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A declaração de indisponibilidade de bens na ação de improbidade administrativa e os efeitos práticos sobre os atributos da propriedade

A medida cautelar de indisponibilidade de bens decretada no curso de uma Ação de Improbidade Administrativa possui o condão de impedir o Réu de usar ou gozar do bem atingido pela medida? Caso negativo, haveria algum risco a terceiros nos negócios jurídicos que tenham tais bens como objeto?

1/7/2020

Introdução

A Ação de Improbidade Administrativa é uma espécie de Ação Civil Pública, disciplinada pela Lei 8.429/92, na qual se pretende o reconhecimento jurídico das condutas de improbidade administrativa elencadas na lei de regência da mencionada ação.

Nos termos da LIA, são espécies de improbidade administrativa aquelas ações ou omissões que geram enriquecimento ilícito, em detrimento da função pública; que que causem dano ao erário ou que atentem contra os princípios da Administração Pública1.

Uma vez constatada a prática de atos de improbidade pelo agente público ou pelo particular que atue em colaboração ou se beneficie da atuação do agente público, a Ação de Improbidade poderá ser proposta pela pessoa jurídica lesada ou pelo Ministério Público.

Por pessoa jurídica lesada pelo ato de improbidade administrativa, toma-se por base as entidades elencadas no art. 1º da Lei 8.429/92, veja-se:

Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Ajuizada a ação, dispõe os art. 7º e 16 da Lei de Improbidade Administrativa que o Magistrado, como o objetivo de resguardar o resultado prático do processo, a requerimento do Autor, poderá conceder medidas cautelares previstas nos dispositivos supramencionados.

São elas: Afastamento preventivo do servidor público, bloqueio de contas, indisponibilidade dos bens ou sequestro dos bens.

O presente estudo pretende abordar de forma sucinta os efeitos práticos da medida cautelar de indisponibilidade dos bens, aplicada ao Réu como garantia de devolução, em caso de aplicação de penalidade de perda dos bens acrescidos ilicitamente ao seu patrimônio, na forma do art. 7º da LIA, bem como os seus efeitos perante terceiros.

Extensão da medida Cautelar de indisponibilidade dos Bens

Ora, quais seriam as consequências da medida cautelar de indisponibilidade sobre os atributos da propriedade? Poderia o bem declarado indisponível ser locado, arrendado ou entregue em comodato pelo Réu?

Inicialmente cumpre verificar a extensão da determinação de indisponibilidade do bem em questão. Isto porque, alguns magistrados, embasados no art. 7º da LIA, além de declarar a indisponibilidade do bem, ainda proíbem a realização de qualquer obra, benfeitoria ou qualquer modificação nos bens imóveis objeto da constrição judicial.

Assim, caso a decisão judicial envolvendo o bem declarado indisponível contenha tais impedimentos, atos de fruição tais como o arrendamento restariam como inviáveis, haja vista que, no último caso, a implantação das atividades de silvicultura ou pecuária poderia representar desobediência à ordem judicial, além do risco de perda dos investimentos realizados.

Entretanto, caso a decisão tenha declarado apenas a indisponibilidade dos bens, a princípio, a locação, o arrendamento ou a entrega em comodato poderiam ser viáveis.

Isto porque, a faculdade de dispor do bem (jus abutendi) está relacionada ao direito de alterar a substância da coisa pelo proprietário, o qual pode escolher a destinação a ser dada ao bem, assim como a sua finalidade econômica.

A disposição poderá ser tanto material quando jurídica. A disposição material está relacionada à guarda do bem. Já a disposição jurídica está relacionada à mutação subjetiva do direito real, tal como a alienação, a doação etc.

 

Todavia, não consiste em disposição do bem a locação ou o arredamento do bem pelo proprietário. Nesse sentido, prelecionam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald2:

Aliás, entendemos que quando o proprietário loca, arrenda, entrega o bem em comodato, ou insira qualquer pessoa na posse em razão de relação obrigacional, não há de se cogitar em afetação parcial do poder de disposição, pois não há transferência de poderes dominiais para novos titulares de direitos reais limitados. O proprietário que concedeu a posse direta mediante relação obrigacional mantém a propriedade plena, pois apenas concede que a fruição imediata da coisa fique a cargo de terceiros.

