Estava prevista na ordem do dia 2 de junho a votação no Senado do projeto da "Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet" ou "PL das Fake News" como ficou popularmente conhecido, proposto conjuntamente pelos deputados Felipe Rigoni, Tabata Amaral e pelo Senador Alessandro Vieira. Com texto similar ao PL 1.429/2020 que tramitava na Câmara dos Deputados, de autoria de Felipe Rigoni e Tabata Amaral, e antecedido pelo PL 1.358/2020 que também havia sido proposto pelo Senador Alessandro Vieira e retirado pouco mais de um mês depois, o PL 2.630/2020 tinha como uma de suas maiores ambições o combate à desinformação.
Ele foi incluído na pauta de votação do Senado no dia 26 de maio e nos últimos 2 dias já havia recebido 63 propostas de emendas e 5 requerimentos de retirada da pauta. Além disso, foi alvo de críticas de especialistas e instituições como o ITS, o Instituto Liberdade Digital e a Coalizão Direitos na Rede, que apontavam falhas como o processo de aprovação apressado e sem o debate requerido diante das sérias alterações textuais que detém poder de alterar a relação da sociedade com a internet. Foi, inclusive, alvo de fake news, quando mensagens e vídeos circularam pelas redes sociais afirmando que o Portal do Senado estava incentivando o voto predefinido na consulta pública do PL 2.630/2020.
O PL das Fake News estava pautado para votação nesta terça, mas foi retirado a pedido do Senador Alessandro Vieira (CIDADANIA), que pediu o adiamento para permitir ao Senado uma avaliação mais detalhada sobre a proposta1. Em ato seguinte,os deputados Felipe Rigoni e Tabata Amaral protocolaram na Câmara uma nova versão do projeto de lei, o PL 3.063/2020 que, segundo os autores, foca exclusivamente em transparência e combate a robôs não identificados.
Diferente da discussão do chamado PL das Fake News, o Marco Civil da Internet foi amadurecido por quase cinco anos antes de ir para votação. O projeto surgiu em 2009, mas sua ideia já havia sido cunhada em 2007 em oposição ao projeto de lei de cibercrimes.
O MCI seguiu rigoroso, amplo e aberto debate sobre seus dispositivos, sendo o produto de várias contribuições que espelharam os muitos interesses sociais envolvidos naquele momento.
De fato, assim como os escândalos de espionagem da Agência de Segurança Nacional (ASN) revelados por Edward Snowden motivaram o pedido de agilidade ao Congresso brasileiro da aprovação do MCI, o contexto da pandemia bem como a proximidade do período eleitoral aceleraram a votação do PL das Fake News. Sua votação é pautada um dia antes da operação da Polícia Federal no âmbito do inquérito que investiga fake news contra membros do Supremo Tribunal Federal (STF)2
Apesar das motivações para o projeto de lei, a regulação proposta pode ter efeitos imediatos sobre a responsabilização no âmbito digital e na utilização de aplicativos, em um momento delicado em que, mais do que nunca, dependemos da internet e de suas aplicações. A ausência de um debate com os diversos atores afetados por este PL pode vir a acarretar sérios impactos a direitos fundamentais como a liberdade de expressão, a livre iniciativa e a liberdade econômica.
A pretensão de se tornar a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet parece não ter sido alcançada. As propostas apresentadas desconsideram recomendações básicas no combate à desinformação, tal como o do guia produzido pela Organização dos Estados Americanos (OEA) para garantia de liberdade de expressão e combate à desinformação no contexto eleitoral3. Nele é preconizado que a legislação dos países evite responsabilizar as plataformas pelos conteúdos publicados por terceiros e criar tipos penais para criminalizar a divulgação de notícias falsas, bem como que sejam fortalecidas legislações de proteção de dados pessoais.
O adiamento da votação do PL 2.630/2020 é uma oportunidade para promover um debate mais amplo e multisetorial. De nada adianta boas intenções dos legisladores, se a lei resultante não apresentar um conteúdo que seja de fato uma solução adequada para os problemas concretos do processo de desinformação.
Linha do tempo da "Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet" ou "PL das Fake News"
- 1º/4/2020: PL 1.429/2020, proposta pelos deputados Felipe Rigoni (PSB/ES) e Tabata Amaral (PDT/SP) na Câmara dos Deputados4.
- 2/4/2020: PL 1.358/2020, proposta pelo Senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE) no Senado.
- 8/5/2020: PL 1.429/2020 é disponibilizado para Consulta Pública com prazo inicial para conclusão até dia 18 de maio de 2020, tendo sido postergado para 18 de junho de 20205.
- 13/5/2020: PL 1.358/2020 é retirado pelo autor do PL no Senado e é proposto o PL 2.630/2020.
- 26/5/2020: Na Câmara dos Deputados, o PL 1.429 foi retirado de tramitação na e arquivado, mediante requerimento 1.299/2020 pelos autores da PL. No Senado, o presidente Davi Alcolumbre inclui na pauta a votação do PL 2.630/2020.
- 1º/6/2020: o PL 2.630/2020 recebe 20 emendas.
- 2/6/2020: No Senado, o PL 2.630 recebe 43 emendas e 5 requerimentos de retirada da pauta de votação. O Autor, Senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE), pede a retirada de pauta e a votação é adiada6. Na Câmara dos deputados, é apresentado um novo PL 3063/2020 na Câmara dos Deputados pelos deputados Felipe Rigoni (PSB/ES) e Tabata Amaral (PDT/SP) com os mesmos fins do PL 1.429, mas que, segundo os autores, foca no combate a contas falsas e disseminação automatizada dos conteúdos.7
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1 Sem relatório, projeto de lei contra fake news tem votação adiada.
2 Para senadores, operação da PF mostra importância de projeto contra fake news.
5 Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
6 Votação de projeto contra fake news é adiada.
7 Votação do projeto que cria lei das fake news é adiada.
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*Samara Castro é advogada, vice presidente da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB-RJ, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), pesquisadora do Instituto Liberdade Digital e membro do Grupo Prerrogativas.
*Camila Tsuzuki é advogada, pós-graduanda em direito eleitoral pelo IDDE e pesquisadora do Instituto Liberdade Digital.
*Beatriz Moraes é advogada, pesquisadora do Instituto Liberdade Digital e Pós Graduanda em Direito Digital (Mackenzie) e Direito Internacional Aplicado (EBRADI).