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As medidas de urgência no processo arbitral

O fator tempo é inerente ao conceito de processo. De nada adianta prestar a tutela jurisdicional se ela for intempestiva, ou seja, se não resolver o conflito com justiça e em tempo razoável. Nesse contexto, aplicam-se as tutelas cautelares e antecipatórias. Ambas partem da noção de que, em certos casos, esperar todo o desenrolar do processo para proferir uma determinada decisão seria consolidar uma injustiça.

30/11/2006


As medidas de urgência no processo arbitral

Rafael Wallbach Schwind*

Introdução

1. O fator tempo é inerente ao conceito de processo. De nada adianta prestar a tutela jurisdicional se ela for intempestiva, ou seja, se não resolver o conflito com justiça e em tempo razoável.

Nesse contexto, aplicam-se as tutelas cautelares e antecipatórias. Ambas partem da noção de que, em certos casos, esperar todo o desenrolar do processo para proferir uma determinada decisão seria consolidar uma injustiça. Assim, com base na verossimilhança das alegações da parte e na urgência verificada no caso, o juiz pode proferir decisões destinadas a acautelar o resultado útil do processo ou antecipar efeitos da pretensão buscada ao final. Desse modo, garante-se a eficácia do provimento final e reparte-se entre as partes o ônus do tempo do processo.

<_st13a_metricconverter w:st="on" productid="2. A">2. A arbitragem foi idealizada para ser uma alternativa mais célere e eficaz de resolução de conflitos. A experiência concreta demonstra que esse objetivo vem sendo atingido como regra geral. Mesmo assim, em determinados casos, não é possível esperar a decisão final dos árbitros. É necessário que eles profiram decisões destinadas a garantir o resultado útil da arbitragem ou antecipar efeitos da decisão buscada pelas partes.


Surge, assim, a problemática relacionada à concessão de medidas de urgência na arbitragem.

3. O presente texto procurará analisar os principais aspectos relacionados ao tema. Faz-se esse exame mediante duas perspectivas: as tutelas de urgência prestadas no curso do processo arbitral (incidentais) e aquelas prestadas anteriormente ao início da arbitragem acordada entre as partes (preparatórias).

As medidas de urgência no curso da arbitragem

4. O parágrafo 4º do artigo 22 da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96 - clique aqui) estabelece que, “havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa”.

Uma interpretação literal desse dispositivo passa a impressão de que os árbitros não poderiam conceder determinada medida de urgência, mas apenas solicitá-las ao Judiciário, o qual seria, então, competente para analisar o pedido formulado pela parte.


Não é essa, contudo, a melhor interpretação. Como se sabe, a decisão das partes de submeter um conflito à arbitragem impede que o Judiciário ingresse no mérito da controvérsia. O controle pelo Judiciário fica limitado ás hipóteses previstas no artigo 32 da Lei 9.307/96.

Desse modo, não seria lógico afirmar que uma tutela urgente, que envolve perigo de dano irreparável, devesse passar pelo crivo do Judiciário, o qual não pode ingressar no mérito do litígio. Por isso, Carlos Alberto Carmona defende que “Se apenas o árbitro está autorizado a proferir o provimento final, toca também a ele – e apenas a ele – decidir se antecipará ou não algum, alguns ou todos os efeitos que sua decisão irá produzir!”1

Portanto, no curso da arbitragem, o tribunal arbitral é o competente para analisar e, se for o caso, conceder as medidas de urgência pleiteadas pelas partes.

5. O dispositivo acima mencionado se refere apenas a “medidas coercitivas e cautelares”. Não trata dos provimentos antecipatórios. Parece-nos, entretanto, que o mesmo raciocínio deva ser aplicado às tutelas de urgência de modo amplo, o que engloba também a tutela antecipatória.

Desse modo, os árbitros são os competentes para a análise dos pedidos de antecipação de tutela, da mesma forma que o são para os pedidos de concessão de uma tutela cautelar. E, nos dois casos, como regra, a decisão é irrecorrível, por aplicação do artigo 18 da Lei 9.307/96.

6. Note-se que a possibilidade de serem concedidas medidas de urgência pelos árbitros não precisa estar prevista na convenção de arbitragem nem no regulamento de eventual Câmara de Arbitragem escolhida pelas partes. O poder de conceder medidas de urgência é decorrência direta da circunstância de que todo o litígio deve ser submetido aos árbitros.

É até mesmo um dever dos árbitros atuar no sentido de garantir o resultado útil do processo. Assim, os regulamentos de diversas Câmaras de Arbitragem prevêem expressamente a possibilidade de o tribunal arbitral conceder provimentos de urgência (como é o caso dos artigos 10.10 e 10.11 do Regulamento da Câmara de Arbitragem das Indústrias do Paraná – CAIEP. Desse modo, se as partes optaram pela arbitragem institucional de um órgão cujo regulamento prevê tais poderes, não poderão alegar que a decisão seria ilegítima pelo simples fato de ter concedido um provimento de urgência.

7. Surge um problema quando o provimento de urgência concedido pelo tribunal arbitral não é cumprido espontaneamente. Nesse caso, o tribunal arbitral deverá solicitar ao órgão do Judiciário que seria competente para julgar a causa que imponha as medidas necessárias à efetivação da determinação do juízo arbitral – ressalvada a possibilidade de que a própria parte interessada peça ao Judiciário o cumprimento da decisão.


