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STF, patente de medicamento e a verdade não revelada

Discute-se, na ADIn, a impossibilidade de conceder uma compensação ao depositante de uma patente, na hipótese de haver demora no exame desse temporário monopólio (se houver demora superior aos 20 anos de vigência, em decorrência de atraso imputável ao INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial -, o depositante “ganha” mais 10 anos de monopólio).

22/6/2020

Encontra-se pendente de julgamento, perante o Supremo Tribunal Federal, a ADIn 5529, ajuizada pela Procuradoria Geral da República, na qual se afirma a inconstitucionalidade do artigo 40, parágrafo único, da Lei de Propriedade Industrial; essa ADIn é, na verdade, a reprodução da ADIn anteriormente ajuizada por ABIFINA-Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades.

Discute-se, na ADIn, a impossibilidade de conceder uma compensação ao depositante de uma patente, na hipótese de haver demora no exame desse temporário monopólio (se houver demora superior aos 20 anos de vigência, em decorrência de atraso imputável ao INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial -, o depositante “ganha” mais 10 anos de monopólio). Essa demora, ou backlog, decorre de inúmeros fatores, tais como insuficiência de estrutura e reduzido número de examinadores.

Significa dizer que, apesar de o prazo de vigência de uma patente de medicamento ser de, no máximo e por força de lei, 20 anos, a aplicação do artigo 40, parágrafo único, da LPI pode conceder ao depositante 30 anos ou mais de monopólio sobre determinada molécula.

Vale, nesse sentido, esclarecer uma questão que é, usualmente, distorcida na maioria das manifestações daqueles que defendem a constitucionalidade da norma. As instituições que preconizam e pedem o reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 40, parágrafo único da LPI, NÃO SÃO CONTRÁRIAS À INOVAÇÃO NEM MUITO MENOS À PATENTE. Respeita-se o monopólio temporário das patentes, aqui discutindo-se especificamente patentes de medicamentos. O que se combate é o abuso!

Esse abuso decorre, por exemplo, da prorrogação do uso exclusivo de determinado princípio ativo, por prazo superior a 20 anos, impedindo-se a fabricação e comercialização do correspondente medicamento genérico, o que, na prática, impõe à população, principalmente os mais vulneráveis, a indevida e injusta restrição ao acesso a tais medicamentos ou, até mesmo, a excessiva oneração do Poder Público, que se vê obrigado a adquirir o medicamento inovador pelo preço mais elevado, decorrente da prorrogação da vigência da patente. Esse abuso provocou a iniciativa da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos – PróGenéricos de intervir na ADIn em questão, para demonstrar os efeitos deletérios decorrentes da inconstitucionalidade da norma em referência, especialmente com relação ao acesso a medicamentos genéricos.

Ressalte-se que o medicamento genérico constitui cópia do medicamento de referência ou inovador, e somente pode ser comercializado após o vencimento da respectiva patente. Dessa forma, a invenção e inovação são motores de elevada importância para a produção e comercialização dos medicamentos genéricos. E, considerando a importância de tais medicamentos, não se pode admitir a extensão do prazo legal da patente, sob o risco de se atrasar a produção e comercialização dos genéricos.

Aliás, não basta a produção de uma cópia para que seja admitido o genérico. Necessária a prévia realização de exames de bioequivalência e biodisponibilidade, para se comprovar os mesmos efeitos e composição do medicamento inovador. E o início da comercialização depende da precificação do medicamento genérico em 35% a menos do que o referência, por determinação legal.

Esse engenhoso sistema legal promove, logo no início da comercialização do medicamento genérico, a ampliação do acesso da população ao medicamento.

Por outro lado, os defensores da constitucionalidade do artigo 40, parágrafo único da LPI argumentam que não se pode transferir para o titular da patente o ônus da demora na conclusão do procedimento de concessão de patente.

Todavia, há uma questão de suma relevância a ser contraposta a esse argumento. Na práxis do sistema patentário brasileiro, há um monopólio de fato; ou seja, desde a publicação do pedido de patente, o titular possui mecanismos e instrumentos processuais para inibir qualquer outra pessoa, natural ou jurídica, de explorar, fabricar e ou comercializar qualquer produto que possua o mesmo objeto cuja patente pretende obter.

Ou seja, o depositante do pedido de patente exerce, antes mesmo da concessão de tal patente, os direitos decorrentes do monopólio. A demora no exame e decisão de concessão de patente de medicamento NÃO impacta em qualquer direito do titular da pretendida patente.

O artigo 44 da lei 9279 outorga ao depositante de um pedido de patente o direito de obter indenização, com efeitos retroativos, decorrentes da exploração, por terceiros, do objeto da patente de medicamentos, aí acrescidos lucros cessantes, nos termos do artigo 210.

Além disso, decisões de nossos Tribunais vêm ampliando essa proteção, para permitir medidas constritivas em prol da mera expectativa de direito, decorrente de depósito de patente pendente de análise. Ou seja, antes mesmo da concessão da patente, o Poder Judiciário vem concedendo, por exemplo, medidas de busca e apreensão de produtos, que violariam, em tese, a pretendida patente.

Assim, a compensação, cuja constitucionalidade é disputada por algumas instituições privadas, constitui verdadeiro prêmio, bis in idem, para os depositantes de pedido de patente, na medida em que, além de lhes ser reconhecido o direito à indenização por danos materiais e lucros cessantes, ainda teriam direito a prazo superior ao limite legal para a vigência da patente.

Aqui não se discute proteção ao inventor, ao inovador, ou até mesmo de segurança jurídica, mas sim de atribuição de indevido e abusivo prêmio ao titular da patente, que não encontra paralelo em outros países que aplicam e respeitam o tratado internacional sobre patentes (Trade Related Aspects of Intellectual Property – TRIPS).

Os direitos da população, cujo acesso a medicamentos é restrito por força da inconstitucionalidade do artigo 40, parágrafo único, da LPI, são inequivocamente direitos fundamentais, tais como estruturados em nossa Constituição Federal.

Esses direitos fundamentais, de estatura constitucional, aí incluídos os direitos à igualdade e à saúde, devem ser preservados e protegidos pelo Estado, notadamente na sua dimensão intersubjetiva.

Mesmo que se admitisse que há outras normas ou princípios que deveriam ser analisados na avaliação da inconstitucionalidade do artigo 40, parágrafo único da LPI, ainda assim, aplicando-se a regra do “sopesamento”, tão cara a Robert Alexy (Teoria dos Direitos Fundamentais, p. 95/97), teríamos a prevalência das normas que atendem à coletividade de pessoas, parte delas em situação de extrema vulnerabilidade, e à necessária garantia de acesso ao medicamento, contrapondo-se, nesse diapasão, à alegada necessidade de postergar o uso exclusivo de medicamento, em prazo superior a 20 anos, para ampliar, abusivamente, o retorno de investimento em determinado estudo.

Em resumo, o inequívoco e abusivo monopólio de fato, exercido por diversos depositantes de pedidos de patente de medicamentos, que permite o amplo uso exclusivo do objeto do pedido durante a totalidade do prazo legal autorizado – 20 anos – e mesmo antes da concessão da patente, evidencia a inconstitucionalidade do artigo 40, parágrafo único das LPI, que concede um prêmio de mais 10 anos de uso exclusivo sobre determinado princípio ativo, retardando o lançamento de medicamentos genéricos e, consequentemente, restringindo o acesso da população a medicamentos.

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*Arystóbulo de Oliveira Freitas é sócio do escritório Arystóbulo Freitas Advogados.

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