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Tribunais devem mudar jurisprudência relacionada a atrasos na devolução de contêineres

Com a pandemia, aumenta a possibilidade de atrasos serem relacionados a caso fortuito e força maior ou onerosidade excessiva.

30/6/2020

Importadores que antes investiam na antecipação do recebimento de cargas tentam, hoje, atrasar as entregas a todo custo, tornando os contêineres verdadeiros "armazéns flutuantes". Porém, essa estratégia não ajuda os importadores nacionais a reduzir prejuízos e ainda amplia as perdas das transportadoras marítimas, prejudicando todo o ecossistema.

A retenção de contêineres nos portos tem acontecido principalmente por conta da redução da capacidade fiscalizatória das aduanas ou pela demora na devolução dos equipamentos por parte dos importadores, eis que afetada toda a logística não apenas no transporte interno (do porto à empresa), mas de vazão dos estoques.

Esses atrasos seriam motivos para cobrança de taxa de sobre-estadias de contêineres (demurrage) em condições normais. Porém, com a decretação da pandemia, os atrasos recaem nos conceitos de caso fortuito e força maior (artigo 393, do Código Civil) ou onerosidade excessiva (artigos 478 e ss., do Código Civil). Evidentemente, para isso, o atraso deve estar atrelado às intempéries causadas pela pandemia.

Este cenário exigirá dos players uma flexibilização de ações para a redução dos custos relacionados ao atraso na liberação dos contêineres (duty to mitigate the loss), conforme detalhamos em informativo sobre impactos e ações dos players para amortização da crise.

Importadores, em especial, sofrem com o aumento do tempo necessário para a liberação das mercadorias após entrada nos canais vermelho e cinza (que demandam mais trabalho humano, reduzido por conta das medidas de isolamento), aumentando os custos de armazenagem, frete e diárias extras de contêineres que, inevitavelmente ultrapassam o free time concedido.

Às transportadoras cabe a adoção de atitudes mais efetivas de redução considerável nas taxas em referência, especificamente na de sobre-estadia. O desconto precisa ter magnitude. O motivo do prejuízo precisa ser comprovadamente relacionado às medidas de combate à pandemia.

Mudança no entendimento nos tribunais

Era ponto pacífico, antes da pandemia, que as transportadoras deveriam ser indenizadas pelos importadores quando havia atraso na liberação dos contêineres, independentemente da existência de quaisquer excludente de responsabilidade (retenção da mercadoria pela Receita Federal, greves de auditores fiscais, etc).

Com a covid-19, a argumentação sobre força-maior, caso fortuito e onerosidade excessiva passa a ganhar força.

Ações possíveis

Algumas empresas donas de contêineres, cientes dessa nova realidade, estão dando desconto no valor da sobre-estadia ou aumentando o free time (período de isenção). Mas outras ações também podem ser tomadas.

Para atenuar os nefastos impactos econômicos, a MSC (sistema SOT – Suspension of Transit), por exemplo, resolveu suspender o trânsito de cargas, armazenando-as em locais específicos enquanto o destinatário não puder receber o contêiner.

Outra atitude importante para mitigar efeitos a todo o ecossistema foi tomada pela Hapag-Lloyd. A empresa construiu um novo sistema de rotas e ampliou o prazo de dias livres em alguns países, além de revisar os valores em caso de atraso.

Prejuízos também às transportadoras

Como efeito à permanência de contêineres em portos e aduanas por mais tempo do que o devido e sem uma compensação financeira por isso, as transportadoras também têm prejuízos.

Com a redução brusca da economia mundial, tem sido frequente a falta de produtos para preencher contêineres na viagem de volta. Torna-se custoso para as transportadoras, portanto, levar o contêiner de volta, vazio, sem que nenhum frete pague a viagem.

As transportadoras ressaltam que a taxa de sobre-estadia serve para sanar prejuízos das empresas pela indisponibilidade do contêiner para a realização de outros transportes. Esse argumento deve ser o motivo principal para impasses nessa nova dinâmica do comércio internacional e transporte marítimo de cargas.

Ainda que não seja possível uma confluência entre todos os players, que os envolvidos optem pela mitigação dos prejuízos através da mediação e arbitragem, já que a recorrência ao Poder Judiciário não iria sanar, de pronto, eventuais discórdias.

O cenário de aumento da judicialização aumentaria a insegurança jurídica durante a crise, onerando ainda mais a operação. Diante disso, entes públicos e privados deverão sopesar suas ações para que, por um lado, não pereçam nesse processo e, por outro, não releguem os prejuízos às partes mais vulneráveis da cadeia de produção e consumo.

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*José Luís Dias Ribeiro da Rocha Frota é membro da Comissão de Direito Marítimo e Portuário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP). Pós-graduado em Direito Processual Civil e pós-graduando em Direito Marítimo e Portuário. Advogado da banca do Morais Andrade Leandrin Molina Advogados.

 

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