Para evitar essa crise generalizada nas empresas tendo em vista os impactos do coronavírus, o deputado Federal Hugo Leal apresentou o PL 1.397/20 que institui medidas de caráter emergencial destinadas a prevenir a crise econômico-financeira de agentes econômicos, alterando, em caráter transitório, dispositivos da lei 11.101/05, relativos ao regime jurídico da Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência, cujo seu substitutivo foi aprovado em 21 de maio de 2020 pelo Plenário da Câmara dos Deputados e seguirá para deliberação do Senado Federal.
Referido projeto de lei encontra-se estruturado em 3 (três) capítulos intitulados: Capítulo I – Do Sistema de Prevenção à Insolvência (que, por sua vez, contém duas seções: Seção I – Da Suspensão Legal e Seção II – Da Negociação Preventiva), o Capítulo II – Das Alterações Provisórias da lei 11.101/05, e, por último, o Capítulo III – Das Disposições Finais, os quais, passamos a discorrer através do presente estudo.
Do sistema de prevenção à insolvência
Em total compasso com a Ordem Econômica Brasileira, instituída pelo artigo 170 da Constituição Federal, o Sistema de Prevenção à Insolvência, implementa uma série de medidas passageiras que asseguram a preservação do agente econômico, a fim de que permaneça cumprindo a sua função social, viabilizando, assim, o estímulo à atividade econômica e ao desenvolvimento nacional para a implantação de uma sociedade justa e solidária, pautada na livre iniciativa e na valorização do trabalho.
Nesse passo, torna-se importante estabelecer que o PL 1.397/20 considera agente econômico qualquer pessoa natural ou jurídica de direito privado que exerça ou tenha por objeto o exercício de atividade econômica em nome próprio, independentemente de inscrição ou da natureza empresária de sua atividade e desde que este não se enquadre na definição de consumidor, ou seja destinatário final de determinado produto ou serviço, nos termos do art. 2º da lei 8.078/90. Abre-se aqui um precedente de abarcar no processo recuperacional entes jurídicos excluídos, por muitos entendimentos, da lei 11.101/05, como produtores rurais e exercentes de atividades econômicas civis, setores extremamente importantes para a economia brasileira.
Suspensão legal
O projeto suspende por 30 (trinta) dias, a contar da vigência da lei, os atos de constrição judicial de ações de execução que envolvam discussão ou cumprimento de obrigações vencidas após 20 de março de 2020, bem como ações revisionais de contrato, sendo certo que, durante o período, não haverá excussão judicial ou extrajudicial de garantias reais, fiduciárias, fidejussórias e coobrigações, cobranças de multas, decretação de falência e resolução unilateral de contratos bilaterais. Originalmente era previsto a suspensão do cumprimento de ordens de despejo por falta de pagamento, que fora retirado do projeto, uma vez tratado no PL 1.179/20.
Durante o mencionado período, o devedor e os credores deverão buscar, saídas extrajudiciais e diretas, levando em consideração os impactos econômicos e financeiros causados pela pandemia de covid-19, ou seja, a suspensão legal busca criar um ambiente adequado de negociação entre devedor e credor, retirando deste último as medidas de constrição de bens que poderiam obstar ou dificultar uma composição entre as partes.
Cabe ressaltar que a negociação de que a legislação trata, em muitos casos já em andamento pelas partes envolvidas, é essencial para se evitar judicialização do processo e deve ser utilizada fortemente pelos entes envolvidos para aprimoramento de seu relacionamento econômico, uma vez que é um princípio importante para se evitar o litígio, assim como uma sobrecarga de demandas no Poder Judiciário.
Por fim, consigne-se que a suspensão legal proposta no projeto não pode ser confundida com mero descumprimento das obrigações – “calote” -, tendo em vista que a medida está alinhada com a legislação de diversos outros países, tais como Estados Unidos da América, Cingapura, Alemanha, Reino Unido, dentre outros.
