É preciso ajudar as empresas e os agentes econômicos a enfrentar essa batalha contra a pandemia de covid-19. São as empresas que lutam na ponta da linha para manter suas atividades, o emprego das pessoas, o recolhimento de tributos e a circulação de produtos e serviços que são essenciais à população brasileira. As empresas estão perdendo essa guerra porque não têm ferramentas adequadas para enfrentar uma crise sem precedentes na história recente do Mundo. As medidas de distanciamento social e a própria pandemia afetaram brutalmente o faturamento das empresas. Sem faturamento, as empresas não têm recursos para cumprir suas obrigações. Surge daí uma onda de inadimplência que pode levar ao desaparecimento das empresas e, com elas, dos empregos, produtos, serviços e tributos. A situação brasileira é especialmente grave, já que 84% das ME e EPP já apresentavam queda de faturamento superior a 30% no final do mês de Março. Não obstante o esforço de injeção de liquidez que o governo brasileiro tem feito, o fato é que o crédito não está chegando até as empresas, notadamente as micro e pequenas empresas, que compõem 99% de todas as empresas brasileiras. Conforme dados veiculados pelo Sebrae, 60% das empresas que buscaram financiamento bancário não conseguiram já na primeira semana do mês de Abril.
As empresas que não conseguem crédito terão de tentar negociar com seus credores. Mas não haverá muito espaço de negociação, uma vez que também os credores passam por dificuldades e também são devedores de outrem. E quase ninguém tem acesso ao crédito para oferecer uma proposta de acordo razoável. Como imaginar que essas empresas terão sucesso na superação dessa crise, sem dar a elas ferramentas para enfrentar a escassez de crédito financeiro e a ausência de espaço de negociação?
O PL 1.397/20, recentemente aprovado na Câmara dos Deputados, traz essas ferramentas que serão essenciais para a preservação da atividade econômica no Brasil, prevendo uma série de medidas transitórias, posto que válidas apenas durante a vigência do decreto legislativo 6/20, que declarou estado de calamidade pública em razão da pandemia com vigência até 31.12.20 ou enquanto durar os efeitos desta, tendentes a auxiliar os empresários na superação da crise econômico-financeira.
Dentre as ferramentas apresentadas pelo PL 1.397/20, merecem destaque: a) a suspensão legal de atos executivos, pelo prazo de 30 (trinta) dias (suspensão da excussão judicial ou extrajudicial das garantias reais, fiduciárias, fidejussórias e de coobrigações; da decretação de falência; da resolução unilateral de contratos bilaterais, sendo considerada nula qualquer disposição contratual nesse sentido, inclusive de vencimento antecipado; e da cobrança de multas de qualquer natureza, desde que incidentes durante períodos específicos) e b) a negociação preventiva, pelo prazo máximo e improrrogável de 90 (noventa) dias, com natureza de jurisdição voluntária.
Essas medidas extremamente positivas, pois, além de proporcionar a abertura de negociações extrajudiciais entre devedores e credores, que tendem, se bem conduzidas, a solucionar uma série de conflitos, evitam que inúmeras ações sejam ajuizadas por credores e devedoras, buscando alcançar os objetivos supramencionados, quais sejam, a revisão de contratos e a obtenção da mora no âmbito das devedoras, e a execução de contratos e a realização de garantias por parte das devedoras.
O ajuizamento de milhares de ações complexas e com alta viscosidade processual ao mesmo tempo certamente congestionará o Poder Judiciário, que não conseguirá dar vazão, com a celeridade necessária, ao grande número de ações judicias apresentadas, notadamente aquelas que tratam de recuperação judicial, que normalmente exigem urgência na apreciação dos pedidos nela formulados desde o despacho inicial.
Cria-se, portanto, o espaço de negociação hoje inexistente. Garante-se a manutenção das atividades econômicas em benefício de credores e de devedores. Todos são beneficiados pelas medidas de prevenção à insolvência.
Mas não basta apenas criar o espaço de negociação. É preciso dar aos agentes econômicos alternativas de acesso ao crédito para que as empresas consigam cumprir suas obrigações em condições que possam ser aceitas pelos credores.
Nesse sentido, o PL 1.397/20 cria a possibilidade de obtenção de empréstimos, pelo devedor, com seus credores, sócios e sociedades do mesmo grupo econômico, sem necessidade de autorização judicial, assegurando, para facilitar a atração de investimentos, aos detentores desses créditos que fiquem afastados os efeitos da recuperação judicial ou extrajudicial eventualmente requerida pelo devedor, e, em caso de falência, que estes créditos sejam enquadrados como extraconcursais, devendo o pagamento ocorrer com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, conforme previsão contida no art. 84, V, da lei 11.101/05. Essa previsão certamente possibilitará a atração de créditos pelas empresas em dificuldade que estavam basicamente à mercê do sistema financeiro para obtenção destes.
O PL 1.397/20 cria ainda mais um estímulo à negociação, na medida em que protege o credor ao determinar que o valor original do crédito será preservado em caso de ajuizamento pela devedora de falência ou recuperação empresarial no prazo de 360 dias.
Assim, é um grande negócio para o credor fazer um acordo com o seu devedor durante a suspensão legal ou a negociação preventiva, na medida em que garantirá que o crédito novado não seja atingido por futura ação de insolvência. E mais. O acordo é de baixo risco, na medida em que a situação voltará ao status quo ante no caso de falência ou recuperação ajuizadas dentro de 360 dias.
Diante do exposto, não há dúvidas de que o PL 1.397/20 traz as ferramentas necessárias para que as empresas enfrentem esse momento de crise aguda, sendo essencial para a preservação das atividades empresariais no Brasil.
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*Daniel Carnio Costa é juiz titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo/SP.
*Cláudio Augusto Marques de Sales é juiz titular da 1ª Vara de Recuperações Judiciais e Falências de Fortaleza/CE.