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O Superior Tribunal de Justiça sumulou o entendimento acerca do tema, a fim de determinar que “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento.” – Súmula 130.

19/6/2020

É corriqueiro que ao desfrutar de um estacionamento, seja ele em shopping center, supermercado ou qualquer estabelecimento, o consumidor se depare com a placa: “NÃO NOS RESPONSABILIZAMOS POR O OBJETOS DEIXADOS NO VEÍCULO”.

No entanto, juridicamente exprimindo, muitos desconhecem a realidade fática, sendo certo que é direito do consumidor reaver o que lhe foi apoderado enquanto aproveitava esse benefício.

Cumpre mencionar que o Superior Tribunal de Justiça sumulou o entendimento acerca do tema, a fim de determinar que “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento.” – Súmula 130.

Depreende-se na análise da aludida súmula, a priori, que não trata especificamente de objetos deixados no interior do veículo, no entanto, em análise aos precedentes que originaram a redação do entendimento se observa que, em sua maioria, se tratavam de dano a bens guardados no interior de automóveis.

Tem-se, portanto, que o entendimento do STJ é no sentido de que o estabelecimento que predisponha um estacionamento para seus clientes ou, ainda, que seja sua a prática comercial, responde, de maneira objetiva, ou seja, independente de culpa, por danos ao veículo e objetos deixados no em seu interior.

Neste momento, é certo esclarecer que a prática de fornecer estacionamento aos veículos nada mais é do que uma prestação de serviços, pelo que há amparo no código consumerista. Dessa forma, infortúnios ocasionados no gozo de sua atividade são propulsores de ressarcimento, independente de culpa, eis que assim preconiza o Código de Defesa do Consumidor.

Ressalta-se que mesmo o estabelecimento comercial que ofereça estacionamento particular gratuitamente, estrategicamente focado na captação de clientela, haverá o dever de indenizar por quaisquer danos relacionados ao veículo ou objetos em seu interior.

À vista disso, é imprescindível colacionar as disposições contidas no artigo 14, do aludido código, veja-se:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

(...)

No cenário em exame, importante destacar que o estacionamento, ainda que por mera cortesia ou onerosidade, não se exime da responsabilidade de indenizar por eventuais danos ao veículo ou a objetos guardados em seu interior, bastando que se coloque como garantidor do bem móvel.

Nesse seguimento nos ensina Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves1:

Como ilustração concreta de falta de vinculação da cláusula de não indenizar na realidade dos contatos de consumo, cite-se a conhecida placa encontrada em estacionamentos, com dizeres próximos a “O estacionamento não se responsabiliza por objetos deixados no interior do veículo”. Ora, o estacionamento deve, sim, responder pela segurança no seu interior, o que é inerente à própria contratação, pois esse é o fator buscado pelos consumidores (causa contratual). Nesse sentido, repise-se o teor da Súmula 130 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”.

Para mais, independe de entrega de ticket ou bilhete de estacionamento, ou avisos eximindo da responsabilidade, sendo certa a indenização pelo estabelecimento por circunstanciais prejuízos, bastando que assegure o automóvel.

Aliás, esse é o entendimento majoritário do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Ad litteram:

EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - FURTO DE MOTOCICLETA EM ESTACIONAMENTO DE SUPERMERCADO - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA CONFIGURADA - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1) O supermercado é responsável pela guarda e segurança dos veículos parqueados em seu estacionamento. 2) Tal posicionamento foi pacificado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça no enunciado de súmula nº 130: "A empresa responde, perante o cliente, pela reparação do dano ou furto de veículo ocorridos em seus estacionamentos".  (TJMG -  Apelação Cível  1.0000.19.067620-5/001, relator(a): des.(a) Otávio Portes, 16ª Câmara Cível, julgamento em 19.02.20, publicação da súmula em 21.02.20)

E mais:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ART. 1.022 DO CPC/2015. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. FURTO EM ESTACIONAMENTO. ENTENDIMENTO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM EM SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. VERBETE 83 DA SÚMULA DO STJ. REVISÃO DO JULGADO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA DA LIDE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7 DO STJ. NÃO PROVIMENTO.

1. O acórdão recorrido analisou todas as questões necessárias ao deslinde da controvérsia, não se configurando ausência de fundamentação na prestação jurisdicional.

2. "Tradicionalmente, a jurisprudência desta Corte entende que os estabelecimentos comerciais e congêneres que fornecem estacionamento aos veículos de seu clientes respondem objetivamente por danos, furtos ou roubos. O entendimento - que foi consolidado na Súmula 130/STJ - é de que a disponibilização do estacionamento constitui mecanismo de captação de clientela para o estabelecimento, que, em troca dos benefícios indiretos que aufere, deve zelar pela segurança dos veículos dos consumidores, suportando os riscos inerentes à comodidade oferecida" (REsp 1426598/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe 30/10/2017). 3. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula 7/STJ). 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt nos EDcl no REsp 1.789.836/RS, rel. ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª turma, julgado em 29.10.19, DJe 19.11.19)

Acerca do tema, cumpre destacar que o código consumerista é categórico ao dispor que “É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.” – artigo 25.

Outrossim, o artigo 51 do aludido dispositivo legal é conclusivo ao desenvolver o conteúdo, veja-se:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

Dessa forma, quaisquer anúncios que tenham por finalidade desobrigar o estabelecimento da responsabilidade por eventuais danos a objetos guarnecidos no automóvel é classificada como prática abusiva e, consequentemente, nula.

Conclui-se, portanto, que o estabelecimento, seja ele fornecedor única e exclusivamente do serviço de guarnecer veículos, seja ele mero cortês ao conceber tal benefício, é responsável de forma objetiva, isto é, independente de culpa, pelos danos causados ao automóvel ou bens deixados em seu interior, sendo que os anúncios com escopo de eximir tal responsabilidade são considerados prática abusiva, portanto nulos.

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1 TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor. 6ª ed. Rio de Janeiro: Gen, 2017.

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*Cinthia Pereira é integrante da banca Chalfun Advogados Associados.

*Karen Rezende é integrante da banca Chalfun Advogados Associados.

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