A medida, publicada no decreto 10.350/20, viabiliza empréstimo às distribuidoras, duramente impactadas pela redução do consumo, aumento da inadimplência e outros efeitos econômicos da pandemia. Por funcionarem como o caixa de um setor formado por agentes interdependentes, a ideia é conferir liquidez a elas para garantir adimplência de contratos com toda cadeia, evitando efeito negativo em cascata e desestabilização do segmento elétrico.
Para tanto, o decreto prevê a criação da Conta-covid. Nela, serão centralizados recursos que a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) tomará por meio de empréstimo sindicalizado, coordenado pelo BNDES e lastreado em ativos tarifários. Formato de operação estruturada que deve garantir condições e taxas mais vantajosas do que seriam disponibilizadas aos agentes que buscassem, de modo autônomo, empréstimos individuais.
Estima-se que o valor do empréstimo superará dez bilhões de reais. O recurso será destinado à cobertura de déficits ou antecipação receitas, mas não cobrirá todo e qualquer prejuízo – o custo da inadimplência, por exemplo, foi excluído do socorro. Os repasses serão calculados mensalmente pela ANEEL com base nas solicitações de cada distribuidora e em estimativas da diferença acumulada entre cobertura tarifária e despesas validadas, limitados ao total de captação que ainda será estabelecido.
O empréstimo e todos seus custos acessórios serão pagos via encargo tarifário, que será acrescido à conta de luz a partir de 2021. Serão quotas adicionais à Conta de Desenvolvimento Energético, pagas por consumidores cativos e por aqueles que migraram para o ambiente livre a partir de 08.04.20. Caso tal arrecadação seja insuficiente, há previsão de quotas extraordinárias, a serem recolhidas pelas próprias distribuidoras.
Para obter o auxílio, as distribuidoras deverão aderir a condições pré-definidas que as proíbem de (I) solicitar suspensão ou redução de contratos de compra de energia, (II) distribuir dividendos acima de 25% do lucro líquido, caso fiquem inadimplentes, e (III) discutir, em sede judicial ou arbitral, os efeitos da sobrecontratação, o saldo da “Parcela A”, a neutralidade dos encargos setoriais e outros itens dispostos no decreto. Para pedidos residuais de reequilíbrio da concessão, caberá processo administrativo junto à ANEEL.
O decreto traz outros aspectos relevantes, mas não dispensa regulação complementar para ser levado à efeito. Inclusive no tocante à medida de amparo aos grandes consumidores do setor industrial e produtivo (Grupo A) que, a depender de regulamentação da ANEEL, poderão diferir ou parcelar parte dos pagamentos devidos pela potência contratada.
Estima-se que o socorro evitará reajuste imediato de 12% das tarifas. De acordo com o Ministério de Minas e Energia, a conjunção das medidas propostas “endereça os problemas vivenciados pelas distribuidoras, ao lhes garantir recursos financeiros necessários para compensar a perda de receita temporária em decorrência da pandemia; protege o resto da cadeia setorial ao permitir que as distribuidoras continuem honrando seus contratos; e, em última instância, o consumidor final, por poupá-lo de aumentos tarifários numa conjuntura de crise mundial, de redução da capacidade de pagamento e dos orçamentos familiares.”
Em termos mais realistas, a solução apresentada comporta diversas críticas. Porém, é necessário reconhecer sua virtude: uma resposta sistêmica e coordenada para questões urgentes. Busca mitigar danos, reter imediata onda de judicialização e garantir solvência no curtíssimo prazo – e assim, cria condições para diálogo menos imediatista e mais maduro sobre medidas de reequilíbrio adicionais, indispensáveis ao enfrentamento da crise e estabilização do setor.
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*Rafaella Peçanha Guzela é especialista em Negócios do Setor Elétrico pela FGV-SP. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e em Administração pela FAE (PR). Advogada no escritório XVBM Advogados.