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A cortina de fumaça sobre a verdadeira discussão sobre seguro garantia: A baixa liquidez dessa garantia em algumas situações

A pandemia do covid-19 não pode se transformar em uma corrida para substituições de depósitos judiciais, por seguros garantias. Tanto credor quanto o devedor sofrem os efeitos da paralisação da economia.

22/5/2020

A validade do seguro garantia previsto no art. 835, §2º, do CPC, é uma matéria que vem sendo bastante discutida. Entretanto, pontos fundamentais não estão sendo analisados, como as consequências jurídicas de uma má contratação desse tipo de seguro feita pelo devedor, que terá reflexos diretos no credor do processo judicial. Esse artigo aborda a baixa liquidez dessa garantia judicial em algumas situações e a importância de o juiz analisar os termos da apólice de seguro garantia apresentada em juízo, antes de aceitá-la.

A análise da idoneidade da apólice do seguro garantia

A pandemia do covid-19 não pode se transformar em uma corrida para substituições de depósitos judiciais, por seguros garantias. Tanto credor quanto o devedor sofrem os efeitos da paralisação da economia.

O pedido de substituição do depósito judicial por seguro garantia deve vir instruído de prova contábil e efetiva do prejuízo do devedor, pela retirada abrupta do seu capital de giro. Por sua vez, os termos constantes da apólice do seguro garantia também devem ser analisados à fundo.

O seguro garantia (art. 835, §2º, CPC) não pode ser utilizado como um “cheque em branco” e “sem fundos” em benefício de devedores, sob pena de comprometer a efetividade das decisões judiciais. As condições previstas na apólice de seguro garantia e a situação das próprias seguradoras que emitem essas apólices devem ser criteriosamente analisadas. Mas na prática não são.

Muitas vezes a discussão sobre o seguro garantia judicial fica apenas no campo teórico. Discute-se sobre a validade desse tipo de garantia e uma vez considerada válida, aceita-se a garantia sem analisar qualquer cláusula da apólice apresentada em juízo. Esta cortina de fumaça esconde a verdadeira discussão: a possível inidoneidade da garantia judicial.

Para Gustavo de Medeiros Melo seguro garantia será idôneo se: (a) a apólice for emitida por seguradora em funcionamento regular; (b) tiver um prazo de vigência que acompanhe todo o desenrolar da tramitação do processo judicial; (c) houver previsão na apólice de que a garantia não perderá efeito mesmo estando o tomador inadimplente com o pagamento do prêmio; (d) a apólice estiver apta a gerar efeitos imediatos assim que for acionada a seguradora pelo órgão judicial para proceder ao depósito em juízo; e (e) o seguro representar maior liquidez do que o bem penhorado1.

Na prática, muitas dessas apólices contêm cláusulas que retiram a idoneidade da garantia porque (a) condicionam a liberação do valor a prazos e ao esgotamento de todos os tipos de recursos cabíveis2; (b) possuem prazo de vigência de apenas um ano3; (c) são emitidas por seguradoras pequenas e desconhecidas do mercado, com capital social muito menor do que a empresa que está sendo assegurada, representando menor liquidez do que qualquer bem a ser penhorado do executado4.

O seguro garantia exerce um papel importante desde que possua alta liquidez. Não se pode perder de vista que o contrato é firmado pelo devedor de ação judicial, com seguradora que não fez parte da lide, porém afetando diretamente o direito do credor judicial.

Desta forma, parece intuitivo que o credor pode negar a garantia ofertada pelo devedor e o juiz deve indeferir a substituição do depósito judicial, quando a apólice for emitida por seguradora de pequeno porte e sem qualquer expressão nacional. Não se trata de privilegiar grandes seguradoras em detrimento de pequenas. Trata-se de proteger o direito de credores que poderão ser afetados por uma má contratação.

A fiança bancária prestada por um grande banco tem maior grau de confiabilidade, do que a prestada por um pequeno banco. No seguro garantia a lógica deve ser a mesma.

Tornando claro, a garantia prestada em juízo deve ser idônea e não uma forma transversa de devedores se esquivarem de uma obrigação líquida, certa e exigível, apresentando apólices que não garante efetivamente o cumprimento da condenação judicial.

Conclusão

A pandemia do covid-19 não pode se transformar em uma corrida para substituições de depósitos judiciais em seguros garantias de baixa liquidez.

O pedido de substituição deve ser precedido da demonstração cabal dos danos efetivos ao capital de giro e a atividade regular da devedora, sem deixar de considerar que o credor também pode estar passando pela mesma dificuldade financeira.

Deve-se ter um olhar especial para as cláusulas das apólices do seguro garantia que estão sendo apresentados em juízo. Como também, ponderar os interesses em conflito, especialmente as posições econômicas de credores e devedores.

Os devedores devem buscar seguradoras de grande reputação no mercado de seguro para firmarem seus contratos de seguro garantia, especialmente porque o impacto da contratação se dará na esfera do credor de um título judicial.

O seguro garantia não constitui direito absoluto do devedor, devendo prevalecer, em princípio, a ordem legal de preferência estabelecida no art. 835 CPC.

Por fim, não pode ocorrer a substituição em processos fiscais federais porque esses valores estão sendo utilizados para combate a pandemia5 e nem em processos originários de ações securitárias, posto que não parece razoável e nem legitimamente aceitável, que a seguradora pretenda compelir o credor a aceitar o seguro garantia ofertado em cumprimento de sentença, originário de ação de seguro em que a seguradora já foi condenada6.

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1 Melo, Gustavo de Medeiros. Seguro garantia judicial Aspectos processuais e materiais de uma figura ainda desconhecida. Disponível clicando aqui . Acessado em 16.05.20.

2 Assim, a liquidação da apólice não está diretamente condicionada a ordem do juízo da execução, mas, sim, a interpretação que a empresa que emitiu a apólice de seguro garantia fará da situação concreta.

3 A respeito do tema: “Enfim, o que parece razoável para considerar idônea a garantia seria a sua apólice prever uma cláusula pela qual a seguradora se obriga a manter o seguro vigente enquanto pender a disputa judicial.

Por essas e outras especificidades, o Projeto de Lei 8.034/10 (anexado ao PL 3.555/04), que pretende instituir uma lei específica para reger os contratos de seguro, com apoio do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), em tramitação na Câmara dos Deputados, propõe a seguinte disposição: ‘O contrato presume-se celebrado para viger pelo prazo de um ano, salvo quando outro prazo decorrer da sua natureza, do interesse, do risco ou de acordo das partes’ (art. 56)”. Gustavo de Medeiros Melo. Seguro garantia judicial Aspectos processuais e materiais de uma figura ainda desconhecida. Disponível clicando aqui . Acessado em 16.05.20.

4 Grandes seguradoras quando emitem seguro garantia cobram prêmios correspondentes a garantia oferecida. Pequenas seguradoras cobram valores mais baratos e possuem liquidez duvidosa.

5 STF. RE 1.239.911/SP, Fux negou pedido para substituir depósito judicial por seguro devido à pandemia.

6 STJ. AREsp 1.281.694/SC. Decisão na íntegra disponível clicando aqui

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*Guilherme Veiga Chaves é advogado e sócio do escritório Gamborgi, Bruno & Camisão Advogados Associados.

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