Introdução
A necessária reforma do sistema tributário nacional é um tema que vem sendo amplamente ventilado nos últimos meses nos corredores do congresso nacional, tendo em vista a recente aprovação da reforma na previdência, e o constante caos econômico e político em que se encontra o Brasil nos últimos anos.
Assim, muitos políticos, empresários e a sociedade como um todo, vem tratando a reforma tributária como uma das pautas essenciais para que o Brasil possa visualizar uma luz no fim do túnel na sua economia. Ou seja, uma medida de suma necessidade para retomar as diretrizes positivas do cenário socioeconômico do país.
Entretanto o presente artigo busca analisar eventuais benefícios e malefícios que as propostas colocadas à mesa do Congresso Nacional podem trazer aos contribuintes brasileiros, bem como as consequências que uma reforma imediatista poderia causar.
Antes de adentrar especificamente às modificações que referida reforma traria ao sistema tributário brasileiro, cumpre ressaltar a principal questão que envolve toda essa alteração normativa do sistema de arrecadação nacional, qual seja: a criação de um único imposto federal que tem por objetivo unificar os tributos que, atualmente, são as maiores fontes de arrecadação da União, dos estados e dos municípios.
Imposto sobre Bens e Serviços (IBS)
Conforme supra destacado, a proposta de reforma tributária traz como principal alteração a criação de um imposto federal unificado, o IBS (modelo de Imposto Sobre Valor Agregado – IVA, utilizado em vários países).
A criação do imposto em questão tem como principal característica a centralização e desburocratização do sistema arrecadatório.
Atualmente no congresso existem duas propostas de emendas constitucionais que são vistas como as principais para reforma do sistema de tributação brasileiro: A PEC 45/2019 (prevê a extinção do PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) e a PEC 110/2019 (prevê a extinção do PIS, COFINS, IPI, ICMS, ISS, IOF, salário-educação, CIDE-combustíveis e Pasep).
No presente estudo vamos dar um enfoque maior na proposta trazida pela PEC 45/2019, que tem sido a mais aceita nas mesas de debate, com a finalidade de demonstrar como será realizada a instauração desse novo sistema.
Resumindo, a instituição do IBS levaria à extinção, ou melhor dizendo, à substituição do PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS, sendo estes as principais fontes de arrecadação em matéria tributária do estado brasileiro.
Mas como se daria a arrecadação por meio deste novo imposto?
Basicamente o IBS é um imposto de caráter nacional, cuja alíquota será formada pela soma das alíquotas no âmbito federal, estadual e municipal, e incidirá sobre base ampla de bens e serviços.
Ademais, referido imposto terá caráter não-cumulativo (adoção do regime de crédito financeiro), sendo cobrado em todas as etapas da linha de produção e comercialização. Ou seja, serão tributadas todas as utilidades destinadas ao consumo.
A ideia é de que a transição tributária ocorra em 10 anos, nos quais:
(i) Nos dois primeiros anos haverá um período de teste no qual será implementada uma redução gradativa da alíquota apenas do COFINS, bem como a implementação de uma alíquota fixa de 1% referente ao IBS;
(ii) A partir do terceiro ano as alíquotas de todos os tributos atualmente existentes (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) serão reduzidas em 1/8 por ano até a extinção de todos, e a alíquota do IBS será aumentada para repor a arrecadação anterior.
Por fim, toda a arrecadação do imposto será destinada a um caixa separado do Tesouro Nacional, de tal forma que a União, os estados e os municípios teriam acesso automático aos seus recursos.
Dá análise inicial e superficial da proposta, parece, aos olhos dos contribuintes, que a unificação dos tributos relacionados aos bens e serviços traria enorme simplificação no sistema de arrecadação e no planejamento tributário das empresas, bem como uma diminuição nos encargos fiscais suportados atualmente.
Entretanto, a partir de uma análise mais aprofundada do tema, é possível verificar diversos pontos de relevante controvérsia e significativo prejuízo que os contribuintes possam vir a sofrer. Vejamos:
Contras
Fatores econômicos e sociais:
- Em primeiro lugar, vale ressaltar que a proposta visa única e exclusivamente simplificar o modelo de arrecadação, mas não tem como finalidade reduzir a carga tributária suportada pelos contribuintes. Ou seja, as empresas continuariam, de forma simplificada, pagando o mesmo valor pago atualmente nos tributos cuja extinção se propõe.