Dessa forma, a locação ou o arrendamento do imóvel, em tese, não estaria vedado pela declaração de indisponibilidade do bem, sendo possível realizá-lo.

Vale dizer, mutatis mutandis, que em casos análogos, a Jurisprudência pátria tem posicionado de forma assente, v.g.:

Registro Público - Dúvida Registrária - Bem Imóvel Indisponível - Registro de contrato de locação - cláusula de vigência - alvará judicial - necessidade - dúvida procedente.

1. O proprietário de imóvel indisponível por decisão judicial pode locar o imóvel, porquanto mantém a faculdade de fruir o bem.

2. é imprescindível o alvará judicial para o registro do contrato de locação com cláusula de vigência na matrícula do imóvel indisponível, pois o artigo 168 do provimento geral da corregedoria aplicado aos serviços notariais e de registro consigna um rol exemplificativo.

3. recurso não provido. (TJ-DF - Apelação Cível: APL 0065365-51.2008.807.0001 DF 0065365-51.2008.807.0001; Órgão Julgador: 3ª Turma Cível) 

Aliás, da mencionada decisão se extrai o entendimento dos Desembargadores:

“O gravame que pesa sobre o imóvel objeto da locação, tornando-o indisponível, não impede a sua locação, pois esta liberalidade encontra-se inserida no jus fruendi do bem. As cláusulas contratuais questionadas não possuem força suficiente para impedir o direito de propriedade de um futuro adquirente do bem, caso o imóvel seja levado à hasta pública.

Por estar indisponível, apenas serão válidas as cláusulas contratuais do contrato de locação que se relacionem à faculdade de fruir, usar ou reivindicar o bem...

Em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, vê-se que o imóvel está indisponível em razão de uma ação civil pública ajuizada para revogar e anular atos administrativos, em virtude de improbidade administrativa supostamente cometida quando da construção do Fórum da Justiça do Trabalho de São Paulo. A constrição do bem visa justamente resguardar o interesse público, caso sejam comprovados atos de enriquecimento ilícito ou de prejuízo ao erário...”

Dito isto, a conclusão parcial a que se chega é que a medida cautelar que declara a indisponibilidade, a princípio, não afeta os atributos da propriedade do Réu da Ação, de forma que lhe é permitida a prática de atos de fruição do bem tais como a locação ou o arrendamento.

Efeitos Práticos da Declaração de Indisponibilidade de bens e os Possíveis riscos suportados por Terceiros em Contratos que Tenham tais bens como Objeto

Superada a discussão inicial acerca da extensão dos efeitos da medida, ainda sob um viés prático, quais seriam os riscos que um terceiro que celebra um contrato de arrendamento, suponhamos, rural e que tenha por objeto um imóvel declarado indisponível no curso de uma Ação de Improbidade Administrativa suportaria?

Os riscos aqui são relacionados à produtividade do imóvel no curso do Arrendamento, visto que, como de costume, são realizados investimentos de grande monta pelo Arrendatário, além de resultarem na produção de frutos e rendimentos, o que gera o receio justificável em celebrar negócios de tal natureza.

Ora, dito isto, o risco do negócio reside na possibilidade de perda do imóvel arrendado pelos proprietários em razão da Ação de Improbidade.

Tendo em vista que a indisponibilidade dos bens visa a resguardar o patrimônio dos réus em caso de eventual condenação, a depender do ato de improbidade praticado, uma das penalidades aplicadas poderá ser a perda de bens, a qual poderá abranger a área arrendada, envolvendo todas a benfeitorias e construções eventualmente realizadas pelo Arrendatário.

Nesse aspecto, imaginemos a hipótese de um contrato de Arrendamento para fins de implantação de atividade de silvicultura, tendo como objeto imóvel declarada indisponível em Ação de Improbidade Administrativa.

