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A insegurança jurídica e econômica do PL 1.397

PL 1.397 pretende criar o procedimento de negociação preventiva, suspender ações judiciais e alterar dispositivos na lei 11.101/05 por conta da covid-19, mas pode trazer mais insegurança jurídica.

24/6/2020

Enquanto o Brasil ainda vivencia uma curva ascendente nos casos de covid-19, e, a despeito disso, diversas localidades já iniciam seus processos de flexibilização das quarentenas impostas para contenção da doença, os efeitos econômicos da crise prometem ser igualmente desastrosos ao país.

Diante disso, são diversas as iniciativas no intuito de combater à crise que se anuncia, dentre as quais a maior parte tem se sustentado na ampliação da intervenção estatal na economia, seja por meio da injeção direta de recursos, ou por meio de alterações legislativas ou regulatórias, de modo a atenuar os efeitos negativos aos agentes econômicos neste período da pandemia, em que as previsões mais recentes apontam para uma queda de mais de 6% no PIB deste ano, conforme o último Boletim Focus, de 8.6.20201.

Dentre as diversas propostas, destaca-se o PL 1.397, de autoria do Deputado Hugo Leal, aprovado pela Câmara dos Deputados em 21.52, que tem como seus principais objetivos i) suspender por 30 dias as ações judiciais de natureza executiva que envolvam a discussão e/ou o cumprimento de obrigações vencidas após 20.3.2020 – marco inicial da pandemia, de acordo com o PL (art. 5º); e ii) estabelecer o Procedimento de Negociação Preventiva – procedimento de jurisdição voluntária inspirado no sistema francês de prevenção e antecipação da crise da empresa lei francesa – no qual o devedor poderá pleitear após a moratória legal, e que concede um período de suspensão adicional de 90 dias improrrogáveis, desde que comprove redução de mais de 30% em seu faturamento (art. 6º).

Além dessas medidas, a proposta prevê a suspensão por 120 dias das obrigações estabelecidas em Plano de Recuperação Judicial ou Plano de Recuperação Extrajudicial (art. 11º), bem como possibilita a apresentação de aditivos aos respectivos planos no mesmo prazo (art. 12º). Também reduz o quórum de aprovação de Plano de Recuperação Extrajudicial de 3/5 para maioria simples (art. 10º) e altera o limite mínimo para decretação de falência previsto no art. 94, I da lei 11.101/05 de 40 salários mínimos para R$ 100 mil (art. 13, II), dentre outras, como a proibição da decretação de falência por descumprimento de obrigação assumida no PRJ (art. 13, III) enquanto a lei estiver vigente (até 31.12.2020).

É inegável que num momento de crise extrema como estamos vivenciando, são necessárias providências que possibilitem a atenuação de seus efeitos, sejam elas em qualquer das áreas afetadas pela pandemia: sanitária, econômica, social, etc. No entanto, nos parece que as medidas propostas pelo PL 1.397, embora bem intencionadas, não terão o condão de surtir efeitos positivos na recuperação da economia brasileira. Na forma proposta, além de ter o potencial de gerar ainda mais insegurança jurídica em um país já castigado pela instabilidade institucional, política e econômica, caso aprovada, pode conturbar ainda mais o já complexo sistema de insolvência brasileiro, de modo a tornar o Brasil um lugar ainda menos estável e previsível para investimentos e consequentemente, para seu desenvolvimento.

Quanto aos procedimentos acima destacados, o maior problema parece estar na criação do procedimento de negociação preventiva, que empurra ao Judiciário uma solução que poderia ser negociada entre as partes. É bem verdade que o Brasil não tem muita tradição em negociações extrajudiciais ou na mediação, mas nunca é tarde para se avançar cultural e institucionalmente em práticas que só tem a contribuir para o seu desenvolvimento, além de coibir demandas desnecessárias ao Judiciário. Ademais, a proposta prevê a supervisão do Poder Judiciário no dito procedimento, porém não indica quais seriam as atribuições do Estado-Juiz na negociação preventiva, tornando o Judiciário mero espectador/fiscal de procedimento que deverá ser totalmente travado entre as partes.

Para exemplificar, a primeira moratória – de 30 dias, e prevista pela lei – até parece fazer sentido do ponto de vista econômico, porém dado que já nos encontramos em junho, nos parece que apenas confirma suspensões já avençadas, ou fornece elementos para afastar cobranças realizadas no período de 30 dias após o dia 20.3.2020.

Já a segunda moratória, prevista no procedimento de negociação preventiva – a ser pleiteado judicialmente, cabe relembrar – ocorrerá para que as partes busquem renegociar suas pendências. Contudo, além de não prever qualquer forma de incentivos à negociação, também não estabelece quais seriam as consequências caso as partes não cheguem a um acordo. Nesse contexto, o procedimento não passa de desnecessária antessala ao pedido de recuperação judicial, ou à falência. Isso não bastasse, ao devedor é garantido o direito de requerer recuperação judicial em caso de insucesso nessa etapa negocial, o que é natural, porém a proposta não prevê consequências caso não seja requerida a RJ pelo devedor, após o término das duas moratórias usufruídas (a legal, de 30 dias, e a segunda, de 60 dias). Desta maneira, a proposta apenas gera incentivos para postergação de obrigações, enquanto empurra o verdadeiro desfecho para os já existentes institutos da recuperação judicial ou extrajudicial e falência, o que não parece fazer sentido, sob o ponto de vista da eficiência econômica, ou mesmo da segurança jurídica.

Assim, ao vedar a decretação de falência no período da pandemia, a proposta tem o potencial de gerar incentivos à continuidade de atividades inevitavelmente fadadas ao insucesso e desincentivos a eficiência e renovação da economia, que por meio de um processo de destruição criativa, poderia auxiliar de maneira mais eficaz à transformação econômica em momentos de crise e ruptura como o que experimentamos neste momento. No futuro, corremos o risco de termos indústrias paradas, comércios fechados, serviços interrompidos, que infelizmente não terão retornado à normalidade pré-crise, mas por outro lado, atolaram o Judiciário em razão da criação de um procedimento desnecessário e ineficiente.

Portanto, o PL 1.397 não trata de forma adequada os problemas empresariais decorrentes da pandemia da covid-19 e que beirem à insolvência. Parece muito mais uma espécie de standstill legalizado, mas sem a intenção de abordar medidas concretas que poderiam auxiliar os agentes econômicos em sua recuperação (como incentivos fiscais, monetários e/ou creditícios), além de criar procedimento desnecessário sob a supervisão do Judiciário, que contribuirá apenas para seu congestionamento, mas muito pouco para a efetiva solução dos problemas que devem ser enfrentados.

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1 O Relatório Focus resume as estatísticas calculadas considerando as expectativas de mercado coletadas até a sexta-feira anterior à sua divulgação. Ele é divulgado toda segunda-feira. O relatório traz a evolução gráfica e o comportamento semanal das projeções para índices de preços, atividade econômica, câmbio, taxa Selic, entre outros indicadores. As projeções são do mercado, não do BC.  

2 Câmara aprova regras diferenciadas para recuperação judicial de empresas durante pandemia Fonte: Agência Câmara de Notícias. 

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*Carlos Alberto Doering Zamprogna é advogado, mestrando em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo IDP-SP. Especialista em Direito Internacional Público e Privado pela UFRGS; Direito Processual Civil pela Unoesc; e Finanças, Investimentos e Banking pela PUC-RS.

 

 

 
 
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