei. O autor pode também fazer uso de diversas ferramentas como softwares e websites que auxiliam na tentativa de identificar eventuais plágios. Seria importante a disseminação desses softwares nas escolas e universidades para disseminar a cultura anti-plágio. Do ponto de vista processual, o uso dos mesmos, assim como o reconhecimento do ilícito, poderia ser considerado uma circunstância atenuante e, quiçá, excludente de culpabilidade.

Melhor ser mais vazio e/ou chato do que ser acusado de plágio! Favor não copiar sem referenciar.

_________

*Eduardo Ludmer é sócio do Ludmer Law, advogado no Brasil e em Israel. Mestre em Direito da Propriedade Intelectual e das Novas Tecnologias pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Autor da Obra Prática Contratual – Revista dos Tribunais.

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