Na hipótese de condenação do Arrendador e aplicação da penalidade de perda de bens, todos os investimentos, bem como a floresta plantada pelo Arrendatário seriam perdidos em favor do Poder Público?

A resposta para tal questionamento depende da definição jurídica dada às benfeitorias, melhoramentos e investimentos realizados pelo Arrendatário do referido imóvel.

Isto porque, salvo disposição contratual em contrário, as árvores incorporadas ao solo mantêm a característica de bem imóvel, pois acessórios do principal, motivo pelo qual, em regra, a acessão artificial recebe a mesma classificação/natureza jurídica do terreno sobre o qual é plantada, acompanhando, portanto, o destino do bem principal.

Este é o entendimento do STJ, veja-se:

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - CESSÃO E TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS DECORRENTES DE IMPLANTAÇÃO DE REFLORESTAMENTO - DAÇÃO EM PAGAMENTO DO IMÓVEL SEM CLÁUSULA QUE DISPUSESSE ACERCA DA PROPRIEDADE DA COBERTURA VEGETAL LENHOSA - TRIBUNAL A QUO QUE MANTEVE A SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - INSURGÊNCIA DA AUTORA - RECLAMO DESPROVIDO. Cinge-se a controvérsia em definir: a) qual a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, ou seja, se é ou não considerada acessório da terra nua e b) se, na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação. 1. Violação ao art. 535 do CPC/1973 não configurada. O Tribunal a quo dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional. 2. Conforme consta dos artigos 79 e 92 do Código Civil, salvo expressa disposição em contrário, as árvores incorporadas ao solo mantêm a característica de bem imóvel, pois acessórios do principal, motivo pelo qual, em regra, a acessão artificial recebe a mesma classificação/natureza jurídica do terreno sobre o qual é plantada. 2.1 No entanto, essa classificação legal pode ser interpretada de acordo com a destinação econômica conferida ao bem, sendo viável transmudar a sua natureza jurídica para bem móvel por antecipação, cuja peculiaridade reside na vontade humana de mobilizar a coisa em função da finalidade econômica. 2.2 Desta forma, em que pese seja viável conceber a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, a depender da vontade das partes, como bem móvel por antecipação, no caso, consoante estabelecido no artigo 287 do Código Civil, essa classificação não salvaguarda a pretensão da autora, pois é inviável a esta Corte Superior, ante os óbices das Súmulas 5 e 7/STJ, promover o reenfrentamento do acervo fático-probatório dos autos com vistas a concluir de maneira diversa das instâncias ordinárias acerca dos sucessivos negócios jurídicos entabulados relativamente ao imóvel rural e as cláusulas e condições de referidos ajustes. Ademais, diante da presunção legal de que o acessório segue o principal e em virtude da ausência de anotação/observação quando da dação em pagamento acerca das árvores plantadas sobre o terreno, há que se concluir que essas foram transferidas juntamente com a terra nua. 3. Transferido por escritura pública de dação em pagamento o imóvel e as plantações pela empresa cedente já em 1983, resta ineficaz a cessão de direitos realizada por essa ao autor em 2004, pois nessa ocasião não mais detinha os direitos objeto da transmissão, a revelar verdadeira venda a non domino, insuscetível de concretização. 4. Recurso especial desprovido. (REsp 1.567.479/PR STJ, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma)

Por este motivo, caso o Arrendatário não se resguarde, em caso de eventual condenação dos proprietários (Arrendadores), com a determinação da perda do imóvel, é possível que haja a perda da área produzida/plantada ao Poder Público lesado.

No entanto, por meio de disposição contratual, o Arrendatário pode tornar a floresta a ser plantada em um bem móvel por antecipação, descaracterizando a natureza de bem imóvel que naturalmente possuiria e, por conseguinte, a destinação do bem em caso de eventual perda do imóvel arrendado, podendo assim tentar se resguardar, e, via de consequência, possibilitar a discussão sobre o arrendamento pactuado.