Isso deriva da estruturação do direito brasileiro no qual se reconhece que o árbitro tem o poder de apreciar pedidos de concessão de medidas urgentes (cognitio), mas não pode impor atos de força, de coerção (imperium), que constituem monopólio do juiz estatal2.

Não existe nenhuma regulamentação específica a respeito dessa cooperação entre os árbitros e o juiz togado. Desse modo, o melhor entendimento é o de que o árbitro deve expedir um ofício ao juiz competente, acompanhado de cópia da convenção da arbitragem, e com as formalidades previstas no artigo 202 do Código de Processo Civil, aplicáveis às cartas precatórias. O juiz estatal verificará se a convenção é regular e se os dados recebidos permitirão formalmente o cumprimento da ordem. Caso as formalidades estejam atendidas, o juiz determinará as providências solicitadas pelo árbitro. Do contrário, informará ao árbitro o motivo de sua recusa, devolvendo o ofício recebido.

Em qualquer caso, observe-se, o juiz não reexaminará o entendimento do árbitro acerca do pedido de liminar ou cautelar. Embora o juiz não seja um simples autômato, ele não poderá reapreciar o mérito da medida de urgência – da mesma forma que não pode reexaminar o mérito de uma sentença arbitral.

8. Por fim, se o juiz ignorar a solicitação do árbitro, este poderá tomar as providências correicionais aplicáveis e a parte interessada poderá inclusive impetrar mandado de segurança em face da omissão do juiz togado. Segundo parcela da doutrina, a rigor até mesmo o árbitro poderia tomar essa providência. Os que refutam esse entendimento, contudo, defendem que tal providência colocaria em dúvida a imparcialidade do árbitro.

As medidas de urgência anteriores ao início da arbitragem

9. Há casos em que uma providência urgente é necessária antes da instituição da arbitragem pactuada entre as partes. Nesses casos, é impossível à parte interessada levar a questão aos árbitros, vez que o tribunal arbitral sequer se instaurou. Pode não ter havido definição nem mesmo a respeito de quem serão os árbitros ou qual o procedimento a ser adotado.

Desse modo, a parte que pretende obter uma tutela de urgência deverá requerê-la ao juiz estatal que seria competente para conhecer do litígio caso não existisse a convenção de arbitragem. Esse procedimento não constitui desobediência à convenção de arbitragem.

Trata-se, na realidade, do procedimento possível de ser executado quando a arbitragem sequer foi instituída. Aliás, alguns regulamentos de Câmaras Arbitrais prevêem expressamente essa possibilidade. É caso, por exemplo, da previsão contida no artigo 10.12 do Regulamento da Câmara de Arbitragem das Indústrias do Paraná – CAIEP.

Na hipótese aqui tratada, a medida cautelar será considerada como preparatória do feito principal, representado pela própria demanda arbitral – o que deverá ser declarado na petição inicial da medida cautelar, na forma do artigo 801, inciso III, do Código de Processo Civil (clique aqui). Assim, a parte postulante deverá tomar, no prazo de trinta dias, as providências necessárias para a instituição da arbitragem, sob pena de revogação da medida (Código de Processo Civil, artigos 806 e 808, inciso I). A natureza dessas providências pode variar de acordo com as disposições da cláusula compromissória. Se se tratar de cláusula cheia, será a própria propositura da demanda arbitral; se, por outro lado, tiver sido firmada uma cláusula vazia, será a notificação para a instauração da arbitragem. Trata-se aqui, no entanto, de regras gerais, as quais deverão ser verificadas à luz das disposições contidas na convenção de arbitragem de cada caso concreto.

10. Instaurada a arbitragem, os autos da medida cautelar deverão ser remetidos pelo juiz togado ao tribunal arbitral, que passará a conduzir o feito.

Como o tribunal arbitral é o competente para decidir todo o litígio surgido entre as partes, poderá inclusive rever a decisão cautelar proferida pelo juiz estatal, inclusive revogando-a, se for o caso. Isso não constitui qualquer desrespeito à autoridade das decisões judiciais. Na realidade, é da natureza desses provimentos de urgência que eles possam ser modificados a qualquer tempo, vez que fatos novos podem surgir e provas novas podem ser produzidas, o que altera a configuração dos requisitos necessários à medida. Aplica-se aqui o disposto no artigo 273, parágrafo 4º, e artigo 807, ambos do Código de Processo Civil.

Esclareça-se ainda que, como a arbitragem já foi iniciada, eventuais outras medidas de urgência deverão ser requeridas aos árbitros, tal como explicitado no tópico anterior.

Encerramento

<_st13a_metricconverter w:st="on" productid="11. A">11. A eficácia das medidas de urgência nos casos em que as partes decidiram resolver seus conflitos por meio da arbitragem depende, em grande medida, da cooperação entre árbitros e juízes togados. É fundamental que todos compreendam bem o alcance de suas competências, de modo a possibilitar a resolução célere dos conflitos e a execução perfeita das medidas de urgência.


No caso específico da Câmara de Arbitragem das Indústrias do Paraná – CAIEP, seu Regulamento prevê expressamente a possibilidade de os árbitros concederem medidas de urgência, se for o caso condicionadas à prestação de garantia (artigos 10.10 e 10.11). Além disso, há a previsão de que medidas cautelares concedidas por juízes togados poderão ser reexaminadas e até revogadas pelos árbitros, quando da instituição da arbitragem (artigo 10.12).

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1CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 271.

2TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa. 2. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 459.

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*Advogado do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados









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