A advocacia da concorrência é uma função da defesa da concorrência que tem uma relevância ímpar no trato concorrencial em setores regulados, mas que muitas vezes é negligenciada nos processos licitatórios das agências reguladoras. É preciso ressaltar que as agências e o órgão responsável pela advocacia da concorrência têm as suas competências muito bem definidas e que a harmonia entre elas é de suma importância para o bom andamento concorrencial da economia.
São vários os exemplos em que recomendações da Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade - SEAE em relação a editais e contratos de licitação propostos por agências reguladoras são ou não acatadas, total ou parcialmente. Essa falta de percepção de que essa função é fundamental tende a trazer prejuízos do ponto de vista da concorrência para o bom andamento dos ativos concedidos pela União à iniciativa privada.
Recentemente, a SEAE apresentou manifestação técnica nas Audiências Públicas 06/20 e 07/20, ambas da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) que se referiam a minutas de edital de licitação de arrendamento das áreas STS08A e STS08, respectivamente, localizadas no Porto de Santos para movimentação e armazenagem de granéis líquidos derivados de petróleo.
Segundo o edital, todas as empresas que atendessem aos critérios de habilitação poderiam concorrer na licitação das áreas, mas se a empresa vencedora detivesse mais que 40% do mercado relevante, ela deveria alienar ativos no montante igual ao percentual que excedesse a referida participação. O objetivo dessa restrição era o de evitar que as duas áreas do certame fossem arrematadas por uma única empresa.
Esse tipo de restrição é comum em editais e representa a função da agência reguladora de mimetizar o ambiente concorrencial tão necessário a setores caracterizados por falhas de mercado e que necessitam de regulação.
A análise concorrencial do órgão competente pela advocacia da concorrência no Brasil apontou deficiências na forma como o certame iria se desenvolver. Conquanto a SEAE tenha concordado com a imposição da restrição, uma vez que a existência de dois operadores distintos garantiria rivalidade no mercado relevante em questão, a forma como as áreas seriam licitadas não endereçaria o principal problema dos certames relacionados a áreas portuárias de movimentação de graneis líquidos de petróleo, uma vez que não se evitaria o ingresso de empresa integrada com elevada participação no mercado relevante de combustíveis líquidos.
A proposta trazida pela Secretaria para sanar o problema foi o da realização do certame das duas áreas em duas rodadas. Na primeira rodada somente poderiam participar grupos econômicos que não detivessem posição dominante (inferior a 20%) nos mercados a jusante ou a montante do terminal. Não havendo proponente vencedor em uma das áreas ou em nenhuma delas, seria feita a segunda rodada, em que qualquer grupo econômico poderia participar.
A forma como o fenômeno é entendido faz toda a diferença do ponto de vista dos efeitos concorrenciais e, como consequência, da própria forma como esses efeitos afetam a regulação econômica. O entendimento, nesse caso, de que a restrição de natureza horizontal era suficiente para sanar problemas concorrenciais era um equívoco porque poderia trazer severos prejuízos ao segmento de combustíveis líquidos, já que o principal problema estava na possibilidade, a depender do vencedor, do fechamento de mercado para os distribuidores de combustíveis independentes.
Para o caso em comento, o foco da imposição da restrição horizontal no mercado de movimentação de combustíveis líquidos para a ANTAQ era o de evitar que o mesmo operador obtivesse 100% das áreas do porto de Santos destinadas à movimentação de derivados de petróleo (conforme documentos disponibilizados nas audiências públicas), ao passo para a SEAE, além do proposto pela ANTAQ em relação a sobreposição horizontal no mercado relevante de portos, a imposição da restrição foi no sentido de evitar o problema de integração vertical por meio do leilão em duas etapas.
Esse exemplo torna claro a importância da advocacia da concorrência em setores regulados exercida por órgão governamental independente e por agências em matéria regulatória.
A agência reguladora tem a sua competência no mercado que ela regula e não tem qualquer competência e nem ingerência sobre quaisquer outros mercados que estão em suas adjacências, enquanto que o órgão responsável pela advocacia da concorrência tem competência sobre o desempenho da concorrência em todos os mercados, sejam regulados ou não, sem distinção de produto ou serviço e, por esse motivo, a análise concorrencial tem que ser vista de forma holística e não de forma setorizada.
A não observância da advocacia da concorrência nos processos licitatórios para concessões de serviços públicos pode conduzir a efeitos negativos, sendo fundamental que as recomendações do órgão brasileiro de advocacia da concorrência sejam avaliadas sempre à luz das melhores práticas e não de meros voluntarismos.
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