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Caso Queiroz: Uso político do Direito Penal?

A prisão de Fabrício Queiroz joga luz sobre discussões a cerca da intervenção judicial na política

2/7/2020

No Brasil, um contexto de ruptura ideológica se instalou desde o governo Dilma e, em 2020, tomou conta de todos os espaços de discussão política, ocupando indevidamente considerável parte da agenda do Poder Judiciário, donde veio a ser cunhada a expressão “judicialização da política”.

Por certo o controle dos atos políticos não é estranho à constituição. A declaração de inconstitucionalidade de leis, o mandado de segurança para obstar processos legislativos que violam cláusulas pétreas e as ações eleitorais são exemplos de legítimas intervenções do Judiciário na esfera política.

Contudo, a prisão de Fabrício Queiroz, no último dia 18 de junho, deflagrou discussões sobre o crime (?) de “rachadinha”, lançando um farol sobre eventual exacerbação da intervenção judicial na política.

Registre-se que o uso Direito Penal é orientado pelo Princípio da Taxatividade, exigindo-se que as normas incriminadoras de condutas humanas sejam suficientemente detalhadas, claras e descritivas ao ponto de evitar dúvidas ou interpretações extensivas, de modo a garantir que os cidadãos tenham certeza da licitude de suas ações.

Por isso, se faz necessário analisar a conduta imputada a Queiroz, para então opinar validamente sobre eventual excesso do Judiciário.

Como se sabe, qualquer prisão cautelar (flagrante, temporária ou preventiva) tem por pano de fundo a ocorrência de um delito, ao menos em tese. No caso em análise, investiga-se a possibilidade de ocorrência de “rachadinha”, o que ocorre quando um servidor consente em dividir o seu salário com outro servidor ou ainda com pessoa estranha ao poder público.

Ressalte-se que, se o funcionário é fantasma, isto é, se o servidor não existe, seria possível, com algum esforço, o enquadramento ao tipo previsto no art. 312 do Código Penal, que prescreve pena de reclusão de dois a doze anos para o funcionário público que se apropria de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo (Peculato Apropriação), ou o desvia em proveito próprio ou alheio (Peculato Desvio).

Se os valores retornam ao agente político ou se existe coerção, a conduta poderia configurar o crime de Concussão, que ocorre quando o agente exige a vantagem indevida.

Fora da seara penal, anote-se que, mesmo na hipótese de o fato não ser criminoso, poderá encerrar improbidade administrativa, notadamente quando violar princípio da administração pública (moralidade, por exemplo), atraindo as sanções cíveis definidas na respectiva lei.

A repugnância moral da “rachadinha” está fora de dúvidas. Isso não se discute. Entretanto, na hipótese em que o funcionário não é fantasma e  consente espontaneamente em repassar parte de seu salário a outrem, em tese, não haveria qualquer infração penal, por se tratar de negócio jurídico que dispõe sobre objeto lícito e disponível, notadamente por que, após o ingresso do numerário na esfera patrimonial do servidor, este pode dispor como bem lhe aprouver dos valores.

Corda menos complexa respeita à possibilidade de ocorrência de crime de lavagem de capitais por parte do investigado. Isto porque o crime de lavagem depende da existência de um delito anterior, do qual se extraíram os recursos objeto da lavagem. Logo, entendendo-se que a “rachadinha”, no caso concreto, não foi delituosa, o enquadramento do crime de lavagem estaria fatalmente prejudicado.

Resta, portanto, a partir da análise de cada caso, aferir se uma “rachadinha” configura crime, improbidade administrativa ou um irrelevante penal.

Por fim, assente-se que não é possível admitir que o Direito Penal vire pedra na mão dos contendores, no âmbito da disputa política. A repercussão midiática ou o clamor social não justificam que o estado lance mão de sua mais contundente ferramenta para hostilizar condutas suficientemente reguladas e censuradas por outras disciplinas do direito. Afinal, a mão pesada do direito penal, utilizada com matizes político partidários de qualquer natureza, redundará, ao fim e ao cabo, na banalização de todo sistema de proteção penal.

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*Guilherme Gueiros é especialista em Direito Penal e sócio do escritório Urbano Vitalino Advogados.

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