Migalhas de Peso

Corrupção na pandemia: muito dinheiro e pouco controle!

Flexibilização de regras vira brecha para a corrupção no Brasil.

25/6/2020

No Brasil, a pandemia do novo coronavírus já causou a morte de mais de 50 mil pessoas até a última quarta-feira (24). Para enfrentar a crise sanitária, já foram editados mais de 340 atos normativos, entre leis, decretos e medidas provisórias. A flexibilização de regras, contudo, virou brecha para a corrupção no país.   

Para dar respostas rápidas no combate à pandemia do novo coronavírus (Covid-10), o Senado Federal aprovou em março deste ano, por unanimidade de votos, o projeto de decreto legislativo que reconhece o estado de calamidade pública no país até 31 de dezembro de 2020.

No mesmo dia, foi editada a Medida Provisória 926/20 permitindo que gestores públicos comprem, sem fazer licitação, bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da crise. Pela medida, os gestores também foram desobrigados de cumprir a meta fiscal de 2020, entre outras coisas.    

Somente com relação a Covid-19 e seus impactos, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já editou até o momento mais de 40 medidas provisórias, das quais 16 são para liberar crédito extraordinário. O mês de abril se encerrou com 26 MPs editadas pelo governo federal. É o número mais alto para um único mês desde 2001.     

Mas, devido a essa flexibilização de regras para liberar recursos públicos mais rápido aos nossos governantes, a pandemia virou brecha para a corrupção no País. O decreto de calamidade pública, criado para desburocratizar a máquina num cenário de emergência, nem sempre é usado de boa-fé.  

Como se não bastassem as falhas do governo federal para conter a transmissão do vírus e o achatamento da curva de transmissão, escândalos envolvendo corrupção e mau uso de recursos públicos destinados ao enfrentamento da Covid-19 se espalham de Norte a Sul no país – que, não por acaso, é um dos mais corruptos do mundo.

Praticamente todos os dias os veículos de comunicação trazem em suas notícias informações de operações policiais e de outros órgãos de controle na apuração de desvio de recursos públicos que deveriam ser utilizados na aquisição de respiradores, testes, construção de leitos de UTI e de hospitais de campanha. 

A Polícia Federal já deflagrou inúmeras operações para investigar casos de corrupção relacionados ao enfrentamento da Covid-19. Somente no Ministério Público Federal, órgão que atua nas investigações quando há repasse da União, há mais de 400 procedimentos abertos que podem dar origem a processos criminais.      

Segundo informações publicadas pelo jornal BBC News Brasil, o 'Covidão', como está sendo chamado o esquema inspirado em escândalos de corrupção como o Mensalão e o Petrolão, já atinge governos de sete Estados e valor investigado chega a R$ 1,07 bilhão – o montante efetivamente desviado ou superfaturado, no entanto, ainda está sendo investigado pelas autoridades.

Para se ter uma ideia, o valor (R$ 1,07 bilhão) é muito superior ao rombo atribuído à máfia dos sanguessugas (R$ 110 milhões), nome dado ao esquema de compra superfaturada de ambulâncias, e ao esquema do mensalão (R$ 173 milhões), escândalo de compra de votos de parlamentares, dentre outros esquemas de corrupção que entraram para a história brasileira.  

Entre os crimes mais investigados estão corrupção (superfaturamento por preços excessivos em obras públicas, compra de respiradores, testes, equipamentos de proteção individual etc.), falsidade ideológica de documentos oficiais, utilização de empresas de fachada administradas por interpostas pessoas e lavagem de dinheiro. O superfaturamento representa o efetivo dano produzido ao erário e pode se caracterizar de diversas formas.

O elevado número de irregularidades encontradas em contratos emergenciais, ou seja, realizados sem licitação, expõe a vulnerabilidade dos recursos públicos diante de gestores públicos mais afoitos num período em que o fluxo de dinheiro aumenta e há liberdade para contratar sem licitação.

Um ranking de Transparência em Contratações Emergenciais divulgado pela ONG Transparência Internacional mostra que os governos de Roraima e São Paulo são os menos transparentes do país no quesito divulgação de contratos emergenciais (sem licitação) realizados durante a pandemia. Espírito Santo, Distrito Federal, Goiás e Paraná aparecem com uma avaliação ótima.

Afora o efeito devastador que a pandemia de Covid-19 já causou sobre a população mundial, com mais de 9 milhões de infectados e quase 500 mil mortes em todo o mundo desde o dia 9 de janeiro, quando o primeiro óbito foi registrado na cidade de Wuhan, na China., a pandemia também vem causando impactos sociais e econômicos igualmente devastadores.  

Em nosso país, esses impactos tendem a ser mais profundos se nada for feito para impedir que gestores corruptos continuem desviando o dinheiro público destinado ao combate à Covid-19. Se a soma dos contratos investigados em pouco mais de três meses já ultrapassa a de muitos escândalos, o que dizer em mais seis meses, ou seja, até 31 de dezembro de 2020 (término do estado de calamidade pública)?

Segundo um estudo recente conduzido por pesquisadores da Inglaterra e Austrália junto com o Instituto Mundial das Nações Unidas para a Pesquisa Econômica do Desenvolvimento (UNU-WIDER), que não levou em conta o alto nível de corrupção no Brasil, a turbulência econômica causada pela pandemia do novo coronavírus pode jogar até 14,4 milhões de brasileiros na pobreza. No mundo, seriam 527,2 milhões de novos pobres. 

No Brasil, assim como em todo o mundo, o cenário tende a ficar mais claro no pós-pandemia. Mas, a julgar pelos montantes envolvidos nesses escândalos de corrupção e desvio de recursos públicos espalhados por todo o país, já é possível afirmar que a situação requer um controle mais eficaz sobre as contratações emergenciais e demais formas de utilização do dinheiro público destinado ao combate à pandemia de Covid-19. 

Para combater esse tipo de corrupção e fazer com que os recursos públicos destinados ao combate à pandemia do novo coronavírus cheguem efetivamente aos mais necessitados, é preciso envolver representantes do Ministério Público Estadual e Federal, Controladoria-Geral do Estado e União, Polícia Federal, Polícia Civil, Tribunal de Contas do Estado e União, Receita Federal e Sociedade Civil. Ações isoladas não têm se mostrado eficazes para evitar o desvio desses recursos. É preciso unir forças e agir preventivamente! 

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*Julimar Paulino dos Santos é advogado, gestor de TI e empreendedor digital. Pós-graduado em Direito Contratual (PUCSP), Consultoria Empresarial (FIA-FEA-USP), Gestão da Tecnologia da Informação (FIAP) e Tecnologia para Negócios: AI, Data Science e Big Data (PUCRS). Pós-graduando em Direito Digital (FMP).  

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