Como forma de preservação dos empregos e contingenciamento dos impactos causados na economia do país em razão do covid-19, em 02.04.20 foi publicada a medida provisória 9361, que prevê, dentre outras medidas, a possibilidade de redução proporcional de salário e jornada e suspensão temporária do contrato de trabalho.
Sendo a hipótese de suspensão temporária, o empregado fará jus ao Bem (Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e Renda) equivalente ao valor que perceberia a título de seguro desemprego2, enquanto que na redução proporcional de salário e jornada, tema que nos interessa, o Bem será calculado aplicando-se sobre a base de cálculo o percentual da redução.
Não obstante os diversos questionamentos decorrentes dessa medida governamental, os quais não serão objeto deste estudo, passamos a tratar da peculiaridade que envolve a aplicação do instituto da redução proporcional de salário e jornada para os empregados não abrangidos pelo regime de jornada previsto na CLT, quais sejam I) os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho; II) os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, e III) os empregados em regime de teletrabalho3.
Desde a publicação da medida provisória, o tema tem sido objeto de acaloradas discussões na comunidade jurídica, tendo em vista as inúmeras alterações provocadas no âmbito trabalhista, gerando dúvidas e incertezas quanto à sua aplicação, seus limites e requisitos de validade.
Pois bem. Um ponto que merece atenção e é, de fato, o enfoque a que se pretende dar ao presente ensaio, diz respeito à possibilidade ou não de aplicação do instituto da redução de jornada e salário para os trabalhadores não abrangidos pelo regime de jornada, tendo em vista o exercício de atividades incompatíveis com a fixação e controle de jornada.
Em razão dessa peculiaridade, tem se travado debates sobre a viabilidade jurídica de se celebrar um acordo de redução de jornada para empregados não sujeitos à fixação e controle de jornada.
Aqueles que defendem a não aplicabilidade da redução de jornada e salário para tais empregados, o fazem, em sua maioria, sob o argumento principal de que não se pode reduzir aquilo que não se pode mensurar ou controlar.
Em que pese tal argumento parecer evidente à primeira vez, o tema demanda uma análise mais aprofundada para o seu enfrentamento, pois, ainda que não se possa controlar a jornada diária do trabalhador, é certo que, quando da contratação, a fixação de remuneração é feita com base numa expectativa de jornada mensal a ser desempenhada, independentemente da possibilidade ou não de controle de jornada.
Assim é que, numa perspectiva de razoabilidade, pode-se entender que o salário do empregado é fixado com base na jornada padrão estipulada na Constituição Federal, qual seja de 8 horas diárias e 44 horas semanais, ainda que não se possa mensurar os efetivos horários de início e término de labor.
Não há que se perder de vista que a exclusão de tais trabalhadores do regime de jornada se dá, notadamente, porque, se o empregador não pode controlar os horários de trabalho, significa dizer que o empregado dispõe de autonomia para fazer as devidas compensações por conta própria, como por exemplo, trabalhando horas a menos em dia para compensar algum dia que precisou estender sua jornada.
Não se quer dizer, contudo, que este trabalhador não possua qualquer parâmetro para a definição dos seus horários de trabalho, mesmo porque a própria demanda de trabalho estabelecida pelo empregador deve possuir equivalência com uma jornada de trabalho compatível e razoável.
Esta discussão, contudo, restou superada com a edição da portaria SEPRT 10.486 de 22 de abril de 20204, já que seu artigo 4º, § 3º, disciplina que o Bem não será devido se verificada a manutenção do mesmo nível de exigência de produtividade ou de efetivo desempenho do trabalho para os empregados não sujeitos a controle de jornada, bem como para os empregados que percebam remuneração variável.
A interpretação do referido dispositivo pressupõe, por óbvio, que esses trabalhadores possam perceber o benefício, sendo afastada a interpretação de que os empregados não sujeitos a controle de jornada estariam excluídos da aplicabilidade da redução de jornada e salário.
A regulamentação da portaria, ao nosso ver, muito acertada, faz cessar qualquer dúvida acerca de tal aplicabilidade, devendo ser observado, entretanto, um requisito essencial, qual seja a redução do nível de exigência de produtividade ou de efetivo desempenho de trabalho.
Ora, não sendo possível controlar a jornada desses empregados, resta evidente que é preciso haver, de fato, uma redução de demanda que justifique a redução de salário, assim como uma redução da exigência de produtividade, notadamente no que concerne às metas.
Proceder à redução proporcional de jornada e salário sem a observância de tal requisito importa em sua invalidade, já que deixaria de atingir à finalidade precípua da norma, qual seja manter os empregos diante do enfretamento de uma recessão econômica, pressupondo, portanto, a existência da redução da carga de trabalho.
Como se não bastasse, a manutenção dos mesmos níveis de metas diante de um cenário de calamidade pública, com a notória redução de demanda da maioria dos setores da economia, importa em fixação de metas inatingíveis, violando a boa-fé que deve reger as relações trabalhistas, sendo passível, inclusive, de indenização perante a justiça do trabalho.
A conclusão do presente ensaio é no sentido de que a MP 936/20 possui aplicabilidade indistinta aos empregados não submetidos ao controle de jornada, sendo possível a celebração de acordo de redução de jornada e salário, desde que a redução do salário seja acompanhada da efetiva redução de demandas e do nível de exigência de produtividade ou de efetivo desempenho de trabalho.
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2 Artigo 8, § 5º da MP 936 disciplina que A empresa que tiver auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), somente poderá suspender o contrato de trabalho de seus empregados mediante o pagamento de ajuda compensatória mensal no valor de trinta por cento do valor do salário do empregado, durante o período da suspensão temporária de trabalho pactuado, observado o disposto no caput e no art. 9º.
3 Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo
I - os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;
II - os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.
III - os empregados em regime de teletrabalho.
4 Disponível clicando aqui
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*Priscila Lima Almeida é sócia advogada do escritório Azi, Torres, Castro, Habib & Pinto Advogados Associados. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho e em Direito Constitucional.