Negociação preventiva
Encerrado o período de suspensão legal, o agente econômico que tenha redução igual ou superior a 30% (trinta por cento) de seu faturamento, comparado com a média do último trimestre do último exercício fiscal, poderá ingressar na Justiça com procedimento de jurisdição voluntária, denominado negociação preventiva.
O pedido será distribuído ao juízo com competência falimentar do local do principal estabelecimento do devedor, que será o responsável para verificar os requisitos objetivos do pedido, isto é, se o devedor é agente econômico ou não e se teve redução do faturamento acima indicada, sob pena da extinção do procedimento. Neste caso, não cabe constatação prévia e caso o processamento seja aceito, as ações de execução contra o devedor permanecerão suspensas por mais 90 (noventa) dias.
A participação dos credores nas rodadas de negociação preventiva será facultativa, cabendo ao devedor informá-los sobre o início das sessões, que deverão ocorrer em um prazo máximo de 90 (noventa) dias, quando o devedor deverá informar ao juiz os resultados das negociações em um prazo máximo de 60 (sessenta) dias, onde apresentará relatório sobre os trabalhos desenvolvidos, possibilitando ao juízo responsável determinar o arquivamento dos autos.
Ressalta-se que, neste ponto, foi retirada a obrigatoriedade de um negociador ou mediador entre a parte credora e devedora, certo que isto não diminui a importância de tal figura, como em qualquer processo de reorganização empresarial.
O projeto estabelece ainda que, caso seja ajuizado pedido de recuperação judicial na sequência, o período de Suspensão Legal de 90 (noventa) dias será deduzido do chamado stay period (prazo de 180 dias, segundo a LRE, em que todas as ações e execuções promovidas contra o devedor são suspensas).
Destaque-se que, neste ponto do projeto de lei, somente o agente econômico apto a dar prosseguimento ao processo de recuperação judicial ou extrajudicial será aquele caracterizado pelo art. 1.º da lei 11.101/05 (empresário e sociedade empresária), com suas limitações, e não o agente econômico caracterizado pelo §1.º deste PL 1.397/20
Requerida a recuperação judicial ou extrajudicial, na forma da lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, ou constatada a hipótese do ajuizamento dentro do período da Suspensão Legal, em até 360 (trezentos e sessenta) dias do acordo firmado durante o período da suspensão legal ou da negociação preventiva, o credor terá reconstituído seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no durante os procedimentos de Suspensão Legal ou de Negociação Preventiva.
Aqui, também importante pontuar, que diferentemente da lei 11.101/05, que originalmente impede negociações bilaterais em seu procedimento, há a previsão de que possa haver pagamentos de débitos no decorrer do procedimento da negociação preventiva, e que serão abatidos de um eventual quadro de credores sujeitos aos efeitos da recuperação judicial.
Não podemos olvidar que a negociação preventiva encontra inspiração ou fonte na diretiva 1.023/19, da União Européia, no procedimento de mandato ad hoc e na conciliação prevista no direito francês.
Das alterações provisórias da lei 11.101/05
Neste capítulo, o projeto de lei objetiva salvaguardar as empresas que se encontram em processo de recuperação judicial ou extrajudicial e que foram afetadas pela pandemia ocasionada pelo covid-19 e somente serão aplicadas aos processos iniciados ou cujos respectivos planos de recuperação judicial ou extrajudicial forem aditados durante o período de vigência deste projeto de lei, qual seja, a data de sua publicação até 31 de dezembro de 2020.
Inicialmente, este capítulo prevê, em seu art. 10, mudanças aos processos de recuperação extrajudicial, que passa a abranger todos os créditos existentes na data do pedido, exceto os créditos de natureza trabalhista e tributária, bem como, aqueles que contarem com as garantias previstas no art. 49, § 3º, da LRF e contratos de ACC.
O PL também modifica o quórum de aprovação do plano de recuperação extrajudicial que, durante a vigência desta lei, fica reduzido para a metade mais um de todos os créditos de cada espécie abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial.
