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O divórcio virtual e a desmaterialização dos procedimentos extrajudiciais

Todo esse fenômeno tecnológico já estudado pelos mais diversos setores econômicos também chegaria à esfera jurídica, tanto nos processos judiciais quanto nos procedimentos administrativos realizados por outorga de delegações de notas e registros dos Estados.

25/6/2020

Não existem dúvidas que a tecnologia acarretou mudanças de relevo na remodelação do tecido social. Era certo que uma hora ou outra a tecnologia iria impregnar as mais variadas atividades, públicas e privadas, mas, com o advento da decretação da pandemia do novo coronavírus pela Organização Mundial de Saúde, não foram poucas as vozes ecoantes no sentido de antecipação desse fenômeno.

Diante desse cenário, é editado o provimento 100 do Conselho Nacional de Justiça, na data de 26 de maio de 2020, instituindo a realização de atos notariais eletrônicos através do sistema denominado e-Notariado.

Já no artigo 2º do provimento há expressa disposição de alguns conceitos importantes para se compreender os demais preceitos normativos. Um deles, em especial, chama a atenção: a digitalização ou desmaterialização, que seria “o processo de reprodução ou conversão de fato, ato, documento, negócio ou coisa, produzidos ou representados originalmente em meio não digital, para o formato digital” (inciso VIII).

O curioso é que tais termos são bastante difundidos por Peter Diamandis, fundador e presidente executivo da Singularity University, importante universidade americana com foco na inovação. O autor introduziu a noção dos “6Ds” das tecnologias exponenciais, incluindo seis características, todas se iniciando com a letra “d”, abarcando a digitalização, a decepção, a disrupção, a desmonetização, a desmaterialização e a democratização. Se a digitalização seria o primeiro passo das tecnologias exponenciais, onde altera-se o mundo físico para o digital, a desmaterialização é um processo mais avançado, consistindo "no desaparecimento dos próprios produtos e serviços", inserindo-os em outros mais econômicos e democráticos.1

Por certo, tal menção às constatações de Peter Diamandis é apenas uma referência literária para os termos utilizados pelo provimento 100 do CNJ, onde inseriu como sinônimo as palavras digitalização e desmaterialização.

O certo é: todo esse fenômeno tecnológico já estudado pelos mais diversos setores econômicos também chegaria à esfera jurídica, tanto nos processos judiciais quanto nos procedimentos administrativos realizados por outorga de delegações de notas e registros dos Estados. É justamente o que ocorreu com o provimento 100 do CNJ, inclusive trazendo influxos à realização de divórcios extrajudiciais.

Desse modo, a partir de agora, com a criação do sistema digital e-Notariado, todos os tabeliães do Brasil devem se utilizar desse sistema, independentemente de qualquer tipo de vacatio, o que inclui a prática de atos concernentes ao divórcio consensual extrajudicial.

O divórcio consensual extrajudicial realizado por Ofício de Notas em território nacional continuará sendo regido pelo CPC/15 e pela resolução 35 do CNJ. Mas, o que antes era realizado por meio presencial, agora passa a se operacionalizar por meios digitais.

É o caso, por exemplo, da forma pela qual a captação da manifestação de vontade é captada pelo tabelião. Isso porque, de acordo com a Resolução 35 do CNJ, será essencial para a lavratura da escritura pública de divórcio extrajudicial a manifestação de vontade espontânea e isenta de vícios em não mais manter a sociedade conjugal (art. 47). Se antes da vigência do provimento 100 essa manifestação de vontade era captada de forma presencial, agora ela o será através de videoconferência.

Para a realização do divórcio extrajudicial, o procedimento previsto na resolução 35 do CNJ deverá ser agora observado em consonância com o disposto no provimento 100. É possível fazer um paralelo entre o antes e o depois.

Vejamos.

Se, antes, o início do procedimento ocorreria de forma presencial ou através de meios não uniformes estabelecidos de forma unilateral pelo Ofício de Notas, agora, deverá ocorrer através de comunicação por telefone, endereço eletrônico de e-mail ou uso de plataformas eletrônicas de comunicação e de mensagens instantâneas (art. 32).

Nesse momento, deverão ser apresentados de forma digitalizada todos os documentos necessários para o divórcio consensual (certidão de casamento; documento de identidade oficial e CPF/MF; pacto antenupcial, se houver; certidão de nascimento ou outro documento de identidade oficial dos filhos absolutamente capazes, se houver; certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos; documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e direitos, se houver; declaração de inexistência de filhos comuns ou que são absolutamente capazes, indicando nomes e as datas de nascimento; declaração que a cônjuge mulher não se encontra em estado gravídico ou ao menos, que não tenha conhecimento sobre esta condição - art. 33 e 34).

No que concerne a segunda etapa, se, antes, ocorria a análise dos requisitos essenciais e a captação de vontade presencial ou através de procuração, agora, o tabelião designará videoconferência com os cônjuges, captando a manifestação de vontade de ambos. Nenhum dispositivo do provimento impõe que a videoconferência seja realizada em um único ato, de modo a ser viável interpretação no sentido de que ocorra a sua realização em separado.

Certamente, tal disposição mitigou a necessidade dos divórcios consensuais realizados por procuração, que era a exceção ao comparecimento presencial no momento da lavratura da escritura, conforme previsão no art. 36 da resolução 35 do CNJ.

Quanto à terceira etapa, se, antes, a lavratura da escritura pública ocorria de maneira física, agora ela se desenvolverá eletronicamente. As partes receberão um link de acesso para que assinem eletronicamente a escritura.

Também na escritura pública eletrônica deverá constar que as partes foram orientadas sobre a necessidade de apresentação de seu traslado no registro civil do assento de casamento, para a averbação devida (art. 43, resolução 35, CNJ). Assim, as partes deverão requerer a averbação no Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais.

Em relação à territorialidade, o divórcio deverá se desenvolver em qualquer Ofício de Notas do Município de domicílio das partes, a partir da verificação do título de eleitor ou de outro domicílio comprovado (art. 20, parágrafo único, e 21, II, provimento 100, CNJ). Observada essa circunscrição territorial, é livre às partes escolher o Ofícios de Notas de sua confiança.

Por isso, a previsão contida no art. 1º da resolução 35, CNJ que determina que “para a lavratura dos atos notariais de que trata a lei 11.441/07, é livre a escolha do tabelião de notas, não se aplicando as regras de competência do Código de Processo Civil” passa a ser interpretada em consonância com as previsões do provimento 100 do CNJ.

Dúvida pode vir a surgir no caso da existência de múltiplos domicílios pelos cônjuges, principalmente diante da atual possibilidade de mitigação do art. 1.566, II, que impõe a vida em comum, no domicílio conjugal. Nesse caso, parece que as partes poderão escolher entre os municípios de quaisquer dos domicílios.

Diante do exposto, é possível se concluir que, de fato, o provimento 100 foi bastante salutar ao trazer essa antecipação da era digital também para os procedimentos notariais, especialmente aos divórcios consensuais.

Nos moldes do exposto por Peter Diamandis, pode-se perceber que, independentemente de se tratar de uma etapa de digitalização ou de desmaterialização, o CNJ deu um importante passo para a inserção dos atos notariais também na era tecnológica.

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1 DIAMANDIS, Peter H; KOTLER, Steven. Bold: oportunidades exponenciais. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018.

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*Patricia Novais Calmon é advogada especialista em direito das famílias, sucessões e idoso. Mestranda em Direito Processual. Presidente da Comissão da Adoção e do Idoso do IBDFAM-ES. Diretora da Associação Brasileira de Advogados de Vitória - ES (ABA-ES).

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