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Antecipação das férias através da MP 927 e o eventual desconto na rescisão contratual

Levando-se em consideração que o propósito da Medida Provisória 927/20 foi buscar a manutenção do emprego, qualquer postura que contrarie a sua finalidade não pode ser protegida pelo Direito.

29/6/2020

Cinge-se a presente problemática em saber se é possível proceder com o futuro desconto na rescisão contratual das férias pagas e concedidas antecipadamente por meio da Medida Provisória 9271.

Com efeito, o atual cenário atípico e pandêmico vivido por toda população brasileira gerou aspectos conflitantes e surpreendentes que exigiram do Governo Federal providências legais que pudessem, em certa medida, promover renda e a manutenção dos postos de trabalho.

Todo esse panorama trágico gerou a edição de diversas normas jurídicas, em particular as medidas provisórias 927 e 936 pelo Presidente da República, porém sem que pudessem prever diversas situações, o que gerou dúvidas para empregados, empregadores e operadores do direito.

O foco destes breves comentários será dado à MP 927, editada diretamente para providências e manutenção do empregos, consoante se infere de seu enunciado: “Dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo decreto Legislativo 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), e dá outras providências.”.

Tal norma temporária trouxe alternativas trabalhistas que podem ser implementadas pelas empresas com o objetivo de preservação dos empregos, a saber: a) o teletrabalho; b) a antecipação de férias individuais; c) a concessão de férias coletivas; d) o aproveitamento e a antecipação de feriados; e) o banco de horas; f) a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; g) o direcionamento do trabalhador para qualificação; e h) o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS.

Em virtude da pandemia que atingiu fortemente a economia do país, muitas empresas tiveram que cessar completamente a sua atividade de modo que, naquele primeiro momento, muitas foram aquelas que optaram por antecipar as férias dos colaboradores, pois seria uma forma de manter as relações de emprego durante o cenário de calamidade permitindo que os funcionários ficassem em casa, com a consequente redução do impacto no ônus do pagamento das férias. É importante lembrar que a MP 927 permitiu, a um só tempo, uma dilação de prazo para pagamento das férias até o 5º dia útil do mês subsequente ao início do período de descanso, como também a possibilidade de pagamento do terço sobre as férias até o dia 20/12/20.

De mais a mais, a referida MP também previu a denominada antecipação de férias. Na prática, trata-se daqueles funcionários que não completaram integralmente o seu período aquisitivo e que, por força da citada medida provisória, poderão usufruir antecipadamente de férias futuras.

Impendente registrar que as férias anuais constituem direito fundamental do empregado, traduzindo-se em norma de segurança e saúde do trabalhador. Lado outro, o período concessivo é determinado pelo empregador, que deve avaliar o melhor momento para empresa autorizar a fruição de férias por seu colaborador. Já para o empregado se traduz num período de interrupção do contrato de trabalho, em que ele não trabalha, porém é remunerado, com objetivo de descanso e lazer.

Entrementes, neste novo cenário de isolamento social, é cediço que o comprometimento das atividades econômicas estão se postergando por tempo maior ao que se esperava, de modo que, esgotadas as alternativas de manutenção do emprego, muitos empregadores estão sendo compelidos a dispensarem seus funcionários.

E aqui muitas dúvidas surgiram, dentre elas se caberia o desconto na rescisão contratual dessas férias que foram antecipadamente concedidas e pagas? Seria enriquecimento sem causa? A resposta, a nosso entender, deve ser analisada sob a ótica de quem foi a iniciativa da dispensa: do empregado ou do empregador.

Não se discute que a MP 927 veio com o objetivo de amparar e auxiliar na manutenção dos empregos, de modo que, mesmo se utilizando da medida, a empresa que optar por dispensar o empregado deverá arcar com o ônus da antecipação das férias já concedidas. Não parece razoável conceder a antecipação das férias, garantindo ao empregado uma certa estabilidade naquele emprego, para, posteriormente, dispensa-lo e, mais, descontar esse pagamento da rescisão contratual a que tem direito.

Ora, com a antecipação do período aquisitivo, salienta-se que não haveria expectativa de desconto por parte do empregado em sua rescisão contratual. Ainda, recordamos que o risco da atividade empreendedora é da empresa, não cabendo transferir esse gravame ao empregado.

Corroborando com a tese aqui defendida, recentemente o Plenário da Câmara aprovou o relatório do dep. Celso Maldaner (MDB/SC)2, alterando a MP 927/20, que dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública, sendo que um dos pontos trata exatamente do questionamento aqui abordado. Assim, num juízo preliminar da Câmara dos Deputados, as férias gozadas antecipadamente, cujo período não tenha sido adquirido, apenas serão descontadas das verbas rescisórias devidas ao empregado no caso de pedido de demissão (g.n).

Em sentido contrário, se houver dispensa motivada por ato do empregador, ele estará obrigado a arcar com todo gravame da rescisão. Não será possível, portanto, realizar o desconto desta antecipação de férias na época da rescisão contratual, caso haja a conversão da MP 927 em lei ordinária, ao fundamento de que seria um enriquecimento sem causa.

A lógica de tal medida é que o risco da atividade empresarial deve ser suportado pelo empregador (princípio da alteridade – art. 2º da CLT). Afinal, o empregado nem sequer tem expectativa desse desconto, uma vez as férias foram antecipadamente concedidas por ato da empresa que, posteriormente, decidiu por encerrar o vínculo de emprego.

Situação distinta, contudo, ocorre quando o próprio empregado pede demissão. Isso porque, apesar de ter sido beneficiado com a antecipação da férias, com a preservação de sua relação empregatícia, ele mesmo opta pela rescisão contratual. Tal situação diverge totalmente da anterior, pelo que se justifica o desconto das férias concedidas antecipadamente.

Por tudo quanto exposto, levando-se em consideração que o propósito da Medida Provisória 927/20 foi buscar a manutenção do emprego, qualquer postura que contrarie a sua finalidade não pode ser protegida pelo Direito. Logo, caso o empregador conceda as férias antecipadamente, não terá direito de realizar desconto desse período concedido, ao passo que, em caso de pedido de demissão, poderá ser realizado o referido desconto quando do acerto para fins de pagamento das verbas rescisórias.

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*Daniela Sampaio São Pedro é advogada especialista em Direito e Processo do Trabalho.





*Ricardo Calcini é mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-Graduado em Direito Processual Civil (EPM TJ/SP) e em Direito Social (Mackenzie). Professor de Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe.
 

 

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