Tal ponto é de extrema relevância pois a grande reclamação dos contribuintes hoje em dia se dá em dois planos: sistema tributário complexo e enorme carga tributária.
Segundo levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a alíquota do IBS se aproximaria do nível de 27%, o que colocaria o Brasil entre os países com maior alíquota do mundo, ao lado de Noruega, Hungria, Dinamarca e Suécia (países de primeiro mundo). Assim, nossa arrecadação continuaria sendo uma das maiores em escala global!
A alta carga suportada não é correspondida em contraprestação aos contribuintes, contrariando um princípio fundamental do direito tributário brasileiro, qual seja o da destinação dos recursos públicos (princípio da retributividade tributária). Ou seja, as pessoas físicas e jurídicas hoje no Brasil não enxergam uma atuação por parte do estado, de forma a fazer valer a quantidade exorbitante de tributos pagos.
Portanto, a reforma tributária acaba por tratar de apenas um dos dois pilares que envolvem a necessidade de revisão do sistema de tributação brasileiro como um todo.
- Ademais, analisando a unificação dos tributos, chega-se à conclusão, de forma prática, que qualquer tratamento de favorecimento para um determinado setor exigirá que as alíquotas sejam mais elevadas para os demais setores, o que acaba por gerar um descompasso e um desequilíbrio econômico, bem como afronta uma igualdade que deveria, ao máximo, permear todos os setores da economia.
- Não obstante, o entendimento trazido pela proposta é o de que o IBS não deve ser utilizado com fins extrafiscais, pois o objetivo da criação de um único imposto seria o de só cumprir o papel de arrecadação.
Ocorre que, neste novo sistema as empresas que hoje fazem jus a benefícios fiscais (e que teriam tais benefícios cancelados), teriam um aumento significativo na sua carga tributária. Além disso, os benefícios fiscais têm como objetivo promover e incentivar o desenvolvimento dos estados mais pobres. Assim, a extinção de tais benefícios poderia beneficiar somente os estados mais ricos, em que as empresas, naturalmente, buscariam investir.
Da administração tributária e os reflexos nos contribuintes:
- Com relação às operações interestaduais e intermunicipais, tanto para a instituição de alíquota como para a cobrança do imposto, seria adotado como competente o local de destino (princípio do destino).
Entretanto, a transição de distribuição de receitas entre os estados e entre os municípios, ou seja, a distribuição entre os entes públicos dos proveitos advindos do IBS e do ISS/ICMS, teria um tempo estimado de 50 anos! À primeira vista, referida transição em nada afetaria o bolso dos contribuintes, mas caso a esse processo não seja realizado de forma totalmente regular e coordenada, poderia vir a ocasionar um aumento na carga tributária suportada;
- Além disso, o projeto prevê que os créditos tributários que os contribuintes fazem jus, seriam substituídos por títulos públicos. Na prática, os contribuintes não poderiam compensar os valores referentes aos créditos que faziam jus, bem como entrariam na enorme e morosa fila de recebimento de títulos públicos;
- Por fim, outro o tema que traz grande atenção e impulsiona grandes discussões sobre a reforma, diz respeito à ameaça do federalismo, bem como necessidade de adesão dos estados ao novo sistema dotado.
Isto porque, o plano é de que cobrança do imposto seja gerida pela União, estados e municípios de forma coordenada e harmonizada, mas o ato arrecadatório seria realizado apenas pelo ente federal. Eventuais litígios seriam tratados da seguinte maneira: contencioso administrativo (primeira instância: estadual; segunda instância: federal) e contencioso judicial (federal). Tal modelo levanta muitas dúvidas acerca da autonomia dos entes federados (tendo em vista a predominância da atividade do ente federal), bem como demandaria uma completa adesão por parte dos estados e municípios, para que se evite conflitos com a União.
Certo é que eventual conflito entre os entes federados, seja por discordância no processo de fiscalização, arrecadação, contencioso ou de distribuição, acabaria, ao final das contas, recaindo em ônus sobre os contribuintes.
Neste ponto, cumpre esclarecer que a proposta trazida pela PEC 110/2019, estipula a criação de uma mesma alíquota de IBS para todos os entes, fixada por lei complementar. Neste sistema, caberia aos estados e aos municípios apena a gestação e regulamentação. Ou seja, esta outra proposta traz ainda mais dúvidas acerca de uma ameaça ao sistema federalista do Brasil.
