Migalhas de Peso

A recuperação judicial de clubes de futebol

A situação financeira dos Clubes tem chamado a atenção dos principais órgãos do esporte em todo o mundo, que adotam medidas para regularizar e modificar a cultura de inadimplência que existe atualmente.

5/6/2020

A possibilidade de utilização do instituto da Recuperação Judicial, não apenas restritivamente por empresários e sociedade empresária1, mas também pelos chamados Agentes Econômicos, é matéria constantemente presente nos debates jurídicos. Ainda que não pacificada, a matéria já foi enfrentada, inclusive em Tribunais Superiores, em casos envolvendo Produtores Rurais2, Cooperativas3 e Instituições de ensino4. A exemplo de tais agentes, a demanda por medidas recuperatórias precisa ser debatida também na esfera dos Clubes de Futebol.

Acompanha-se há certo tempo que muitos destes passam por grande dificuldade financeira há muitos anos e necessitam se reorganizar financeiramente. No ano de 2018 foi elaborado estudo técnico pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados5, concluindo que levaria, em média, 10 anos à maioria dos principais Clubes brasileiros para quitar todo o seu passivo, considerando a capacidade de geração de caixa do ano anterior6.

A situação financeira dos Clubes tem chamado a atenção dos principais órgãos do esporte em todo o mundo, que adotam medidas para regularizar e modificar a cultura de inadimplência que existe atualmente. Caso que chamou a atenção recentemente foi a punição aplicada pela UEFA (Union of European Football Associations) ao clube Manchester City, devido a descumprimentos e fraudes das regras de fair play financeiro da entidade7.

No Brasil, a Fifa (Fédération Internationale de Football Association) recentemente aplicou penalidade ao clube Cruzeiro por inadimplemento de contrato de empréstimo de um dos seus jogadores junto ao clube dos Emirados Árabes8. Da mesma forma, clubes como Sport, Atlético-MG, Palmeiras e Santos também possuem casos pendentes de análise, existindo a possibilidade de punição9.

A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) criou e definiu, junto aos clubes brasileiros, um modelo até então inexistente do seu Fair Play Financeiro, visando a evolução do esporte e licenciamento dos clubes10. Dentre suas determinações, noticiou-se a adoção de medidas de fiscalização de contas; auditorias de sustentabilidade entre receitas e despesas; regularidade de pagamento de salários, dentre outras11. O modelo será aplicado de forma gradual nos próximos anos para informar, orientar e, se necessário, punir aqueles em que descumpri-lo.

Atualmente, não obstante o PL de 1.397/2012, que prevê medidas de caráter transitório13 à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, também são debatidas medidas diversas que buscam especificamente maior regulação dos clubes. Destacam-se os projetos de criação de um novo modelo societário específico14, bem como o projeto que prevê regras migratórias dos clubes ao modelo empresarial já existente15.

Ainda que em regra, desde sua origem, tenha se adotado modelo organizacional de Associação Desportiva, não há qualquer dúvida da configuração dos Clubes como verdadeiros Agentes Econômicos16. A indústria do futebol brasileiro representa, de forma direta e indireta, 0,78% do PIB nacional, o que significa um valor total de R$ 52,9 bilhões17 e gera milhões de empregos; arrecada milhões em impostos; comercializa contratos de patrocínio, ingressos, camisetas, cotas de televisão, direitos econômicos de atletas, possui gestão profissional, folhas salariais, dentre diversas outras características tipicamente empresariais.

Portanto, veja-se que os Clubes de Futebol, afastadas suas peculiaridades que envolvem a paixão do torcedor que pratica e acompanha o esporte, não possuem maiores distinções em relação aos demais casos apreciados pelo Judiciário, além de permitir a maximização de ativos no interesse dos próprios credores18, de forma que também deveriam poder se valer do instituto da Recuperação de Empresas para reorganização do passivo.

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1 O Brasil, quando da criação do antigo Código Comercial em 1850, adotou o modelo restritivo francês – que hoje não é mais adotado sequer pela própria França – em que havia diferenciação entre comerciantes e não comerciantes. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Chapter 11 do Bankruptcy Code – o equivalente à nossa Recuperação Judicial – permite a aplicação do instituto inclusive a pessoas físicas, cidades e estados;

2 Sobre o tema: Clique aqui

3 Sobre o tema: Clique aqui

4 Destaca-se o recente deferimento do pedido de Recuperação Judicial da Associação Sociedade Brasileira de Instrução - ASBI e Instituto Cândido Mendes – ICAM, processo de 0093754-90.2020.8.19.0001. Disponível clicando aqui. Acesso em 28.05.20.

5 Disponível clicando aqui. Acessado em 28.05.20.

6 Neste mesmo estudo, destaca-se a situação do Cruzeiro, que necessitaria, pelos critérios apresentados, mais de 200 anos para quitar seu passivo;

7 Disponível clicando aqui. Acessado em 28.05.20.

8 Disponível clicando aqui. Acesso em 28.05.20.

9 Disponível clicando aqui. Acesso em 28.05.20.

10 Disponível clicando aqui. Acesso em 28.05.20.

11 Disponível clicando aqui. Acesso em 28.05.20.

12 Disponível clicando aqui. Acesso em 27.05.20.

13 O PL prevê a suspensão de todas ações e execuções movidas em face de Agentes Econômicos de contratos firmados ou repactuados anteriores a 27.05.20.

14 PL 5.516/19, Disponível clicando aqui. Acesso em 27.05.20.

15 PL 5.082/16, disponível clicando aqui. Acesso em 27.05.20.

16 Observada a divergência sobre a extensão e o alcance da expressão nas literaturas jurídica e econômica.

17 Disponível clicando aqui. Acesso em 27.05.20.

18 “Daí a sabedoria convencional segundo a qual a empresa vale mais em funcionamento do que liquidada em frações de ativos desagregados. A diferença entre as perspectivas corresponde no campo da avaliação de empresas, grosso modo, à distinção entre a avaliação pelo custo dos ativos e uma metodologia que considere o desempenho futuro esperado. A percepção sobre a existência de uma relação entre contrato e valor da empresa abre caminho para a investigação quanto às implicações trazidas à empresa pela privação do valor de um ativo relevante.” (KIRSCHBAUM, Deborah. Cláusula Resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais: uma análise econômico-jurídica. São Paulo: Revista Direito GV 3, v.2, n°1, jan-jun 2006. p. 40).

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*Diego Fernandes Estevez é mestre em Direito pela PUCRS. Sócio do escritório Estevez Advogados.




*Pablo Werner é mestrando em Direito Privado pela UFRGS. Sócio do escritório Estevez Advogados.

 

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