Demais disso, o pedido de processamento da recuperação extrajudicial poderá ser ajuizada com a comprovação da anuência de credores que representem pelo menos 1/3 (um terço) de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos, desde que, no prazo improrrogável de 90 (noventa) dias, contados da data do pedido, o devedor se comprometa a atingir o quórum de metade mais um de todos os créditos de cada espécie abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial. Caso o Devedor não atinja este quorum, ele poderá converter o procedimento em recuperação judicial.
Além disso, o projeto de lei em questão, materializa o entendimento jurisprudencial e estabelece a aplicação do stay period à recuperação extrajudicial, exclusivamente em relação às espécies de crédito por ele abrangidas.
Com relação às recuperações judiciais em curso, o PL 1.397/20 determina em seu art. 11 que as obrigações previstas nos planos de recuperação judicial ou extrajudicial já homologados, independentemente de deliberação da assembleia geral de credores, não serão exigíveis do devedor pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias, vedada a decretação de falência.
Da mesma forma, fica autorizada a apresentação de novo plano pelo devedor que já tiver plano de recuperação judicial ou extrajudicial devidamente homologado pelo juízo, com direito a um novo período de suspensão estabelecida no art. 6.º da lei 11.101/05 (stay period), limitado ao período referido no art. 11 deste projeto de lei, podendo sujeitar créditos posteriores ao pedido de recuperação judicial ou extrajudicial já homologado ou em curso, sendo certo que este novo plano deverá ser aprovado pelos seus credores nos termos do procedimento específico, isto é, deverá ser aprovado em Assembleia Geral de Credores.
Com relação ao procedimento de aprovação do plano aditado, serão considerados para votação os créditos originais, tanto para o cálculo de montante a pagar, quanto para cômputo de votos, deduzidos os valores eventualmente pagos.
Os créditos oriundos de financiamentos ao devedor, excepcionalmente e com a expressa anuência do juízo, serão considerados extraconcursais. Esta é uma medida de cunho econômico de extrema importância, uma vez que este tipo de crédito, conhecido como DIP (Debtor-in-possession financing) é um recurso valioso e importantíssimo para o soerguimento de um agente econômico em momentos de baixa capacidade de caixa.
O projeto de lei ainda modifica alguns procedimentos durante a sua vigência, que observarão as seguintes disposições:
I) A desnecessidade do devedor não ter pedido recuperação judicial nos últimos cinco anos e homologação de plano de recuperação extrajudicial nos últimos dois anos e cumprimento do prazo de 2 anos de exercício de atividade empresarial (dispensa dos requisitos do art. 48, caput, incisos II e III e 161, §3º, da lei 11.101/05;
II) O limite mínimo para a decretação da falência para efeito do art. 94, I, da lei 11.101/05 passa a ser de R$ 100.000,00 (cem mil reais), verificado na data do ajuizamento do aludido pedido;
III) Fica vedada a decretação de falência por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, obviamente, durante o período de vigência destas disposições transitórias.
Sobre o plano especial recuperação para microempresa e empresa de pequeno porte, o parcelamento passa de até 36 (trinta e seis) parcelas para até 60 (sessenta) parcelas mensais, iguais e sucessivas, podendo admitir a concessão de desconto ou deságio e, se corrigidas monetariamente, observarão a taxa de juros equivalente à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para títulos federais, sendo certo que, o pagamento da primeira parcela deste parcelamento deverá ocorrer em até 360 (trezentos e sessenta) dias, contados da distribuição do pedido de recuperação judicial ou de seu aditamento.
Por fim, o PL 1.397/20 estabelece que durante o seu período de vigência ficam suspensos os atos administrativos de cassação, revogação, impedimento de inscrição, registro, código ou número de contribuinte fiscal, independentemente da sua espécie, modo ou qualidade fiscal, sob a sujeição de qualquer entidade da federação que estejam em discussão judicial, no âmbito da recuperação judicial, o que é salutar, para que o devedor possa se organizar sem a pressão de ter seu nome negativado.
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*Alexandre Temerloglou é gerente de projetos – Siegen.
*Luis Bacelar é Sócio e Advogado – LGBA.
*Frederico Rezende é sócio e AJ - F. Rezende.