Prós
- Sentido contrário, é inegável que a unificação dos tributos torna o sistema arrecadatório muito mais simples, além do que tende a reduzir drasticamente o contencioso tributário (tanto administrativo como judicial) e torna muito mais transparente o financiamento de políticas públicas.
A criação de um Imposto sobre valor agregado, traria uma simplificação na verificação da ocorrência do fato gerador (tendo em vista que amplia a base de cálculo, diminuindo a diversidade de formas de incidência), e diminuiria as discussões acerca do montante exato a ser pago (diminuição na multiplicidade de alíquotas), além de possibilitar a tão sonhada solução ao problema da guerra fiscal enfrentada hoje pelos estados e seu contribuintes.
- Não obstante, o novo modelo tem como proposta trazer a desoneração às exportações e aos investimentos, o que fomentaria o mercado interno, atrairia investidores estrangeiros, bem como traria uma maior igualdade na competitividade entre as empresas brasileiras.
- Cabe também ressaltar a questão da celeridade no ressarcimento de créditos acumulados pelos contribuintes pelo novo sistema, sendo este prazo de 60 dias contado a partir do pedido formulado e, em caso de indícios de irregularidade na constituição dos créditos, o prazo seria estendido por mais 120 dias. Entretanto, é necessário se atentar ao fato de que os procedimentos administrativos no Brasil são muito morosos, e o caixa do estado brasileiro não se encontra nos seus melhores dias, de tal forma que a determinação de um prazo célere para realizar referida restituição poderia gerar mais problemas de inadimplência do estado.
- No que diz respeito à destinação da arrecadação tributária, a nova proposta determina a redução na rigidez orçamentária, sem, no entanto, afetar as destinações atuais de recursos. Isto porque, cada alíquota específica do IBS (destinadas a saúde, educação, etc.) seria gerenciada individualmente pelos municípios, estados e União. Desta forma, a possibilidade de decomposição das alíquotas específicas tornaria mais transparentes aos contribuintes as destinações e investimentos de políticas públicas adotadas pelos entes federados.
- Por fim, os defensores da reforma tributária afirmam que (ao contrário do citado no tópico sobre os pontos contrários) os estados mais pobres se beneficiariam do novo imposto. Isto porque, a distribuição da receita teria uma proporção referente à produção e uma proporção referente ao consumo, de tal forma que os estados que consomem mais e produzem menos se beneficiariam dos estados que produzem mais e consomem menos.
Outros pontos
Além dos principais temas que recaem sobre a criação do IBS, outros pontos de debate também devem ser discutidos, estando alguns deles já relacionados à proposta de reforma tributária, e outros não relacionados.
- Diversos tributaristas entendem que acima do nosso complexo sistema de arrecadação, um dos grandes fatores que levam o enorme número de litígios, se deve pela ausência de diálogo entre os contribuintes e a fiscalização. A busca pelo diálogo traria uma diminuição significativa na quantidade de autuações que as empresas sofrem atualmente.
- Outro ponto que também visa diminuir o contencioso tributário e que deve ser pauta de discussão na reforma tributária, é a possibilidade de se implementar um tribunal arbitral de matéria tributária.
Assim como a transação tributária, o processo arbitral não precisaria necessariamente ser regulado pela constituição federal. A ideia é que uma reforma no sistema tributário preveja a possibilidade de criação de um tribunal arbitral, determinando, somente, as diretrizes básicas que o procedimento arbitral deveria seguir.
- Continuando a listagem de outros temas que devem ser objeto de amplo debate, agora no que diz respeito a temas já tratados na proposta de reforma, cabe ressaltar a possibilidade de criação de um imposto seletivo federal incidente sobre produtos que se entende por serem prejudiciais à sociedade, como por exemplo bebidas alcoólicas e cigarros. O debate pela criação de referido imposto tem como fundamento a afronta do princípio da igualdade, bem como da liberdade econômica dos empresários que atuam nesses mercados.
Seria este realmente a forma correta de buscar combater o uso de tais produtos? Ou o enorme encargo tributário trazido por tal seleção teria como único efeito apenas atentar contra o bolso do contribuinte final?
- Outro tributo cuja criação o Governo Federal defende como necessária, seria o imposto sobre pagamentos digitais. O atual ministro da economia defende que a criação deste novo imposto possibilitaria a diminuição da alíquota de IBS em até 11%, o que estimularia o mercado interno.
