Desde sua promulgação, a Constituição Federal consagrou as famílias como base da sociedade1, outorgando a elas especial proteção do Estado, determinando a criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares2.
Para não deixar dúvidas a respeito de suas intenções, a Carta Magna, em observância aos seus fundamentos3 e objetivos4, expressamente reconheceu como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descentes5, ressaltando que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à convivência familiar e comunitária, colocando-os a salvo de toda forma de discriminação e violência6.
Em linha com as determinações constitucionais, buscando a elas dar efetividade, notadamente no que toca à proteção das famílias, o Código Civil de 20027 8 prevê que a separação judicial, o divórcio, a dissolução da união estável ou o fim de qualquer espécie de relacionamento, não tem o condão de modificar os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, muito menos o direito destes à convivência familiar saudável9 com ambos os genitores e respectivas famílias extensas.
Tal inalterabilidade de direitos e deveres encontra razão de ser na, digamos, poética previsão constitucional que faz com que a lágrima produzida pelo fim da família tradicional ou nuclear, da conjugalidade, irrigue a semente do afeto paterno-filial, fazendo brotar do caos duas ou mais famílias monoparentais, que, de igual forma, também contam com a proteção especial do Estado.
O legislador infraconstitucional, buscando reforçar a proteção especial que as famílias devem ter do Estado, em 2010, inseriu em nosso ordenamento a guarda compartilha, passando esta, em 2014, a ser a regra legal vigente10.
Conforme definição legal, a guarda compartilhada é a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres dos pais e das mães que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns11, devendo, sempre que possível, tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos, o tempo de convivência destes com os seus genitores ser dividido de forma equilibrada12.
Ocorre que alguns operadores do direito, apesar da clareza gramatical inserta no §3°, do art. 1.583, do Código Civil, no sentido de que " na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos", vêm buscando ou determinando a fixação de residência base ou lar de referência, o que, além de desvirtuar a determinação legal, não se amolda ao real espírito do compartilhamento da guarda, que busca o equilíbrio de direitos e deveres entre os genitores.
Na guarda compartilhada, a integralidade do poder familiar é partilhada conjuntamente por todos os genitores, notadamente no que tange à representação e assistência dos filhos, o que atrai a regra contida no art. 76, parágrafo único, do Código Civil, que afirma que o domicílio necessário do incapaz é o dos seus representantes legais.
Desta forma, na guarda compartilhada, as crianças ou adolescentes terão sempre dupla residência, considerando ser seus domicílios qualquer uma delas13, ainda que localizadas em cidades distintas.
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1 Constituição, art. 226, caput.
2 Constituição, art. 226, §8°.
3 Constituição, art. 1°, III.
4 Constituição, art. 3°, IV.
5 Constituição, art. 226, §4°.
6 Constituição, art. 227, caput.
7 Código Civil, art. 1.579, caput e parágrafo único.
8 Código Civil, art. 1.632.
9 Lei 8.069/90, art. 19, caput e §3°.
10 Código civil, art. 1.584, §2°.
11 Código Civil, art. 1.583, §1°.
12 Código Civil, art. 1.582, §2°.
13 Código Civil, art. 71.
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*Fernando Salzer e Silva é advogado familiarista e procurador do Estado de Minas Gerais.