Nesse sentido, preleciona Carlos Roberto Gonçalves3:

Móveis por antecipação – A doutrina refere-se, ainda, a esta terceira categoria de bens móveis. São bens incorporados ao solo, mas com a intenção se separá-los oportunamente e convertê-los em móveis, como as árvores destinadas ao corte e os frutos ainda não colhidos. Observa-se, nesses casos, aos quais podem somar-se as safras não colhidas, a vontade humana atuando no sentido de mobilizar bens imóveis, em função da finalidade econômica. Podem ainda ser incluídos nessa categoria os imóveis que, por sua ancianidade, são vendidos para fins de demolição.

Sendo assim, em caso de perda de bens, com a definição da floresta (área a ser plantada) como bem móvel por antecipação, prevista em cláusula contratual, o Arrendatário estaria resguardado com a manutenção dos investimentos realizados na área, tendo em vista que o registro contratual da ressalva, demonstra que o plantio existente sobre o imóvel não é acessório do principal e por isso não é transferido com o bem.

No entanto, cumpre ressaltar que o risco não estaria eliminado por completo, em razão da litigiosidade recair sobre o imóvel a ser arrendado. E ainda, pela possibilidade de entendimento do judiciário de que, a cláusula contratual pode ser verdadeira obrigação com eficácia real.

Ou seja, não é ônus real, mas tem o mesmo efeito, porquanto obriga terceiros alheios ao contrato e que venham a adquirir o imóvel. Assim, caso o bem venha a ser penhorado e vendido em hasta pública, o adquirente deverá respeitar a cláusula contratual, o que pode tornar o imóvel desinteressante a eventuais interessados.

Conclusão

Como se vê, a medida cautelar que declara a indisponibilidade, salvo disposição expressa do Magistrado em sentido contrário, não afeta os atributos da propriedade do Réu da Ação, de forma que lhe é permitida a prática de atos de fruição do bem tais como a locação ou o arrendamento.

Ainda assim, existem diversos riscos nos negócios jurídicos celebrados com terceiros que tenham tais bens como objeto do pacto haja vista que, em caso de condenação dos proprietários dos imóveis, a depender do ato de improbidade praticado, uma das penalidades aplicadas poderá ser a perda de bens, a qual poderá abranger a área arrendada, o que, via de consequência, pode inviabilizar o contrato a ser entabulado.

Como forma de se resguardar, o terceiro que pretenda realizar investimentos em um bem declarado indisponível em Ação de Improbidade Administrativa deve constituir de cláusula contratual resguardando suas benfeitorias, a exemplo da cláusula em contrato de arrendamento que ressalva a floresta a ser plantada, tornando-a um bem móvel por antecipação, descaracterizando assim a natureza de bem imóvel, possibilitando, no mínimo, a discussão sobre a matéria, em caso de eventual perda do imóvel arrendado.

Em suma, são riscos que devem ser avaliados em cada caso concreto, de forma a tornar viável a celebração de negócios que envolvam bens objetos de medidas cautelares de indisponibilidade, sempre observando o dever de cautela como forma de se resguardar de eventuais desfechos inesperados, tais quais exemplificados ao longo deste breve estudo.

______________ 

1 CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo – 5ª ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 2018. p. 978.

2 in Curso de Direito Civil, Vol. 5 Reais – 11. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Atlas, 2015. p. 245

 

3 in Direito Civil Brasileiro, vol. 1: Parte Geral, 14ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2016. p. 299-300

______________ 

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo – 32ª ed. rev. ampl. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018.

CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo – 5ª ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 2018. 

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, Vol. 5 Reais – 11. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Atlas, 2015.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. 1: Parte Geral, 14ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2016.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. – 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011.

______________ 

*André Pinheiro Costa é acadêmico do 10° período do curso de Direito da Faculdade do Sul da Bahia-FASB e colaborador na MoselloLima Advocacia.

 

*Robervany Roberto dos Santos é advogado associado na MoselloLima Advocacia.

 
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