Entretanto, o tema é visto pelo poder legislativo (presidentes do senado e câmara dos deputados) como inviável, pois o brasileiro não suportaria a criação de mais este imposto, principalmente relacionado sobre suas movimentações financeiras. O diretor do Centro de Cidadania Fiscal também é contrário à instituição deste imposto único sob o argumento de que o mesmo não dispõe de isonomia, transparência e neutralidade.
- Outro ponto de complexidade que merece um debate aprimorado, seria o da criação de um modelo que se adequasse ao atual modelo do simples nacional.
O projeto da reforma traz duas opções para as empresas optantes atualmente pelo Simples Nacional, quais sejam:
(i) manutenção do formato atual, no qual as referências aos atuais tributos seriam substituídas pela IBS. Neste modelo, as empresas, por óbvio, não fariam jus aos créditos do IBS e nem transfeririam créditos do imposto;
(ii) adoção do regime de crédito e débito normal do IBS (o mesmo adotado pelas demais empresas), sendo que as alíquotas incidentes sobre o faturamento seriam adequadas às parcelas atualmente destinadas ao PIS, COFINS, ICMS, ISS e IPI (as demais incidências do SIMPLES sobre o faturamento seriam mantidas).
- A desoneração folha de pagamento é um dos temas estudados que pode integrar a proposta já posta à mesa na câmara dos Deputados. Com isso, para fins de se compensar tais perdas, se estuda a possibilidade de tributação de dividendos.
A reforma tributária é de tanta complexidade e abrangência que ainda caberia mais discussões sobre possíveis alterações que poderiam vir a ter, como as propostas da PEC 110/2019 acerca da: Incorporação da CSLL pelo IRPJ; do ITCMD passar a ser de competência federal; do IPVA passar a atingir novos veículos automotores (aeronaves embarcações), mas excluir outros (veículos destinados à pesca ou transporte público).
Enfim, a reforma tributária abrange muito mais que apenas a unificação de diversos tributos em um único IVA, sendo certo que tais mudanças são tão significativas e merecem o devido destaque nas discussões a serem travadas.
Comentários finais
Conforme mencionado no início, o presente artigo não tem como finalidade apresentar questões de extrema técnica e especificidade, não busca trazer somente os pontos negativos ou somente os pontos positivos da proposta de reforma tributária, e não levanta todos os pontos de debate que a alteração no sistema tributário venha a trazer.
O objetivo aqui é trazer reflexão sobre a necessidade confrontada com a complexidade que uma reforma tributária feita e sancionada às pressas poderia refletir.
Acrescente a tal discussão a crise financeira que o coronavírus trouxe ao mercado brasileiro, cujas consequências serão suportadas durante meses ou anos, razão pela qual os contribuintes buscam na reforma tributária uma suposta solução de melhoria nos seus caixas.
Ao nosso ver, uma reforma que não se atente a todas as futuras consequências que se possam ter, possibilita um aumento nos encargos fiscais suportados pelos contribuintes, bem como um aumento na litigiosidade, indo em sentido contrário ao objetivo da nova sistemática.
Entretanto, cabe destacar que o modelo apresentado parece estar alinhado com a necessidade de evolução no nosso sistema tributário (unificação de tributos), visando a sua simplificação e desburocratização, o que, sem sobra de dúvidas, impulsionaria o mercado nacional.
Por fim, também vale refletir e acalorar as discussões sobre demais pontos que já envolvem, ou poderiam envolver, uma reforma tributária em outros aspectos que também visem a desburocratização do sistema: proximidade entre fiscal e contribuintes durante o processo de fiscalização; possibilidade de se implementar a arbitragem tributária no brasil; a previsão na criação de programas que estimulem o pagamento efetivo de tributos por contribuintes inadimplentes; uma maior atenção às possibilidades não só de criação, mas também de estimulo à adesão, das transações tributárias.
Em suma, a reforma, que visa uma simplificação no sistema tributário nacional, deve ser abarcada por uma vasta bagagem de discussões acerca de diversos temas (não podendo ser tratado de forma simplória), para que se obtenha, ao final, uma sistemática benéfica tanto aos contribuintes com ao estado brasileiro, frisando sempre pela celeridade, responsabilidade e cautela na aprovação deste projeto.
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